Diário de Sobrevivência escrita por Pedro Pitori, WillianSant13


Capítulo 19
Diário 6 - Jimmy




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*DOIS DIAS DEPOIS*
Estava chovendo muito forte agora. Eu observava os raios caindo pela floresta adentro, enquanto me abrigava embaixo do toldo do mercadinho na beira da estrada. Giovanna, Aaron e Júlia estavam lá dentro procurando por mantimentos e munição, enquanto Everthon estava sentado na mureta da calçada observando a chuva. Segurei meu revolver com mais força e continuei a patrulhar o local em busca de zumbis. Giovanna saiu do mercado e veio em minha direção.
– Ei, que tal se passássemos a noite e aqui? Amanhã nós podemos ver o que iremos fazer.
– É, pode ser. - respondi. - Vamos revezar novamente para patrulhar, ok?
– Uhum. - ela assentiu enquanto observava Everthon. - Ainda mal? Cara, ele parece que acabou de terminar um namoro e não consegue superar.
Eu ri
– Dê um tempo a ele. Eles conhece Canni há anos e tudo mais, é normal que esteja assim.
– Por dois dias? - ela perguntou ironicamente.
– Sim. - eu ri novamente. - Eu acho, mas falando sério, ele ficará bem.
Everthon nos olhava agora.
– Eu espero. O que faremos com relação à Canni? Bem, eu quero dizer, ele salvou a minha vida, mas... É muito perigoso voltar e tudo mais. - Giovanna sussurrou.
– Não sei, não deveríamos voltar mesmo. Aquele cara é louco, tivemos sorte de sair inteiros de lá. E não quero arriscar as nossas vidas indo até lá novamente. - sussurrei.
– Não quero voltar, não que eu esteja com medo, mas... Só não quero ficar sem vocês e claro, não quero morrer.
– Você não vai, porquê não vamos voltar. E ele... Bem, ele terá que entender isso. - eu a abracei e beijei a testa dela. - Tudo ficará bem. - Eu disse isso sem ter nem um pouco de certeza se isso aconteceria, realmente. Só não queria deixá-la mal e deixar tudo bem, só isso.
– Vem, vamos entrar, está ficando escuro. - Ela me puxou pela mão e parou em frente à porta. - Everthon, você vem?
– Depois, vá na frente. - ele sussurrou.
Entramos no mercado escuro e encontramos Júlia e Aaron deitados no chão de forma fofa próximos aos pães. Sentamos juntos a ele e ficamos em silêncio por alguns segundos.
– Aaron, o que você acha? - perguntei enquanto ele me observava com cara de espanto. - Deveríamos voltar, ou não? É perigoso, mas Everthon quer voltar. E é o Canni, ele salvou a nossa vida há uns dias e devemos isso à ele.
– Hã... Cara, é... Desculpa, mas eu não vou voltar. Tudo bem, eles estão com o seu amigo e tudo mais, porém, Júlia está assustada ainda e não queremos morrer. Você viu aquele cara, ele pode nos matar em dois segundos, desculpa mesmo. - Aaron abaixou a cabeça.
– Ah, é, tudo bem. Giovanna e eu não planejamos voltar também. Mas não espere a mesma coisa de Everthon, afinal, eles são bem amigos. - sussurrei.
– Entendo. Não espero nada dele, afinal nem o conheço e não fui com a cara dele. - Aaron sussurrou.
Giovanna riu.
– Para aonde vamos amanhã? Brooksville?
– Pode ser. Quero checar algumas coisas por lá, sabe, eu tinha amigos que moravam lá.
– Sério? - perguntei.
– Sim, sim. É uma cidade pequena e calma. Fica em um local alto e no meio das montanhas, difícil acesso até lá. Pode parecer loucura mas, a cidade é pequena e nós podemos morar lá por um tempo. Os infectados não devem conseguir chegar até lá, eu acho.
– É uma boa, não? - olhei para Giovanna.
– É, podemos tentar chegar até lá no amanhecer. - Giovanna sussurrou.
– O ar é rarefeito lá. - Júlia disse. Ambos tomamos um susto, eu poderia jurar que ela estava dormindo. - Sera difícil respirar lá por um tempo, até nos acostumarmos.
– A gente acostuma, amor. É a única saída que vejo até agora. - Aaron sussurrou.
Ela deu com os ombros.
– Se os zumbis realmente não conseguirem chegar até lá, estaremos bem. Só não podemos fazer muito barulho nem fazer muita iluminação. - Giovanna informou.
– Enfim, amanhã nós partiremos até essa tal cidade aí. Vou falar com Everthon para que a gente reveze na patrulha. - fiquei em pé.
– Ei cara, eu vou descansar por um tempo mas me acorde que ajudo na patrulha, certo? - perguntou Aaron.
– Pode deixar. - assenti.
– Tenho alguns sacos de dormir aqui na mochila do Jimmy. - Giovanna tirou quatro sacos de dormir da minha mochila e os colocou no chão. - Certo, quem fica de patrulha não precisará mesmo.
Ela veio em minha direção e me beijou por alguns segundos. Segurei a cintura dela.
– Cuidado lá fora, ok?
– Pode deixar. - A soltei e sai do mercadinho.
– Everthon? - caminhei até Everthon. - Vá dormir, eu faço a primeira patrulha certo?
– Eu estou bem. Vá dormir você, quando eu estiver cansado eu te chamo.
– Não cara, você deu duro hoje. Merece uma boa noite de descanso. - sussurrei.
Ele bufou.
– Tudo bem, tudo bem. Mas me acorde daqui umas horas que eu prossigo, ok?
– Claro, vai lá.
Ele entrou no mercadinho, fechou a porta e a persiana da porta. Sentei na mureta da calçada e observei ao meu redor. Ao lado do mercado havia uma pequena barbearia barricada e um telefone público. Haviam locais para deixar as bicicletas e haviam brinquedos para crianças. Saquei um pequeno pedaço de espelho que achei no trem e me observei: meus olhos azuis estavam diferentes, minha expressão facial havia mudado drasticamente. Meu cabelo que era loiro, estava preto de sujeira e pó. Minha jaqueta de frio estava com respingos de sangue por toda parte do peito. Guardei o pedaço no bolso da jaqueta e voltei a fitar o redor: estava tudo muito calmo. Sem zumbis, sem sobreviventes, sem nada. O céu estava muito bonito, era lua cheia e haviam demasiadas estrelas brilhantes. Deveria ser cerca de oito da noite agora e a chuva havia parado, pelo menos por agora.
***
O dia estava quase raiando. Eu não tinha ideia de que horas eram naquele momento. Havia uma névoa pairando na floresta, deixando o lugar assustador. Eu estava com o arco de Giovanna agora, era melhor pois era silencioso, não atraía zumbis e não gastava munição. Aaron saiu do mercado e veio em minha direção no momento em que eu observava a floresta.
– Pode ir dormir agora, eu assumo daqui.
– Certo. - respondi.
Entrei e encontrei Giovanna que arrumava minha mochila.
– Mas já acordada moça? - perguntei.
– Não consigo dormir direito. - ela riu.
– Entendo, entendo. Vou deitar um pouco, ok?
– Descanse, será mais um dia longo.
Assenti com a cabeça enquanto deitava no saco. Eu estava morto, sério, apenas meu corpo estava ali naquele momento. Fazia horas que eu não dormia, e mal terminei de deitar e adormeci. Sonhei com Canni, Willian, minha mãe e outras pessoas que perdi. Eu preferia ficar acordado, pois assim eu não precisava passar por esses sonhos malucos que me deixam super mal. Sonhei que eu estava andando por um corredor escuro, havia apenas quadros nas paredes e uma porta no final do corredor. O piso era de madeira com um tapete vermelho, e fazia barulhos à medida em que eu passava. Uma voz que eu não conseguia me recordar de quem era, me chamava no final do corredor atrás da porta.
– Vem logo, seu inútil. - a voz chamava. - Você vem ou não?
Abri a maçaneta da porta e adentrei numa sala branca. Não havia absolutamente nada na sala, paredes, móveis, decorações nem nada. Era uma espécie de paraíso perdido, era como estar voando no meio do nada sem conseguir sair. Havia uma luz branca e cegante no final do lugar, era medonho demais. A porta atrás de mim se fechou com um som forte e abafado, corri e tentei abrir a porta: havia sido trancada.
– Aonde pensa que vai? - perguntou a voz do garoto.
Me virei rapidamente e percebi que havia um garoto virado de costas para mim. Andei calmamente na direção dele e toquei o seu ombro. Instantaneamente ele se virou e observou sem expressão, como se estivesse morto. Dei um passo atrás e fiquei assustado: era Willian. Ele estava transformado como zumbi, seu olho estava totalmente preto com sangue nas bordas; sua pele estava toda mordida e ensaguentada; sua roupa rasgada e o seu jeito dessincronizado.
– Não tenha medo. - ele disse.
Ele pulou no meu rosto me levando ao chão, ele estava com cheiro de morto e só o seu cheiro quase me fez desmaiar. Na hora em que ele tentava morder meu rosto, acabei acordando pois Giovanna estava me sacudindo agora.
– Ei, acorde. Hora de partir.
– Está tudo bem? - me sentei confuso.
– Tudo numa boa. Júlia e Aaron já estão lá fora, Everthon está de vigia agora. - ela disse.
Levantei e observei ao meu redor: estava tudo numa boa. Giovanna guardou as coisas na mochila e saímos do mercado. Aaron estava mirando em algo na floresta enquanto Júlia esfaqueava o ar e Everthon estava encostado no telefone público. Caminhei até ele e o observei: ele estava com a cara fechada e os braços cruzados indicavam impaciência.
– Eaí cara? - perguntei.
– Oi.
– Está melhor?
– Não, mas indo. - ele virou a cara para a floresta.
Júlia e os outros chegaram e observaram Everthon.
– Então, quando iremos voltar para buscar Canni?
Todos ficaram em silêncio máximo e observaram o chão. Everthon fez expressão de desentedimento.
– O que foi? - ele perguntou.
– É, Everthon, precisamos conversar. - eu disse. - Sabe... Resolvemos que não iremos voltar.
Ele ficou nervoso.
– É perigoso demais, quase morremos e foi muita sorte ele ter nos deixado escapar. - prossegui.
– Então é isso? Vão desistir do cara que salvou a vida de vocês? Vão embora e ligar um foda-se para ele? - Everthon gritava agora. - Eu realmente esparava mais de vocês, ele é meu amigo e eu vou atrás dele custe o que custar. Se vocês vêm ou não, isso não é problema meu!
– Ev... - Giovanna deu um passo à frente.
Everthon saiu correndo em direção à floresta.
– Vou atrás dele. - avisei.
– Nem pensar. - Giovanna me segurou pelo braço. - Você fica, ele quis ir, que vá!
– Preciso ir, ele irá morrer no caminho ou quem sabe pior: aquele psicopata o mate.
Corri em direção à floresta, desci o pequeno morro e adentrei na vale neblinoso. Passei por umas 15 árvores até chegar num pequeno lago.
– Everthon! - chamei.
Eu não podia gritar, poderia atrair a atenção dos infectados e outros sobreviventes. Continuei indo em direção ao sul, pois depois era fácil voltar. Corri mais um pouco e parei numa clareira, haviam poucas árvores ali e muito mato. Ouvi sons e vi pessoas vindo em minha direção, mas não eram pessoas e sim, zumbis.
– Droga. - sussurrei.
Corri de volta em direção aos meus amigos, desviei de árvores e de uns cinco zumbis. Olhei para trás: cerca de quinze zumbis corriam atrás de mim agora. Alcancei o topo da colina, Giovanna me observava com os braços cruzados. Corri até ela e parei para pegar um pouco de ar.
– Cadê os outros? Não há tempo, há uma horda vindo para cá.
– Cadê ele?
– Não achei, há muita neblina. Não há tempo, precisamos partir. - avisei nervoso.
– Estão na rua já, vamos. - ela me puxou pelo braço.
Chegamos à rua e vimos Aaron observando o Sol.
– I knew you were trouble when you walked in... - cantava Júlia.
– Precisamos sair daqui, agora. Há uma horda vindo para cá, e Everthon sumiu! - avisei sem fôlego. - Está tudo pronto?
– Sim, mas... Vai deixá-lo para trás? - perguntou Aaron.
– Não podemos voltar, há muito deles. Iremos procurar por ele depois, vamos! - chamei.
– Está tudo pronto, já arrumamos nossas mochilas, vamos! - Júlia correu pela estrada no sentindo leste.
Aaron foi atrás, eu e Giovanna corríamos lado a lado para alcançá-los.
– Vamos pela floresta? - perguntei quando alcançai Aaron. - É mais seguro de outras pessoas.
– E mais chances de sermos mortos pelos zumbis. - ele disse ofegante. - Vamos continuar pela estrada.
Olhei para trás e avistei apenas uns cinco zumbis caminhando lentamente à medida em que saiam da floresta. Corremos por uns metros e paramos em frente à uma placa de estrada que indicava "PARANÁ - 345 KM, BROOKSVILLE 5 KM."
– Não é tão longe assim. - Aaron disse.
– É, acho que chegaremos ainda hoje se formos rápidos. - eu disse.
***
Finalmente chegamos ao topo da montanha. Saímos da estrada e fomos até uma clareira da beira da estrada, haviam alguns bancos de madeira e uma proteção de ferro na beira da encosta. Estávamos todos ofegantes e cansados agora, Giovanna tirou algumas garrafas d'água que achou no mercado e nos deu.
– Estamos perto? - perguntei.
– Sim, sim. Só mais um pouco de subida e estaremos na cidade. - Aaron respondeu quase sem fôlego.
Me aproximei da encosta e observei o horizonte: uma floresta imensa se estendia lá em baixo, uma estrada cortava a floresta em duas partes. Vi alguns focos de incêndio no horizonte, muita fumaça escura vinha de lá.
– Vamos continuar subindo. - chamei-os.
Giovanna guardou o arco nas costas e me seguiu. Júlia estava cansada então ficou um pouco mais atrás, eu não iria descansar mais até chegar lá, preciso saber como é realmente o lugar. Alcançamos o final da estrada em cima da montanha, havia um arco de mármore com as letras "BROOKSVILLE" em dourado na parte superior. Passamos pelo arco e continuamos na avenida principal, a cidade era alta e cercada por mato, o que a fazia ser isolada. Chegamos até uma praça pequena no centro. Havia uma fonte que estava jorrando água, alguns bancos, uma máquina de sorvete e muitas flores. Em volta da praça haviam quatros ruas interligadas e vários edifícios pequenos ao redor, todos seguiam o mesmo padrão. Havia uma loja de roupas, farmácia, mercado, posto policial e o prédio maior, a prefeitura. Atravessamos a praça e passamos em frente à prefeitura, continuamos indo até chegarmos num bairro residencial. A placa do poste indicava que estávamos no bairro azul, na avenida Lison que cruzava a avenida Hanson. Seguimos até o final da rua que era sem saída, e paramos em frente a uma Igreja branca, pequena e velha.
– Ficaremos aqui? - perguntou Júlia.
– Não, vamos ficar naquela casa ali. - apontei para uma casa branca de apenas um andar que era cercada com cercas altas marrons. - Parece seguro para ficarmos por um tempo.
– Pode ser. - Aaron disse quando se aproximou. - Vamos.
Caminhamos até os fundos da casa e chegamos ao jardim, estava intacto como se nada tivesse acontecido. Havia uma piscina de plástico, uns flamingos de jardim, uma pequena fonte no fundo do jardim, uma árvore alta com um balanço, e uma pedra lista com escrituras enterrada na terra. Me aproximei da pedra e percebi que se tratava de um túmulo, alguém havia morrido e sido enterrado ali mesmo. Aaron abriu a porta de vidro dos fundos e entrou na casa com Júlia. Retomei a atenção à placa e li as escrituras: "SOPHIA 2004 - 2011." Era apenas um túmulo de uma garotinha de sete anos, isso de alguma forma mexeu comigo.
– Ela tinha sete anos, apenas sete anos. - eu disse quando Giovanna me abraçou pelas costas.
– Mas... Coitada. Pelo menos, bem... Ela não vai passar por isso aqui. - disse Giovanna.
– É, eu acho. - respondi triste.
– Vem amor, vamos entrar. - ela me puxou pelo braço para dentro da casa.


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