Alexis

Minha mãe costumava a me contar histórias de contos de fada e até um certo tempo atrás eu acreditava neles.

Até a morte de meus pais.

Depois da morte deles, meu mundo virou de cabeça para baixo. Pessoas em que eu confiava tornaram suas costas para mim e eu tinha que dormir com a porta trancada e uma faca da cozinha escondida na primeira gaveta do meu criado-mudo.

Porém, quando eu fugi de todo esse pandemônio, eu encontrei Liam e seus amigos.

Fui tola o suficiente ao pensar que só porque eu fugi de todo meu passado que ele não iria me atormentar mais.

Revirei-me mais uma vez na minha cama.

Os gritos, as risadas malignas, o meu corpo frio e solitário em meu quarto trancado e as tentativas de...

Suspirei e tentei acalmar as rápidas batidas de meu coração. Eu não podia lembrar-me de tudo aquilo agora, não agora.

Desistindo de tentar dormir, acendi a luz do meu quarto – praticamente me cegando – e desci as escadas para pegar um copo de água. Quase o derrubei, pois minha mão estava tremendo incontrolavelmente.

Contei a minha respiração até os tremores das minhas mãos cessarem.

Eu sabia que eu não ia conseguir dormir aquele dia. Então uma ideia idiota me ocorreu e eu agarrei-me à ela, pois situações desesperadores exigem medidas desesperadas.

Fui de mansinho percorrendo o resto da casa até achar meu destino: o quarto de Liam.

Abri devagar a porta para tentar ver se ele já estava dormindo. Na sua TV, Jessica Jones passava, deixando uma parte do quarto um tanto quanto iluminada. Bati na porta para ver se ele reagia.

— Liam? — sussurrei enquanto abria por inteiro a porta lentamente. — Está acordado?

— Hmmmm — foi tudo o que eu consegui dizer.

— Eu queria saber se posso ficar com você essa noite. Eu sei que é estranho, mas eu estava tendo um pesadelo e...

— Feche a porta depois que você entrar — ele murmurei meio sonolento enquanto criava um espaço em sua cama.

Prendi meu cabelo num rabo de cavalo baixo para impedir que ele criasse mais nós quando subi na cama.

Fiquei observando seu rosto, deixando que minha visão me acalmasse mais ainda

— Por que você está me encarando? — ele grunhiu.

— Porque você me acalma — respondi.

Não sei se foi impressão minha, mas parecia que ele deu um meio sorriso.

— Boa noite, Cherry.

— Boa noite, Liam.

***

No dia seguinte, quando acordei, Liam não estava mais na cama.

Saí à procura dele por toda a casa, mas não consegui encontrar ninguém.

Suspirei e decidi arrumar a cama dos dois quartos e abrir as janelas. Estava bem menos frio que no dia anterior. Pela janela eu vi que Liam estava de volta com Jack ao seu lado conversando.

Enquanto descia as escadas, pude ouvir os dois conversando ao entrarem em casa.

— Eu já falei que não, Jack.

— Mas é uma grana bacana, Liam.

— Eu não quero ter nada a ver com a família de Adler, Jack.

— Olha, o problema de Adler é com Bryan...

— Não é só com ele e você sabe disso.

— Liam, me escuta: você que reclamou de dinheiro, eu finalmente achei algo pra você e você vai se recusar só porque tem a ver com Adler? Você nem sabe se ele vai estar na festa...

— O que está acontecendo? — eu perguntei olhando para Jack. Não tinha percebido que eu parecia meio intrometida até eu ter terminado a pergunta, eu já ia abafar o caso, mas Jack me respondeu mesmo assim.

— Liam precisa de mais dinheiro e eu consegui um pedido para fazer dois bolos de uma festa de uma mulher podre de rica e Liam quer se recusar só porque tem a ver com um cara que não vai com a nossa cara.

— Ela é a tia dele, você realmente acha que ele não vai estar lá?

— Liam, você vai entregar os bolos e ir embora, não tem nada de mais.

— Eu...

— Eu posso te ajudar a fazer os bolos, Liam — ofereci com um sorriso.

Liam olhou pra mim, olhou pra Jack que estava fazendo uma cara estranha e suspirou.

— Ok, ok. Eu faço os bolos. Jack, me passa as informações.

***

Eu definitivamente era uma inutilidade.

Eu não servia para n-a-d-a. A única coisa que eu fiz foi untar as formas e separar os ingredientes para Liam, já que nem separar clara de gema eu sabia.

Liam deve ter pressentido meu humor, pois lançou um sorriso pra mim enquanto fazia os recheios.

— Não fique assim, Cherry, você me ajudou mais do que pensa.

Roubei um morango do potinho pra colocar em cima do primeiro bolo.

— Vamos fingir que isso é verdade.

E continuamos a preparar os bolos. Eu não fazia ideia de que cozinhar era tão desgastante.

Quando finalmente terminamos os dois bolos, eu lavei a louça enquanto Liam secava e em menos de cinco minutos nós dois apagamos nos sofás da sala.

***

A festa da tia de Adler (segundo Liam seu nome era Emma) era no sábado à tarde.

Eu coloquei um vestido azul bonitinho e arrumado que consegui de Ellie e Liam vestia uma camisa preta social e uma calça jeans. Tentei não deixar óbvio que eu estava encarando ele.

A casa de Emma era enorme e elegante (não era à toa que o pagamento dos bolos era ótimo). Quando ela atendeu à porta e pediu para o empregado levar os bolos, ela insistiu que ficássemos pelo menos um pouco na festa.

Eu percebi que Liam estava pouco à vontade, mas concordou em ficar provavelmente por conta de educação. Segurei sua mão como forma de apoio e percebi que ele relaxou imediatamente. Não pude deixar de corar um pouco.

Emma começou a chamar Liam para conversar com várias pessoas até que uma hora eu perdi ele de vista. Eu comecei a entrar em pânico, mas não demonstrei. Peguei um copo de água do garçom para me acalmar.

Finalmente achei uma cabeleira loira conhecida e dei passos rápidos até lá. Por isso não vi que fui de encontro com outra pessoa.

— Me desculpe — nós dois dissemos ao mesmo tempo.

Eu não pude deixar de perceber que a pessoa era um cara que aparentava ter minha idade.

— Me desculpe... — percebi que ele queria saber meu nome.

— Alexis — eu balbuciei pelo fato de quase ter soltado “Cherry”.

Só meus amigos me chamavam assim.

— Ah, me desculpe, Alexis, apesar de eu não sentir desculpas por ter te encontrado.

Tive vontade de revirar os olhos, ele podia ter uma ótima aparência, mas só por essa cantada eu já quis sair de perto.

Ele deve ter percebido que eu não iria iniciar uma conversa com ele, pois ele começou a falar de novo.

— Prazer em conhecê-la, eu sou Adler.

Meus olhos quase saíram de meu corpo. A única coisa que eu consegui pensar foi: eita.