Camélia escrita por SatineHarmony


Capítulo 7
Epílogo




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Inukashi não tinha muito que reclamar, apesar do final medíocre ao qual sua vida estava fadada. Em vez de morrer largada no seu hotel, no Distrito Oeste, ela teve a oportunidade de ser tratada o máximo possível, e receber carinho diariamente. Mais uma vez, Shion a havia salvado — será que, a essa altura do campeonato, ele já tinha notado o quão valioso era para Inukashi?

Doía em seu coração ver o olhar triste de Karan. O Shion mais novo chorara à beira de sua cama tantas vezes que ela perdera a conta. Seu contato com Rikiga era limitado aos encontros ocasionais na cozinha, quando ela sentia-se forte suficiente para se levantar — era clara a sua falta de jeito em relação a Inukashi, e ela não o culpava por isso. Era uma facada em seu ego admitir, no entanto a companhia de Nezumi era muito reconfortante. Eles eram capazes de ficar em silêncio por horas a fio, e, quando conversavam, era de forma tão natural que Inukashi esquecia-se de que estava em seu leito de morte.

Sua respiração estava acelerada, seu peito se movia de forma veloz. Ela inspirava fundo, tentando captar o máximo de oxigênio possível, porém era simplesmente incapaz de fazê-lo. Era como se houvesse uma barreira invisível à sua frente, e ela não conseguia transpassá-la. Seu tempo estava acabando, um maldito relógio fazia tique-taque nos confins de sua mente.

Shion aconselhou Karan a sair do quarto com o outro Shion; seria melhor se eles não presenciassem o que vinha a seguir. Arregaçou as mangas da sua camisa ao voltar-se para Inukashi, e seu semblante era tão sério que quaisquer dúvidas que a garota ainda tinha foram jogadas janela afora. Um respirador foi posicionado sobre seu rosto, e a voz de Shion soou estranhamente tranquilizante:

— Não tente lutar, Inukashi, pois isso apenas piorará a situação. — uma de suas mãos acariciou o cabelo castanho disposto sobre o travesseiro. Virou-se para Nezumi, que estava no canto do quarto, observando a cena se desdobrar em silêncio. O seu rosto dizia uma só coisa: a hora chegou.

Nezumi aproximou-se da cama com passos hesitantes. Quantas vezes ele já cantara para moribundos? Ele não sabia ao certo a resposta, mas, com certeza, foram muitas vezes. Inúmeras. Morte era algo comum na sua rotina — era; depois de Shion, ela tornou-se rara. Ele sentia seu coração gelar ao sentir pena de Inukashi devido à antiga rixa que possuíam. Nezumi lembrava-se até hoje da vez em que a garota virara suas palavras próprias contra ele — você mesmo disse que uma pessoa está morta a partir do momento que possui algo para proteger.

Ele não queria cantar. Ele não queria enunciar as primeiras notas, pois elas anunciariam a morte de Inukashi. Agora não era momento para ser sentimental, reprimiu-se mentalmente — entretanto, ao mesmo tempo, este era o instante perfeito para deixar-se levar pelas emoções. Recebendo outro olhar apressado de Shion — ela não tem muito tempo —, finalmente tomou coragem de cantar aquele doloroso réquiem.

Inukashi fechou os olhos, arquejando ao ser arrebatada pela falta de ar. Sua mão buscou pela de Shion, e, ao encontrá-la, apertou-a com força. Ela parecia estar se agarrando à frágil linha de vida que possuía até o último momento, apenas para ouvir a música de Nezumi até o final.

Quando as últimas notas ressoaram pelo quarto, Nezumi curvou-se sobre Inukashi; seus lábios à altura do ouvido da garota. Shion não foi capaz de escutar o que ele sussurrara para ela, porém, no instante seguinte, o peito de Inukashi parou de se mover, e sua mão tornou-se flácida.

Eles choraram.

* * *

O velório verdadeiro foi excêntrico. Nenhuma lágrima foi derramada — por mais que fosse perceptível para todos como o Shion "Júnior" estava tendo dificuldades para conter seu choro. Todos concordaram que não seria desejo de Inukashi uma despedida triste e soturna, portanto compartilharam entre si anedotas de diversos casos, e banharam-se em nostalgia. Algumas histórias eram inéditas para Karan e Shion — histórias ocorridas no Distrito Oeste —, e renderam gargalhadas ou o despertar de mais lembranças.

O corpo foi enterrado no mesmo local dos cachorros de Inukashi. Cavar uma cova com Nezumi e Rikiga causou uma estranha sensação de déjà vu em Shion — pelo menos, dessa vez, era um funeral digno, com um caixão e entes queridos presentes. Algumas palavras foram ditas por cada um deles — palavras desengonçadas e mal escolhidas, porém nada disso importava: onde quer que Inukashi estivesse agora, ela sabia como eles se sentiam por ela.

Nezumi e Shion permaneceram próximos do túmulo, enquanto Karan e Rikiga levavam o outro Shion de volta para a cidade. Shion suspirou ao sentar no chão de terra, sem se importar com a sujeira.

— E o vírus I.N.U. termina aqui. — declarou, com claro alívio em suas palavras.

— Inu? — Nezumi ergueu uma sobrancelha, lançando-lhe um olhar interrogativo. Shion deu de ombros:

— Eu nomeei o vírus; é bem melhor do que falar "a doença da Inukashi". I-N-U: Imunidade Nula Uniforme. — explicou.

— Por que dar nome a algo que morreu? — Nezumi revirou os olhos.

— Pela mesma razão que dei nomes aos seus ratos. Pela mesma razão que você se chama rato. — Shion deu de ombros, e Nezumi não soube ao certo o que responder. Um momento depois, comentou:

— Eve era o nome da minha mãe.

Shion colocou a mão sobre a boca dele quase no mesmo instante:

— Não me conte o seu nome de nascimento. Você é o Nezumi, e assim sempre será. Da mesma forma que Inukashi é Inukashi. — gesticulou para a lápide. — Eu não preciso saber. Eu não quero saber. — só então permitiu que Nezumi falasse:

— Esse é um belo discurso, vindo da mesma pessoa que quase me fez preencher um formulário quando moramos juntos. — bufou. Shion deu um sorriso amarelo:

— Pois saiba que eu tenho mais uma pergunta para você. — engoliu em seco, hesitando minimamente. — Eu posso saber o que você disse a Inukashi antes de partir? — sua voz fraquejou na última palavra. Nezumi franziu os lábios, parecendo debater se respondia sim ou não. Suspirou:

— Eu disse a Inukashi que, agora, ela poderia encontrá-lo.

Shion franziu o cenho:

— Encontrá-lo? Encontrar quem?

— Encontrar quem a tornou mulher.

* * *

Shion fechou os últimos botões da blusa para Nezumi:

— Esse uniforme ficou muito bom em você. — elogiou, com um delicado rubor nas maçãs do rosto. Então riu, divertido: — Será que agora eu devo chamá-lo de senhor policial?

Nezumi fechou a cara, voltando-se para um espelho para ajeitar a vestimenta:

— Só me chame assim caso queira que eu te empurre da cama durante a noite. — resmungou, fixado no seu reflexo. Shion revirou os olhos:

— Pare de ser vaidoso, você está bem. — empurrou-o para fora do alcance de visão do espelho, em direção à porta. — Você tem de andar logo, senão não chegaremos a tempo para a cerimônia.

— Quem liga para cerimônias? — seu tom era de desprezo. Shion fez uma careta:

— Você liga, seu egocêntrico. Vamos lá, você é o chefe do departamento, não seria bom para sua imagem faltar um evento tão importante quanto esse. — censurou-o, abrindo a porta do apartamento. — Minha mãe, Shion e Rikiga-san também estarão lá, não os desaponte.

Nezumi deu de ombros, fazendo-se de difícil:

— Eles estão lá porque querem; quem os convidou foi você. — comentou, plantando seus pés no chão para que os empurrões de Shion se tornassem inúteis. Este fez bico, contrariado:

— Eu os convidei porque eles são sua família, e deveriam estar presentes numa ocasião grande como essa. — justificou-se, desistindo de mover Nezumi. Este, por sua vez, aparentava estar perplexo: minha família?...Ele se recompôs rapidamente, virando-se para Shion com um sorriso sincero:

— Vamos? — perguntou Nezumi, seguindo para o corredor do prédio do apartamento deles.

O projeto de voluntários organizado por Shion finalmente se tornaria algo oficial — o comitê organizara uma votação e, após meses de somente bons resultados, decidiram transformá-lo em uma das divisões da polícia de No. 6. Nezumi e os outros ganhariam um salário e eram legalmente empregados da cidade, como policiais responsáveis pela fiscalização da lei contra o preconceito à população do Distrito Oeste.

Shion sorriu ao ver Nezumi subir ao palco para receber seu distintivo.

Em algum lugar, o vento soprou. Uma janela foi fechada à força, mas Shion não se importou — sua fixação por janelas terminara há exatos doze meses. Ele seguia carpe diem todos os dias, porque, ao ver as fotografias de Safu e Inukashi sobre seu altar na sala de estar, ele notava que qualquer momento poderia ser o seu último.

Quinze anos. Há quinze anos, ele abrira a janela para o garoto que abalaria sua vida como nunca antes. Shion o deixou escapar de suas mãos duas vezes, mas agora não.

Dessa vez, Nezumi ficou.


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Notas finais do capítulo

... E é esse o final :/ Desculpa pela demora dos capítulos, desculpa por qualquer erro de digitação ou de gramática que vocês tenham encontrado em algum momento da fanfic, desculpa por qualquer coisa da história que não tenha saído como vocês queriam ç.ç E muito obrigada a todo mundo que leu (e aqui também me refiro ao pessoal que marcou nos acompanhamentos e não comentou; muito obrigada pelo seu apoio - mesmo que tenha sido meio silencioso :v). Todos os reviews foram tão doces e me incentivaram muito a escrever, sério.
E, por último, o significado por trás do título da fanfic: camélia, na linguagem das flores, simboliza "apaixonar-se" (Nezumi e Shion) e "perecer com graça" (Inukashi). Err, era meio óbvio que Inukashi morreria, afinal, AIDS não tem cura x.x Ah, e desculpa por matá-la também, posso garantir que foi tão ruim escrever isso quanto foi para vocês lerem :/