O Grande Livro Marrom escrita por Fernando Cabral


Capítulo 3
Afazeres




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Clow Reed estava sentado sobre a poltrona, na sala onde criara suas cartas anos atrás. Uma delas, Corrida, estava a seu lado. Quando não se encontrava na forma selada, tinha a aparência de um felino de porte médio, cor lilás, uma longa cauda, grandes orelhas e possuía um losango verde na testa. O mago o acariciava.

Deixava as cartas livres para circularem pela casa, que era bem grande. A maioria só aparecia em forma personificada de vez em quando, preferindo passar a maior parte do tempo selada, mas Corrida não era uma delas. Gostava de tirar cochilos pelos cantos dos cômodos e observar enquanto Clow cozinhava.

Desde o momento em que Clow as criara, as cartas passaram a ser suas companheiras, e o mago tinha grande carinho por elas.

Clow deixara de usar seu antigo baralho, guardando-o no escritório de seus pais, nunca esquecendo a importância dele nem deixando de lado as lembranças carinhosas que trazia. Mas como suas novas cartas, as Cartas Clow, também permitiam serem lidas, o bruxo achou melhor deixar as antigas num lugar seguro.

Dois anos depois de criar o baralho novo, Clow descobriu que seu poder continuava a se expandir, e que provavelmente já tinha ultrapassado o nível que tinha na época que havia decidido dividi-lo. Com isso, pôde observar mais coisas sobre seu futuro, descobrindo que cometeria um pequeno erro, que acarretaria uma grande situação e acabaria por envolver muitas outras pessoas no processo. Preocupado com isso, Clow decidiu que dali em diante se dedicaria a descobrir maneiras de diminuir o impacto deste futuro erro. Concluiu que sua maior obra até então, as Cartas Clow, precisariam ser deixadas como herança para algum descendente seu. Poderia deixar que as cartas se protegessem sozinhas e que elas próprias escolhessem um descendente que fosse digno delas, mas o mago se importava demais com suas criações, e, como sabia que algumas delas possuíam personalidades extremamente diferente das outras, achou melhor que houvesse um guardião para elas e que, por sua vez, esse guardião tivesse um companheiro, que teria a função de julgar se seu futuro dono seria digno das cartas. Foi assim então que, com seus poderes já desenvolvidos, criou Cerberus, o guardião, que tinha a imagem de um felino de grande porte, possuía enormes asas angelicais, era regido pelo Sol, e seria o responsável por guiar o futuro dono das cartas; e, junto a Cerberus, deu vida a Yue, o juiz, que tinha a aparência e as asas de um anjo, com longos cabelos brancos, olhos azuis, feição séria, e era regido pela Lua.

Enquanto Clow estava sentado, acariciando Corrida, Cerberus e Yue aguardavam por perto. Ambos haviam herdado certas características de seu criador. Yue possuía a seriedade, sem o bom humor para contrabalancear, e seu poder dependia do nível de magia de seu dono; Cerberus herdara o bom humor e o apetite por doces.

O mago esperava uma certa pessoa aparecer, e enquanto ela não mostrava as caras, conjurou um doce de morango com chocolate para comer. Cerberus encarou a guloseima desejoso, então Clow conjurou outro para ele. Yue parecia indiferente à cena.

Alguém bateu em sua porta, e o bruxo, divertido, se levantou para atender.

— Não consegui perceber que você estava chegando, Yuko. Quis fazer surpresa? — disse Clow, com um sorriso brando nos lábios.

— Eu sei que você gosta de surpresas e imprevisibilidade, então não custava nada. — A expressão facial de Yuko era similar à de Yue, assim como seu tom de voz monocórdico. Trazia consigo uma pequena sombrinha feita de bordados tão negros quanto o longo vestido que usava. Um broche no formato de borboleta com detalhes em vermelho enfeitava seus cabelos compridos. Estava linda, mas, de alguma forma, parecia cansada.

Clow deixou que a bruxa adentrasse sua casa e se dirigiu com ela para o quintal, que estava tão vivo quanto quando era uma criança. Foram acompanhados por Cerberus, Yue e Corrida.

— Eu já escolhi meu herdeiro — o mago anunciou, sem nunca retirar o sorriso do rosto, olhando para a cerejeira, que ainda estava presente no quintal. Desviou o olhar, encarando docemente Cerberus, que meneou levemente a cabeça, em concordância, enquanto Yue ficava ainda mais sério, se é que fosse possível.

— Essa é uma boa notícia — a bruxa respondeu, finalmente sorrindo.

— Eu a chamei aqui porque queria lhe confiar isto. — Sobre a palma da mão de Clow estava o que parecia ser um antigo e pequeno livro de páginas grossas. Ao tocá-lo, Yuko entendeu do que se tratava.

— Guardarei suas cartas com carinho. Mas não é só pra isso que estou aqui, certo? — O sorriso em seu rosto era quase malicioso.

— Descobri mais detalhes sobre o que devo fazer. Preciso de sua ajuda para acertar mais algumas coisas — Clow disse, aparentando preocupação pela primeira vez.

— Da minha ajuda eu duvido que precise, mas participarei de seu plano, Clow.

De volta para dentro da casa, Clow, Yuko, Cerberus e a carta Corrida se reuniram na sala. Clow subiu até um dos quartos, dizendo que iria pegar algo e que rapidamente voltaria. Seu sobretudo negro com detalhes azuis esvoaçou enquanto galgava os degraus.

Logo desceu de volta, trazendo dois estranhos objetos: Um cilindro de vidro, que tinha um suporte de metal em cada uma das extremidades, e uma espécie de cajado rosa, do qual a ponta parecia a cabeça de um pássaro. A seu lado, enquanto ainda descia os degraus, surgiram duas lindas mulheres: uma emitia uma forte luz branca, tinha os cabelos ondulados, usava um vestido longo e uma coroa, tudo muito branco; a outra era o extremo oposto, tudo o que usava, incluindo, assim como a outra, um vestido longo e uma coroa, era preto, e seus cabelos eram muito lisos. Sua aparência lembrava, de certa forma, a de Yuko.

— Esses dois objetos são de extrema importância, e você deve entregá-los para duas pessoas também muito importantes — Clow disse, entregando-os para Yuko.

— Quanto ao real motivo de ter te chamado aqui — continuou —, tenho duas criações em mente, mas preciso da sua cooperação, pois elas precisam ser nossas para que tudo funcione futuramente.

Clow olhou para as duas mulheres que haviam descido consigo.

— Elas nos ajudarão também — terminou.

Yuko não demonstrou objeções, então eles começaram. Cerberus e Yue continuaram quietos no canto da sala, enquanto uma forte luz tomou conta do lugar. A carta Corrida fugiu para o andar de cima, assustada.

Não muito tempo depois acabaram. As duas mulheres já não estavam mais presentes. Yuko e Clow tinham, cada um, uma pequena criatura sobre a palma da mão. Ambas possuíam grandes orelhas e corpos muito arredondados, como se fossem grandes manjuus (tipo de doce japonês). A que estava com Yuko era negra e tinha uma gema azul na testa, enquanto a da mão de Clow era branca e trazia na testa uma pedra vermelha.

— Mokona Modoki! — gritaram em uníssono os dois pequenos seres.

— Este é Soel — disse Clow, olhando para a criaturinha. — Como se chama esse, Yuko?

A bruxa encarou o ser, que a encarou de volta, curioso.

— Larg — respondeu ela.

— Somos Mokona! — disseram juntas as duas criaturas, novamente, saltando felizes.

Após Yuko ir embora, mais pálida do que quando chegara e levando Soel e Larg consigo, Clow se dirigiu a Cerberus e a Yue, dizendo que ainda precisava resolver alguns assuntos naquele dia. Yue pareceu um tanto desconfortável.

O mago novamente subiu ao segundo andar, e desceu, dessa vez trazendo um estranho objeto em uma das mãos. Era um artefato de metal acobreado, com um símbolo pintado em tinta preta e uma grande fita roxa pendurada. Parecia uma espécie de escudo para a mão, mas na verdade se tratava de um tipo de sino. Na outra mão, Clow trazia um pequeno cajado rosa com uma espécie de cabeça de pássaro em uma das pontas, idêntico ao que havia entregado à Yuko. Cerberus perguntou se era o mesmo objeto, ou se ele possuía dois. O mago respondeu, com um sorriso, que o que havia entregado à Yuko era apenas uma cópia falsa do que segurava no momento. Explicou que havia entregado o falso para a bruxa apenas por diversão, em troca da surpresa que ela havia feito mais cedo.

Clow voltou até o quintal, olhou sorridente para a cerejeira e então pediu para Cerberus e Yue o aguardarem, pois ele já voltaria. Antes, esticou o braço que segurava o cajado rosa, que foi se reduzindo até ficar com o tamanho e a aparência de uma chave. Em seguida, o estendeu em direção a Cerberus. O pequeno objeto se tornou luz e se uniu ao guardião. Então, virou-se para a cerejeira, e uma espécie de portal se abriu à sua frente. Yue demonstrou preocupação e ia se oferecer para ir junto aonde quer que o mago fosse, mas já era tarde demais. Ele tinha sumido para dentro do portal, levando o sino consigo.

Segundos depois reapareceu, já sem o objeto em mãos, mas ainda sorrindo.

— Tenho ainda uma última coisa a fazer — anunciou.

De suas mãos, surgiu um grande livro marrom, com a imagem de Cerberus na capa.

— Esta é a hora. Espero que sejam compreensivos. Eu agradeço pela companhia por todo esse tempo — Cerberus se pegou pensando que sempre achara incrível o fato de que Clow conseguia sorrir até nos momentos de maior tristeza.

— Mas… — começou Yue. — Não!! Nunca haverá ninguém que…

— Não tenha medo, Yue. Este não é de fato um adeus.

Clow estendeu a mão direita às suas duas criações, seus dois amigos, e com a mão esquerda levantou o livro, que flutuou e se abriu. Em seguida, Cerberus e Yue foram convertidos em luz e absorvidos pelo livro. De dentro da casa, cinquenta e duas cartas voaram, também sendo guardadas. Clow permaneceu sozinho no quintal.

“Hora de descobrir qual será meu pequeno erro”, pensou, e adentrou outro portal.


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