John contemplava a bagunça no apartamento com os olhos cansados e já sem um pingo de paciência no corpo. Não era pago pra aguentar aquele tipo de coisa... A quem queria enganar? Não era pago pra nada.

Suspirou sentindo o cheiro de amônia que vinha da cozinha. A mesa estava abarrotado com instrumentos de pesquisas e tubos de ensaio espalhados. A sala estava uma zona. Havia papéis e livros pelo chão e John tinha certeza que havia alguma coisa morta debaixo do sofá. Sherlock poderia estar deitado sobre ela também, ou o cheiro vinha dele mesmo, John não poderia dizer com certeza.

–Por favor, Sherlock, ao menos tome um banho! – o loiro quase implorou, enquanto saltava uma pilha de livros.

–Não tenho tempo para banhos, John – disse apenas, seus olhos fechados e os dedos em frente a boca. – A higiene é superestimada. Você sabia que os franceses...

–Não – John o cortou. – Não ouse terminar essa frase. Eu sou o médico, não me faça te dar um banho a força!

Sherlock abriu um dos olhos, fitando o loiro com uma das sobrancelhas arqueadas. John o olhou em desafio e o moreno voltou ao seu estado de concentração anterior, ignorando o mais velho.

John suspirou uma segunda vez de maneira irritada, mas antes que pudesse reclamar devidamente o celular de Sherlock começara a tocar. E tocou, e tocou.

O aparelho estava ao lado do moreno, a distância de menos que um braço, mas este não fez menção nenhuma de ao menos se mexer. John o olhou com irritação, fazendo esforço para que Sherlock sentisse todo o desconforto que sentia apenas pelo seu olhar, mesmo que o moreno estivesse de olhos fechados.

Agarrou o celular de maneira impaciente e por pouco não bradou com a pessoa do outro lado.

–Alô – disse mantendo a calma.

–Alô, John? – era a voz de Donovan. – Cadê a aberração?

John teve que respirar algumas vezes para não perder a calma de uma vez. Detestava a forma com que as pessoas tratavam Sherlock, mesmo que no fundo de sua alma entendesse aquelas atitudes, mas nunca poderia se sentir confortável com aquilo.

–Está ocupado no momento – se controlou. – Quer que eu diga alguma...

–Não, ele não está ocupado – Donovan o cortou, um riso em sua voz. – Ele deve estar jogado no sofá enquanto você faz tudo.

John olhou a cena a sua frente e apenas pode coçar os olhos com a mão livre.

–O que você quer? – perguntou da maneira mais educada que pode.

Donovan riu abertamente do outro lado da linha.

–Apenas diga pra ele que conseguimos pegar o cara – ela disse. – Você deve ser muito ingênuo, John Watson.

Ela despediu-se e finalizou a ligação. John colocou o celular na mesinha ao mesmo tempo que Sherlock abria os olhos para fitá-lo.

–O que ela queria? – perguntou de imediato.

–Disse que pegaram o culpado.

John recostou-se em sua poltrona confortável e suspirou.

–Espere, como sabia que era ela? – perguntou esquecendo-se da irritação.

Sherlock voltou a fechar os olhos enquanto suspirava de maneira entediada.

–As únicas pessoas que tem o número do meu celular são Mycroft e Lestrade, além de você – disse de forma arrastada, como se fosse óbvio. – Da maneira como ficou irritado enquanto falava, obviamente, não poderia ser nenhum dos dois. Lestrade deveria estar fingindo estar ocupado e pediu para Donovan me passar o recado, ela deve ter falado algo de mim e você ficou irritado. Óbvio.

Olhou o moreno no sofá com os olhos cerrados e lembrou da frase de Donovan. Ele não era ingênuo. Podia ser idiota por suportar aquelas atitudes vindas do mais novo. Podia ser louco por viver correndo atrás de criminosos até tarde da noite. Podia ser qualquer uma daquelas coisas, mas não era ingênuo.

John sabia exatamente onde estava se metendo. Havia vivido mais do que o suficiente pra saber daquilo. Claro que já havia sido jovem, mas mesmo assim nunca fora ingênuo. Talvez houvesse sido mais otimista com relação as coisas. O mundo. As pessoas. Não era mais assim.

Sabia como as coisas eram e como elas podiam mudar. E depois do Afeganistão ele apenas resolvera mandar tudo para o inferno. Era aquilo que estar com Sherlock significava. Mesmo que corresse risco de vida. Mesmo que não tivesse noites de sono decentes. Mesmo que o moreno praticamente lhe fizesse de escravo. Mesmo com a personalidade terrível do outro. Mesmo com todas essas coisas, era isso que John queria pra si. Sem tirar nem por.

–O caso está resolvido – Sherlock disse enquanto se sentava. – Você estava falando sério sobre o banho, John?

Sherlock o olhou com os olhos claros e ele não precisou dizer mais nada para que John entendesse. O loiro sorriu de maneira maliciosa e levantou-se da poltrona, contornando aquela bagunça até Sherlock.

Ah, John não era nenhum pouco ingênuo.