— Nós vamos viajar. — a mulher balançava as quatro passagens de forma paralela ao balanço de seus fios louros.

A garota menor, Nádia, encarou os pedaços de papéis, perplexa. Não aparentava ter mais que dez anos; os olhos gigantes castanhos brilhavam ao encarar as passagens, como se estivesse ganhando a bicicleta super esperada pela maioria das crianças no natal.

— Nós vamos de… avião? — o sorriso bobo, onde um dos dentes caninos estava em falta, tomou conta de seus lábios, e os pulos de animação logo apoderaram-se da garota quando a mãe balançou a cabeça para cima e para baixo, assentindo. - Isso é muito legal.

— Uau - a irmã mais velha, Mabelly, limitou-se a sibilar, tão surpresa quanto a mais jovem; o que fazia o fato ser tão surpreendente para ela, além de ser a primeira viagem de avião, era a origem do dinheiro. Ao que tudo indicava, o pai não havia depositado o dinheiro da pensão do mês, e a mãe não trabalhava.

— Vocês se lembram do tio Cássio? É claro que lembram — continuou, sem esperar uma resposta concreta, porque era isso que Radija sempre fazia. - Ele ficou tão chateado quando eu disse que não viajaria com vocês esse ano, que fez questão de que fossemos passar a virada com ele em Santa Catarina - apressou-se em explicar, como se soubesse exatamente o que causava desconforto na mais velha. O silêncio pairou entre elas, como um visitante hostil, mas inevitável.

— Embarcamos quando? — a irmã do meio, com seus cabelos negros, Bianca, por fim, se manifestou, sorrindo.

Na semana seguinte, com as malas devidamente feitas, as quatro embarcaram. Abandonaram a pequena cidade da grande São Paulo, onde a ausência e a perda seriam suas eternas moradoras desde então.