Julie

Fiquei paralisada olhando para Shadow, que parecia uma estátua. Mal piscava. Comecei a ficar preocupada, afinal, imaginei que ele fosse ficar feliz com minha notícia. Mas ele simplesmente estava ali, parado. Nenhuma piscadela, nenhum sorriso, nenhum som, por mais baixo que fosse...

— Shadow? — eu o chamei, minha voz saiu quebrada, no entanto.

Ele permanecia me olhando, mas agora, levemente boquiaberto. Seus olhos estavam semicerrados, como se estivesse pensando no que dizer.

— Julie... — foi o que saiu da boca do lobo negro.

— Sim, eu. Eu estou grávida, Shadow.

— Eu ouvi. — ele respondeu, simplesmente.

— E então...? O que acha disso? — perguntei com um pouco de preocupação em minha voz. Será que ele achava isso ruim? Que não seríamos bons pais para nossos filhotes? Um milhão de coisas se passavam em minha cabeça, até que ouvi sua voz novamente.

— Isso é ótimo, Julie! — ele exclamou, o que fez surgir um sorriso enorme, com direito a todos os dentes caninos totalmente à mostra, em meu focinho.

— Que bom que acha isso, querido! — eu falei e o abracei instantaneamente.

— Mas os filhotes terão que se adaptar rapidamente às nossas migrações. — ele complementou. — Não que isso seja um problema. Seria muito mais divertido... Ah, querida, já consigo imaginar tudo!

“Uh, oh...” Pensei comigo mesma. “Não é bem assim...”

— Shadow, entenda... Agora teremos que encontrar um território, para nós e para nossa futura alcateia que está dentro de mim... — eu expliquei, com medo de sua reação. — Não seria seguro vagarmos por aí com pequenos filhotes junto a nós.

Ele me fitou por alguns segundos, em silêncio. Então, sentou-se sobre a terra seca, deixando uma grande lufada de ar sair de sua boca.

— Julie, não. Eu cresci num território e ele foi invadido. Você sabe disso. — ele disse, com a tristeza visível em seu focinho.

— Mas a base será em Slough Creek, Shadow. Foi lá onde cresci. Hoje, parte de minha alcateia natal está aqui, os Sloughs, mas ainda há alguns lá, que se misturaram aos Drulds.

— Não importa! Eu não suportaria ver meus filhos morrendo! — ele vociferou.

— Eles não vão morrer! — gritei, enquanto tentava fazê-lo mudar de ideia.

— Eu disse o mesmo à minha irmã, que está morta há três anos. — ele lamentou, já se sentindo mal.

Fiquei sentida. O passado de Shadow sempre me comovia. Entendi que não o venceria aos gritos, então tentei me recompor.

— Shadow, confie em mim. Nada disso vai acontecer. Os filhotes estão no meu corpo, por favor, não insista. Temos que ir para lá. É o certo a se fazer, eu sei disso. Eu sinto.

Eu não estava mentindo. Algo havia despertado dentro de mim; algo que eu não conseguia explicar, e me dizia para convencer Shadow de que devíamos ir até Slough Creek. E era o que eu estava tentando fazer.

Ele me olhou, ainda sentado, com seus brilhantes olhos amarelos.

— Tudo bem, vamos até esse lugar onde você foi criada. — ele disse por fim.

Eu sorri mais uma vez e o abracei. Estava me sentindo radiante. Tinha certeza que tudo daria certo.

— Tex e Jinx irão conosco, tudo bem? — eu revisei.

— Ok. Quanto mais reforço, melhor. — ele afirmou e sorriu em seguida.

Fomos um pouco mais a fundo da floresta, e lá estavam eles: Tex, um lobo que também nasceu em minha antiga alcateia natal, um grande amigo meu, de pelos castanhos escuros; sua companheira, Jinx, que tinha um pelo claro, mas que era um misto de cinza, marrom e preto. Era lindo. Ah, e seus filhotes, é claro. Doug e Loki, que cresciam depressa — já tinham mais de cinco meses de idade.

— Oi, lobos! — eu cumprimentei informalmente, pois acabara de conversar com eles.

— Boa tarde, pessoal. — Shadow fez o mesmo, mas com um tom levemente mais sério.

— Shadow, meu parceiro! — Tex pulou em cima dele, que deixou de lado toda a seriedade e maturidade e se pôs a brincar de luta com ele.

— Faz tempo desde a última vez que nos encontramos, Tex... Mas eu ainda sou o mais forte! — Shadow grunhiu em tom de brincadeira.

— Olá, Shadow! — Jinx e seus filhotes disseram, em uníssono. Todos com um sorriso de canto no focinho.

— Olha, olha! Eles estão lutando! Aposto que papai vai ganhar! — Loki dizia enquanto seus olhos brilhavam.

— Não sei não... Aposto metade da minha parte da próxima caça que Shadow vence. — Doug o respondia, ao concentrar-se por completo na luta que acontecia.

Depois de pouco tempo, Loki ficou decepcionado por ter de dar metade de seu alimento para seu irmão.

— Venceu essa, Shadow... Você é mais experiente nessa coisa de luta... Eu sou mais novo; podia me ensinar algumas coisas.

— Admito que não foi nada mal, Tex. Mas te ensino o que precisar. — ele comentou, sacudindo o pelo bagunçado.

— Não acredito. Argh... Poxa, pai! — Loki ladrou e correu para sua toca.

Tex deu uma leve gargalhada e se sentou próximo a Jinx, que o lambeu no focinho.

— Da próxima você ganha. Mas para mim, você sempre vence. — ela sussurrava em seu ouvido.

Shadow se aproximou de nós, e decidi dar início a reunião lupina.

— Bem... Shadow aceitou ir para Slough Creek, então, como já sabem, vocês irão conosco, para ajudar.

— Que bom que aceitou, Shadow! — Jinx exclamou, com os caninos à mostra. — Slough Creek é um belo lugar, acho que não deveria se preocupar muito.

— Pois é... Julie me convenceu. Mas admito que estou levemente ansioso para irmos. — ele disse, ao tempo em que se espreguiçava.

— Bom... E que tal se fôssemos depois de amanhã? — Tex deu a ideia. — Assim já escolhemos a toca e será mais fácil a adaptação. O problema será a neve.

Assim que disse neve, Tex lançou um olhar para Shadow.

— É, acho que eu nunca senti a neve. Será no mínimo... interessante. Tudo bem, podemos partir depois de amanhã, pela tarde.

Assim foi dito e assim foi feito. Caçamos pela manhã enquanto Doug e Loki dormiam e começamos nossa caminhada com o início do pôr do sol.

Obviamente, recebemos diversas reclamações de cansaço vindas dos mais novos, mas aos poucos, eles se acostumaram ao nosso ritmo e desataram a correr. Eles podiam ser menores, mas compensavam em velocidade: nunca vi filhotes tão rápidos.

Paramos para descansar sob a sombra de uma árvore, onde dormirmos confortavelmente, finalmente chegamos a Slough Creek ao tardar do dia seguinte. E então começaram as reclamações:

— Aqui é frio! Quero ir pra casa! — ladrou Loki, visivelmente irritado com a neve.

— Aqui é nossa casa agora, Loki. — disse Jinx, calmamente. — Não seja tão reclamão, sei que irá se acostumar.

— Pode ser divertido, irmão! — disse Doug alegremente, enquanto deixava suas pegadas na neve.

Loki apenas rolou os olhos, e então se sentou na neve, aborrecido. Seu irmão percebeu e parou de correr. Doug o observou e rapidamente espirrou uma boa quantidade de neve em seu focinho.

— Doug Dark Slopes! — Jinx o repreendeu, irritadiça. 

— Ah, mãe! Olha isso! Ele me cobriu de neve! — grunhia Loki, sacudindo o pelo cor de fumaça.

— Deixe de frescura, Loki. — brincou Tex. — Anda, vai correr com seu irmão. A neve é ótima.

— Você vai ver só, Doug! — o filhote gritou e se pôs a correr atrás do irmão.

Lembrei-me de minha infância. Era tão divertido correr com meus irmãos e companheiros de alcateia. Crescemos todos juntos, na grande alcateia dos Sloughs. Antigamente ela tinha uma base enorme em Slough Creek, daí vem o nome “Slough”. Mas hoje em dia, se expandiu para Amethyst Mountain. Porém tenho que admitir que a base de lá é meio... Hmm, como explicar? Fraquinha. Bom, estou apenas dizendo a verdade. Eles perderam muito espaço para os Drulds.

— Ali, uma toca! Sabe onde estamos, Tex? — questionou Jinx, olhando para seu companheiro com um sorriso travesso. Suponho que ela mesma saiba.

— Bison Peak Cuttof, se não me falha a memória. — Tex respondeu prontamente.

— Acertou! O que achou até agora, Shadow?

— Sim, é um belo lugar. Deveríamos fazer daquela toca a nossa. — ele respondeu com um sorriso no focinho.

— Concordo. — eu disse, enquanto entrelaçava minha cauda com a dele.

— Bom, então assim será! Vamos, lobos! — Tex exclamou enquanto começava a correr.

Os filhotes notaram nossa mudança de postura, e passaram a correr mais rápido. Admito, estava levemente divertido. E eu me sentia cada vez mais ansiosa e, de certa forma, pronta.