Céu de cristal escrita por gilbitchs


Capítulo 2
I can't explain, but I want to try.


Notas iniciais do capítulo

Queria postar só depois, de reescrever mais umas milhares de vezes, mas tô me coçando pra postar o quanto antes.

— A história pode ser interrompida caso não haja incentivo.



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“Você já teve aquele medo de não poder mudar, do tipo que não sai como algo nos seus dentes? Você não faz ideia do quanto está envolvida?” (Arctic Monkeys - Do I Wanna Know?)



Lucca encarou-se novamente no espelho retrovisor do carro, ajeitando algumas áreas do cabelo que ele julgava “imperfeitas para o encontro”. Os fones embolados do iPod não o impediam de ouvir Arctic Monkeys no último volume, possibilitando que seu pai ouvisse ruídos saindo do objeto . Sr. Aroostook, por sua vez, mantinha os olhos fixos na estrada, acomodado com a música baixa do rádio. As falhas tentativas de conversar com o filho pararam quando ele percebeu que Lucca estava com a cabeça em outro mundo; o que acontecia com muita frequência, a bem da verdade.

Lucca sabia que não deveria estar ali. Só esperava que ela não soubesse. Ou que, ao menos, não se lembrasse. O fato era que nunca pudera competir. E isso não mudaria agora. Tentava lembrar a si mesmo que só estava ali para buscá-la. E entregá-la, novamente. Ele só estava ali para levá-la para a casa. E vê-la partir, novamente. Era algo normal a se fazer. Você fracassará. Como sempre.

Submergiu de seus devaneios quando o carro parou abruptamente, após passar por um objeto grande, cujo qual ele não sabia dizer exatamente o que era. O pai, Edmundo, fez um gesto com as mãos para que ele descesse.

Os dois as encontraram próximas da parte de embarcação; três delas acenaram, enquanto a menor corria por entre as pessoas, carregando a pequena mochila de rodinhas da Moranguinho atrás de si.

— Tio Ed, tio Ed. — ela se jogou nos braços do homem, animada, com os longos cabelos cacheados balançando de um lado para o outro, tão agitados quanto a pessoa a qual eles pertenciam. — Quanto tempo!

— Veja só como você cresceu, Nádia. — as palavras saíram abafadas pelo cabelo da criança. - Da última vez que te vi, você era pouco maior que o meu joelho.

— Que mentira, tio Ed… Você sabia que agora eu sou a maior da turma? Minhas amigas tem muita inve… — ela parou, e encarou o primo; como se tivesse percebido sua presença somente naquele momento. — Lucca! — ela gritou, soltando-se dos braços do tio e abraçando o rapaz.

— Cale a boca, Nádia. - Bianca pronunciou, próxima o suficiente para desferir um tapa na cabeça da irmã. - Você não está na sua casa.

A criança, por sua vez, correu para próximo da mãe, que cumprimentava o irmão e o sobrinho. Mas, naquela medida, Lucca já não prestava mais atenção no que estava acontecendo; não prestou atenção no que acontecera com a Bianca por ter batido na criança, ou no que Nádia falava incessantemente. Uma pessoa, em especial, merecia sua total atenção. Ou era isso que seu cérebro demonstrava.

— Ah, querida! — Edmundo disse. — Sentimos tanto a sua falta nas férias do ano passado!

A garota que correra com seu moletom cinza até o homem continuava da mesma maneira que dois anos atrás. As ondas dos cabelos castanhos batiam na altura dos seios, não muito maior do que a última vez que a vira. Ainda não pudera ver seu rosto, mas sabia que estaria com os olhos castanhos brilhando, com algumas camadas de rímel, ou, talvez, um lápis de olho. Ela sempre usava essa maquiagem quando trajava moletom.

— Lu… - ela sorriu para o primo, apos desvencilhar-se do abraço do tio. Rímel e lápis. Bingo.

— Belly - retribuiu o sorriso, o que os dois sabiam que era um convite para um abraço. E foi isso que ela fez. Jogou-se nos braços do primo, igual nos tempos antigos. Tempos que ela fizera questão de estragar.





“Bem-vindos a Céu de Cristal.”

A placa de madeira anunciava, com as letras escritas em uma tinta que, antigamente, deveria ser algo próxima do dourado.

Os cliques incessantes das fotos que Bianca tirava soavam tão rapidamente, que não seria surpresa para nenhum dos ali presentes caso a pequena câmera verde-limão explodisse dentro do carro. Já era até possível sentir o cheiro de fumaça.

Mabelly encolhia-se no banco, repousando a cabeça no vidro, enquanto o carro passava por borrões de tons vermelhos e marrons; do tijolo das paredes e dos tetos das casas.

Lembrava-se de imaginar que a nomenclatura “Céu de Cristal” possuía alguma ligação com o sorvete azul que tomavam quando menores, deixando o céu da boca tão azul quanto o do céu que eles idealizaram como “de verdade”, e com as barras de Diamante Negro que comiam, com o açúcar cristalizado por entre o chocolate. Tão ingênua, pensava agora. As coisas poderiam ter continuado assim.

A real história era de que Céu de Cristal fora uma pequena cidade fundada na parte sul de Santa Catarina, sendo, primeiramente, uma grande fazenda para ser dividida entre os quatro fundadores. O crescimento econômico e populacional traçaram outro rumo, no entanto.

A Crise de 29, ou a Grande Depressão, trouxeram à tona a brilhante ideia que um dos fundadores precisava: os suicídios em massa. Abandonado pela esposa, perdendo o direito de governo de sua própria cidade e sem herdeiros, Álvaro Bartolomeu decidiu suicidar-se. Subindo no alto do telhado de madeira de sua casa, o homem decidiu jogar-se. Lançando suas últimas pedras de diamantes para o alto, e seu corpo logo em seguida. Sua antiga esposa, por fim, Coralina Esmeralda, sugeriu o nome. Uma homenagem ao melhor marido que ela já desejara uma vez na vida. Dois anos depois, casou-se novamente.

E, no final das contas, a cidade conseguia ser tão vazia quanto um cristal, ou quanto o coração de Coralina Esmeralda.

Coralina possuía olhos tão verdes quanto a cor esmeralda que trazia no nome, e aparentava ser tão delicada quanto. Cabelos pretos, bochechas rosadas e o destaque dos olhos na pele tão branca. A aparência de uma rainha, que um fundador merece ter. Ou sonha em ter.

Nunca amara Álvaro. Talvez tenha esse sido o motivo de abandoná-lo.

Dentre os quatro fundadores, apenas um usufruiu de herdeiros. E era um desses herdeiros que estavam indo visitar. Junto com toda a família.

— Notícia de última hora. - Edmundo repousara o celular em cima da perna, com os olhos vidrados na estrada e um semblante cadavérico. — Nós teremos um casamento.


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