O lobo tinha olhos de um tom de azul claro e profundo. Eles faiscavam na direção da dupla de amigos, o que, por um instante, os deixou paralisados. Mas logo Hunter retomou os sentidos e disparou a flecha, mas não há tempo do lobo saltar para fora da toca e correr em direção a floresta.

A dupla logo se pôs a correr também. Hunter corria tão bem que chegava a dar inveja em Aaron – o príncipe como corredor, era um ótimo caçador. Ele já ficava sem fôlego, respirava e expirava sem deixar de mover as pernas. A floresta parecia estar contra ele, já que a cada instante, o mesmo tropeçava em algum galho. Por um instante, a dupla perdeu o lobo de vista e o silêncio preencheu o ar como uma neblina. Aaron aguçou os ouvidos, ao menos ele era um ótimo observador.

Nem o monótono canto dos pássaros era ouvido, até o vento parecia ter parado. Mas, em um canto distante, o príncipe ouviu um galho se quebrando. Ele e Hunter andaram em passos lentos e encontraram o lobo com uma pata traseira presa num galho – tentando a todo custo se soltar. Hunter armou novamente o arco, e Aaron não conseguia acreditar que ele atiraria em um ser indefeso. Então, sem pensar, quando o amigo ia atirar, ele bateu no arco dele e o fez errar o alvo. Mas ainda acertou a pata do lobo, que soltou um uivo de dor, e desmaiou.

– Você está doido Aaron!? Bateu essa merda de sua cabeça em algum lugar? – Hunter estava nitidamente irritado.

– Me pergunto isso de você! Ele estava indefeso e você ia o matar. – Aaron retrucou.

– Você... você está com pena desse animal? Desse assassino?! Ele matou muito mais gente inocente Aaron! Você, como a porcaria de príncipe, deveria proteger seu reino e não a pessoa que mata metade dele! – Hunter apontou o dedo na cara do príncipe, o que o deixou irritado.

– Não me fale o que devo ou não fazer! Esse lobo estava com medo, e ninguém tem certeza absoluta se é ele mesmo que atacou aquelas aldeias.

O fato era que já fazia algumas semanas que várias aldeias eram atacada. Ninguém sobrevivia, mas os boatos do lobo ser o culpado logo se espalharam. Mas ainda assim Aaron não tinha certeza... ainda mais quando olhou para esse lobo. Ele não parecia nem querer ataca-los, parecia apenas fugir.

– Você... – o caçador abanava a cabeça em descrença, e de repente seu olhar se transformou numa mistura de espanto e surpresa. Aaron olhou na direção que o amigo fitava e também se surpreendeu.

No lugar em que o lobo estava desmaiado, agora se encontrava uma garota. Os longos cabelos ruivos cobrindo os seios, e várias folhas secas lhe cobrindo o corpo. Ela também estava desmaiada, e tinha uma flecha na mesma perna que o lobo foi ferido.

– § -

Branca de Neve havia encerrado a reunião a poucos instantes, e agora estava sentada na sacada de seu quarto, conversando com seu príncipe Encantado.

– Eu não sei como contar para ele Encantado... tenho medo de sua reação. – ela admitia.

– Branca, não é uma situação ruim. Aaron é maduro o suficiente para saber o melhor para o povo! – ele a consolava segurando sua mão, como se quisesse lhe passar a mesma confiança que tinha.

– Mas é disso que temo! É o melhor para o povo, não para ele. E se ele não amar nenhuma?

Encantado a puxou para seus braços, afagando os cabelos negros como Ébano da esposa.

– Ele vai encontrar, nós sempre somos capazes de encontrar o amor verdadeiro querida. Com ele não vai ser diferente.

E a preocupação dela passou por alguns instantes, mas logo retornou após a entrada de uma criada.

– Majestade. – a criada fez uma reverência. – O príncipe retornou daquela caçada.

– Ah, que bom! Precisamos mesmo falar com ele. – a rainha diz agradecida.

– Mas... ah, ele... hum, ele retornou com uma garota desmaiada e ferida. – a criada não sabia bem como dizer isso.

Ela guiou o casal até a enfermaria onde o príncipe se encontrava preocupado ao lado do caçador Hunter.

– Me explique o que aconteceu e por que retornou com uma garota ferida! – a rainha exigiu.

– Mãe... é, estávamos caçando e... achamos um lobo. – Aaron começou gaguejando, o que fez Branca se acalmar um pouco. O garoto estava realmente preocupado.

– Certo. – ela respirou fundo e olhou para a criada. – Traga um suco de maracujá por favor Sandie.

– Claro alteza. – ela prestou reverência e se retirou.

– Cadê a garota? – Encantado se manifestou.

– Com o doutor. – dessa vez quem falou foi Hunter.

– É grave o caso dela? – a rainha pergunta preocupada.

– Não muito... a flecha não feriu fundo na sua perna. Então só precisará mesmo enfaixar. – Aaron falara exatamente o que o médico lhe disse.

– Como ela foi ferida? Vocês as encontraram...

Encantado foi interrompido por Hunter, que estava com o olhar vago.

– Não, eu acertei a flecha nela.

– O que?! – a rainha estava incrédula.

– Mãe, estávamos caçando e acabamos por encontrar o lobo. Ele estava dormindo e quando acordou acabou fugindo e aí fomos atrás dele. Encontramos ele com a pata presa num galho e quando Hunter foi atirar nele eu o fiz errar o alvo e acabou acertando a pata. O lobo desmaiou e acabamos por discutir. Quando vimos, no lugar do lobo, estava uma garota.

O olhar da rainha foi de compreensão.

– Ela é descendente da Chapeuzinho Vermelho. Ela tem a maldição do lobo. – ela afirmou.

– Mas ela assassinou aqueles aldeãos! – Hunter exclama exasperado.

– Não temos certeza Hunter. – Aaron fala tentando colocar alguma razão na cabeça do amigo, que bufa de frustação.

– Aaron está certo. Agora eu gostaria de ver a garota. – Branca fala pacientemente.

– Deixa que eu te levo mãe. – Aaron oferece o braço que a rainha aceita prontamente.

Eles vão até a enfermaria onde tinha algumas outras macas, que eram de grande utilidade nos tempos de guerra. A garota se encontrava na última maca. Ela já estava vestida com um vestido bem simples branco e a perna estava enfaixada. Ela tinha os olhos fechados e sua respiração regular afirmava que estava dormindo. O Doutor encontrava-se ao lado dela, lendo um dos muitos papeis de uma prancheta.

– Como ela está doutor? – Dessa vez a preocupação veio de Aaron. O doutor desviou a atenção para os integrantes da realeza e depositou um sorriso sossegado no rosto.

– Devo dizer que ela está ótima. Nenhuma fratura na cabeça e o ferimento da flecha já foi cuidado então irá sarar em poucos dias. Ela está meio fraca, mas já pedi uma refeição e ela logo ficará forte como um touro.

– Ela disse alguma coisa quando chegou? – Branca estava curiosa.

– Bem... – Aaron não sabia como explicar essa parte para sua mãe.

– Deixa que eu explico Aaron, não se preocupe. – o médico sabia quando alguém não se sentia à vontade. – Quando a menina acordou ela nos olhou assustada e começou a querer fugir. Ficava falando que não podíamos fazer mal a ela, que ela não havia feito nada de errado... bem, tivemos que ceda-la, e agora ela está dormindo.

– Céus! Ela deve ter passado por algo horrível. – Branca estava chocada.

Mas a conversa foi interrompida quando a menina começou a se movimentar na maca, se debatendo e sussurrando assustada.

– Por favor... eu não posso! Saia da minha cabeça... eu não posso... você é má... saia de perto de mim... me deixe em paz! – ela choramingava e se debatia. Era quase torturante ver alguém em tal estado de desespero.

– Calma querida. Ninguém vai lhe obrigar a nada, você está segura. – Branca falou docilmente e segurou a menina, afagando os seus braços para acalmá-la. A pele pálida da garota estava fria, mas ainda assim ela suava.

Aos poucos a ruiva foi se acalmando e nesse momento ela abriu os olhos, revelando as esferas azuis cheias de pavor.

– Quem é você? – a garota perguntou numa voz fraca.

– Branca de Neve, e você pode confiar em mim. Agora me diga, qual seu nome querida.

A garota olhou ao redor, e o pânico no seu olhar foi se esvaindo.

– Eu me chamo Rubi. – ela respondeu fitando o nada.