Capítulo 008

Aprendiz (Parte 4)

Quatro ciclos de estudos já haviam se passado e Mathen estava em sua segunda aula prática da esfera terra. O ambiente em que se encontravam era um grande espaço aberto entre a torre dos aprendizes e outras duas menores que encostavam nas muralhas. O espaço era muito amplo e com algumas vegetações ao redor, mas ao centro havia apenas um descampado de terra revolvida.

Mathen estava se provando muito bom naquela esfera de magia. Tal que era um dos melhores de sua turma, dividindo esse lugar com Fedrick, que se demonstrou muito eficiente com o feitiço básico de terra: clayn.

Próximo à eles havia uma garota de rosto bonito, cintura fina e longos cabelos castanhos. Ela também tentava executar os exercícios básicos, mas toda vez que a terra começava a se levantar ela perdia o controle e tudo voltava novamente para o chão.

– Não sei como vocês fazem isso parecer tão fácil – desabafou após um suspiro desanimado.

– Não é assim tão difícil, Ellien. Apenas mantenha-se mais concentrada.

– Eu tento, Mathen, mas a terra parece ficar cada vez mais e mais pesada.

Como que para provar o que estava dizendo, a garota começou a remexer a terra à sua frente, chegando a franzir a testa e a levantar uma sobrancelha, tamanho era seu esforço. Novamente aquilo foi em vão. A mestra, uma mulher alta e de cabelos escuros começou a caminhar até os dois para ajudá-la, mas Mathen fez-lhe um sinal para que ela os deixasse tentar mais um pouco.

– Como você faz isso, Mathen?

– Eu não sei explicar. Eu apenas faço. É como... é como sentir a energia da terra como se fosse parte da minha própria aura e manipulá-la da maneira como eu quero que ela haja.

Provando o que queria dizer, ele o fez de maneira bem lenta para que a garota visse como ele fazia. A terra na frente dos dois começou a se mexer, elevando-se no ar conforme o aprendiz movimentava sua mão. Depois que uma coluna de mais de dois metros se formou, Mathen simplesmente deixou que ela caísse, levantando um pouco de poeira no processo.

Ellien começou a se concentrar para uma nova tentativa, mas foi interrompida por Mathen, que puxou-a para o lado pelo pulso. Logo ela percebeu o porque: uma onda de terra seguia em sua direção.

A onda era bem baixa, na verdade, mas poderia muito bem derrubar os dois. O Muscort agiu rápido e, assim que puxou Ellien, estendeu sua mão em direção à terra que vinha em sua direção. Utilizando sua aura ele conseguiu conter o feitiço, fazendo com que a terra se acalmasse.

Só então o casal percebeu quem havia lançado aquele feitiço. Era Viktor Smalter quem o tinha feito e Mathen não pensou duas vezes antes de tirar satisfações.

– Ei, Smalter! Por que está nos atacando?

– Não foi intencional, apenas estava testando um feitiço novo – justificou-se.

– Testando em nós? Você poderia ter machucado a Ellien, ela não é tão boa nos feitiços de terra ainda.

Mathen avançou na direção do outro rapaz de maneira ameaçadora, embora estivesse bem longe para agredi-lo fisicamente. Aquilo fez com que Viktor, que até então mantinha uma postura quase preocupada, também se tornasse agressivo.

– Já disse que não foi minha intenção. Não venha tentar bancar o herói só porque uma garota está assistindo.

Apesar da arrogância, Viktor não havia elevado sua voz. No entanto seu tom demonstrava que não pretendia levar nenhum desaforo sem se defender – ou contra-atacar.

– Parem agora mesmo vocês dois – disse a mestra, colocando-se entre eles. – Esta onda de terra realmente não foi intencional, foi apenas um feitiço que fugiu de controle.

A interferência de alguém com autoridade fez com que os ânimos se acalmassem. Apesar disso, os dois garotos continuaram a se encarar de maneira ameaçadora.

– Viktor, não tente feitiços sem instruções aqui. Isso pode ser perigoso para os demais aprendizes. Tentaremos formas mais avançadas do controle da terra em outra aula.

A repreensão deixou o Smalter ainda mais emburrado. Isso deu a Mathen certa satisfação. Depois de tudo encerrado ele voltou a praticar o feitiço clayn com Ellien.

* * *

O penúltimo dia do quarto ciclo, para Kayan, era constituído do estudo da magia destrutiva e defesa contra magia negra. Com ele estavam Sarah e Mathen, além de Viktor.

O mestre era Jean Bearn, um homem baixo de cabelos castanhos e curtos que ganhavam mechas brancas. Seu semblante denotava grande sabedoria e ele tinha um tom de voz calmo, porém claro e severo.

O estudo com ele era constituído de analises de livros e teorias, mas ele o fazia de maneira bem dinâmica, para que o estudo não se tornasse muito cansativo. Ele também prometia alguns estudos práticos assim que os aprendizes começassem a dominar um pouco mais as outras disciplinas.

Kayan achava aquela disciplina muito instrutiva. Apesar de, assim como a maioria, ele preferir os estudos práticos, aqueles conhecimentos eram de grande interesse para o Atreius. Além disso, o mestre Jean era atencioso para com os alunos e uma pessoa animada, fazendo com que os aprendizes gostassem de sua companhia. No entanto, nem todos eles estavam satisfeitos com aquilo.

O estudo havia se encerrado e os aprendizes teriam uma folga de uma hora e meia antes da próxima disciplina. O mestre havia saído apressado, dizendo que tinha assuntos particulares a resolver, e os alunos dirigiram-se por um caminho oposto ao dele.

Mal o mestre se afastou e Viktor começou a despejar seu descontentamento.

– Que disciplina mais inútil! Este velho bem que poderia ensinar algo útil ou demonstrar algum feitiço das trevas.

Aquilo irritou Kayan. Na verdade, não foi apenas aquilo, pois o rapaz havia cultivado uma raiva crescente de todas os estudos práticos da esfera do ar. Desta maneira, seu impulso foi revidar com palavras.

– Acho que você poderia fazer algo útil para todos nós e voltar para a guilda de seu pai, se é que ela é tão boa quanto você diz, embora eu duvide disto.

Viktor disfarçou bem sua irritação, mas isso não fez com que deixasse de revidar com palavras.

– E será que você é mesmo filho de Kaatus? Não tenho assim tanta certeza, já que mal consegue dominar a esfera do ar.

Kayan avançou para confronta-lo novamente, mas Sarah segurou-o pelo pulso, evitando que prosseguisse. Mathen, entretanto, também tinha suas hostilidades contra o Smalter e tomou o lugar do amigo.

– Se o próprio granmestre Sakuro Cyren atesta a identidade de Kayan, quem é você para duvidar disto? Além disso, Kayan é muito melhor que você em todas as outras esferas. Ou devo relembrá-lo de como você se saiu nos estudos da esfera terra?

– E você quem é mesmo? Nunca ouvi falar de sua família, provavelmente vocês nunca foram importantes em nada em toda a história de Wesmeroth. Se Kayan for mesmo um Atreius, deveria escolher melhor suas amizades.

Aquilo apenas irritou Kayan ainda mais. Tanto que livrou sua mão da de Sarah e avançou ao lado de Mathen, que já encarava o Smalter com agressividade.

– É melhor você tirar esse ar de superioridade dessa sua cara, senão terei que tirá-la na base da força.

– Quero ver você tentar, Atreius.

O clima do ambiente estava tenso e os outros aprendizes no corredor pararam para observar o que estava acontecendo. A aura dos dois garotos começou a se agitar enquanto eles se ameaçavam. Parecia que a qualquer momento um feitiço seria lançado ali.

A tensão só diminuiu quando Sarah se aproximou de Kayan e colocou a mão em seu ombro de maneira suave.

– Pare Kayan, por favor. Se vocês continuarem com isso serão punidos. Lembrem-se que é proibido lançarem feitiços nos corredores.

Por fim, a razão acabou superando a emoção e os dois rapazes acalmaram suas auras. Nenhuma outra palavra foi trocada entre os dois e a hostilidade apenas reduziu-se quando cada um seguiu por uma direção diferente.

* * *

No final de cada ciclo de estudos havia um dia livre onde os aprendizes podiam fazer qualquer coisa que quisessem, inclusive utilizar os cavalos do castelo para explorar seus arredores. A maioria dos jovens, porém, preferiam permanecer no castelo e aliviar a mente cansada de tanto estudar.

Kayan, Sarah e Mathen encontravam-se deitados sob uma relva baixa próximo às árvores do grande jardim interno do castelo. O trio aproveitava a folga para descansar e conversar sobre suas primeiras impressões dos quatro primeiros ciclos dos estudos.

– Como vocês estão se saindo nos estudos? – perguntou Kayan.

– Não muito bem, na verdade – respondeu Mathen. – Entendo a teoria, mas na hora de colocar em prática só me dei bem na esfera de terra e natureza, de resto não estou me saindo muito bem.

– Eu tive dificuldades com a esfera fogo e terra, mas me dei super bem com magia branca, o mestre disse que é bem provável que esta seja minha esfera primordial. E você, Kayan?

– A esfera do ar é minha fraqueza e a de eletricidade provavelmente também será quando começarmos a praticá-la. Também não consegui praticamente nada de magia branca, mas os mestres já explicaram que a maioria dos magos não conseguem executar os feitiços de cura e ficam só no básico da luz mesmo.

– A esfera branca é igual a esfera negra, ou ela é a esfera primordial de um mago, ou o mago dificilmente saíra do básico – complementou Sarah.

O trio concentrou-se em observar as nuvens da primavera enquanto faziam uma pausa no assunto atual antes de passar para o próximo.

– Fizeram amizade com mais alguém? – perguntou Kayan.

– Conversei com vários aprendizes, principalmente com os que já viviam aqui em Drugstrein, mas passo mais tempo com vocês dois e com uma garota chamada Ellien que esta junto comigo no estudo da magia branca – respondeu Sarah.

– Conheci a Ellien no estudo da esfera terra, ela não é muito boa nisto então eu e o Fedrick estamos ajudando-a – disse Mathen.

– Eu conheci uma prima do Sakuro. O nome dela é Thays. O pai dela morreu durante a Rebelião Negra e a mãe dela não é uma maga, então ela e o Sakuro são os últimos Cyren. Estudamos juntos a esfera do fogo e ela é muito boa nisso, achamos que ela vai contra a esfera primordial da família Cyren, que é o gelo.

– Sei quem ela é. Uma garota de cabelos aqui pelos ombros de um tom azulado, não é? ­– deduziu Sarah enquanto fazia uma referência em seus próprios ombros para o comprimento dos cabelos da outra garota. – Ela estuda a esfera do ar e da água comigo, mas achei ela muito reservada.

A conversa estava estabelecendo um bom ritmo quando eles foram interrompidos pelo surgimento de Viktor Smalter no horizonte. O rapaz vinha caminhando calmamente, mas uma certa agressividade era perceptível pelo trio, o que fez com que eles se colocassem em pé.

– Está na hora de acertarmos nossas contas, Atreius.

Por um momento, a única resposta de Kayan foi cerrar os punhos e franzir as sobrancelhas enquanto encarava o outro aprendiz.