A resposta da alma escrita por Nany Nogueira


Capítulo 21
O horizonte da existência


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo. Agradeço a todos que acompanharam até aqui!



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Miguel e Gustavo passaram a interagir pela internet. Miguel estava decidido a unir sua mãe ao advogado.

Certo dia, Amélia passeava no shopping com o filho, quando Gustavo passou por eles.

Miguel foi correndo falar com o amigo. Gustavo e Amélia cumprimentaram-se com certo constrangimento.

– Quer ir brincar comigo no parquinho? - convidou Miguel a Gustavo.

– Ele deve ter mais o que fazer filho. Eu vou brincar com você – disse Amélia.

– Eu não me incomodo Amélia. Até gosto. Vamos Miguel – falou Gustavo, estendendo a mão para o garoto, que a segurou.

Os dois foram andando na frente e Amélia atrás.

No parquinho, Miguel e Gustavo se divertiram nos jogos. Amélia não pode deixar de sorrir ao ver a felicidade de seu menino.

Na sequência, foram fazer um lanche juntos. Gustavo contava a Miguel como fora a sua infância. Ele era filho de comerciantes e cresceu brincando na rua num bairro que àquela época era calmo. Falou sobre os brinquedos da sua época.

– Você também gostava de brincar de peão Amélia? - indagou Gustavo.

– Não.

– Claro que não, você é bem mais jovem que eu, já pegou a época que a tecnologia começou a roubar a infância.

– Eu pulava amarelinha, brincava de queimada e de esconde-esconde no colégio e com os vizinhos do meu prédio – contou Amélia.

– Você é tão delicada para brincar de queimada.

– Eu era muito boa de queimada, dificilmente me acertavam e eu jogava a bola com força.

– É verdade, mamãe tem a mão pesada – falou Miguel.

– Eu nunca bati no meu filho antes que pense isso – defendeu-se Amélia.

– Eu não pensaria isso de você.

– Mamãe nunca me bateu mesmo, mas ela abre garrafas e tampas emperradas facilmente, também troca lampâdas e me tira do chão bem fácil, quer ver quando eu fujo do banho e ela me pega sem chance de defesa, ela até ganhava do papai na queda de braço – contou Miguel, entristecendo-se ao se lembrar do pai.

Gustavo percebeu e quis distrair o garoto:

– E você também é bom em queda de braço?

– Não tanto quanto a mamãe.

– Será que Amélia ganha de mim? - indagou Gustavo.

– Eu aposto que sim – observou Miguel.

Gustavo levantou a manga da camisa e colocou o braço sobre a mesa, desafiando Amélia. Ela segurou a mão dele, posicionando seu braço para o desafio.

Quando as mãos dos dois se tocaram, sentiram como se uma corrente elétrica tomasse conta de seus corpos. Amélia corou e Gustavo engoliu a saliva sentindo a garganta seca.

– Não vão começar? - perguntou Miguel, quebrando o transe dos dois.

A queda de braço começou, mas Amélia sentia seus músculos fracos, seu coração estava aos pulos e queria poder cessar o toque de Gustavo rapidamente, de modo que foi fácil a ele vencê-la.

– Fez propaganda enganosa Miguel – zombou Gustavo.

– O que houve mamãe? - questionou o pequeno à mãe.

Amélia pegou o celular na bolsa, olhou as horas e disse:

– Temos que ir logo Miguel. A mamãe tem compromisso.

– Mas hoje é sábado.

– Sabe que sempre tenho sentenças pra fazer.

– Coisa chata, quando eu crescer não vou querer ser juiz.

– Sábia decisão garoto – comentou Gustavo.

Miguel deu um abraço em Gustavo para se despedir e cochichou no ouvido dele:

– Vou te contar aonde vou com a mamãe no próximo final de semana.

Gustavo sorriu.

Amélia já sabia que os encontros com Gustavo não eram casuais, mas não se importava, pois percebia que Gustavo estava ajudando Miguel a superar a dor da perda do pai.

Certo dia Amélia chamou Gustavo para conversar no seu gabinete no Fórum.

– Eu já imagino do que se trata Amélia. Não quer mais que eu me aproxime do seu filho? - perguntou o advogado.

– Não é bem isso. Acontece que meu filho já está muito apegado a você. Não sei o que está pretendendo com essa aproximação, mas se não veio para ficar na vida do meu filho é melhor sair enquanto há tempo. Não quero que o magoe. Ele já sofreu demais com a perda do pai...

– Eu jamais o magoaria e jamais magoaria você novamente Amélia. O que eu pretendo com essa aproximação? Se você deixar, pretendo ser o pai do Miguel e o seu marido.

Amélia afastou a mão de Gustavo que acariciava seu rosto, dizendo:

– Aqui não é lugar pra isso.

– Tem razão. Amélia, precisamos conversar, saia comigo essa noite.

– Gustavo, não faz nem um ano que estou viúva...

– Eu não vou forçar nada, só quero sair como amigo.

– Se é assim, está bem.

Naquela noite, Amélia deixou Miguel com a sua família (mãe e avó) e saiu com Gustavo. Os dois foram a um barzinho que também era balada. Tomaram uns drinques e conversaram. Gustavo mostrou à Amélia um lado mais solto, descontraído, até então desconhecido para ela.

Uma música começou a tocar e Gustavo olhou apaixonadamente para Amélia e começou a cantarolar:

– “Eu gosto tanto de você que até prefiro esconder deixo assim ficar subentendido...”

Ela continuou:

– “Como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor obrigação de acontecer...”.

– “Pode até parecer fraqueza, pois que seja fraqueza então...”.

– “A alegria que me dá, isso vai sem eu dizer...”.

Amélia tomou a iniciativa e beijou Gustavo, ele prontamente correspondeu. Cessado o beijo, os dois sorriram.

– Isso quer dizer que você corresponde aos meus sentimentos? - perguntou Gustavo.

– O que você acha?

Os dois voltaram a se beijar.

Amélia e Gustavo casaram-se alguns meses depois, mesmo com a oposição de suas famílias.

A avó de Amélia julgava Gustavo mau-caráter por já ter sido casado duas vezes e por curtos períodos de tempo. O pai de Gustavo não gostava de Amélia, porque atribuía o sofrimento do filho e os casamentos fracassados à paixão doentia pela moça.

Miguel gostava de Gustavo como pai e este tinha o menino como filho. Amélia admirava os dois juntos, sempre contentes e a imagem da princesa francesa sofrendo durante o parto do filho do cavaleiro que nasceu morto vinha a sua cabeça.

Sem dúvida, Deus era justo e o universo conspirava para que tudo estivesse no seu devido lugar. O bebê do Renascimento não teve a chance de nascer, o cavaleiro não teve a chance de conhecer seu filho, mas, agora, os dois estavam ali, como o pai e o filho que não puderam ser em 1.500, apesar de não possuírem vínculos biológicos na atualidade.

Amélia ficou pensando como os vínculos biológicos podiam ficar em segundo plano diante dos sentimentos que carregamos na alma. Ela mesma já não sentia mais nada pelo seu pai, depois de tantos anos de afastamento. Pensou que quando criança o amava como pai, depois, na adolescência, sentia ódio dele, e, na vida adulta, depois do tratamento espiritual e psicológico, superou o ódio, mas nunca recuperou o amor, embora repetisse para si mesma todos os dias que deveria ser grata a ele por sua vida.

Naquele momento, seu pai estava muito doente no hospital e havia lhe chamado. Ela decidu ir. Gustavo a encorajou a ouvir seu pai e a abrir o seu coração se não para o amor para a compaixão ao homem moribundo.

No hospital, Amélia viu seu pai ligado a muitos aparelhos, magro, envelhecido e fraco. Sentou-se na cama ao lado dele. O homem, com esforço, tomou a mão da filha:

– Minha magrelinha.

Amélia nem se lembrava mais, mas era assim que o pai a chamava na infância.

– O que o senhor quer? - perguntou ela, contendo as lágrimas.

– Quero o seu perdão. Sei que não o mereço, mas preciso dele para descansar em paz.

– Já o perdoei pai.

– Eu sinto tanto por não ter te visto crescer, por não estar presente nos momentos mais importantes da sua vida. Eu fiz tudo isso por ódio da sua mãe. Descontei em você e no seu irmão, quando não tinham culpa de nada. Eu fui estúpido e me arrependo tanto...

– Isso já passou.

– Eu gostaria de poder voltar no tempo e ter a chance de viver perto de você, queria poder fazer tudo diferente.

– Quem sabe um dia ainda nos encontramos por aí. “Há muito mais coisas entre o céu e a terra que supõe a sua vã filosofia”.

O pai de Amélia esboçou um sorriso fraco e fechou os olhos. Não respirava mais.

Algum tempo depois, Amélia e Gustavo apreciavam a vista caminhando numa bela praia, enquanto Miguel ia correndo na frente, brincando e jogando água na beira do mar.

Gustavo disse:

– Eu nunca imaginei que um dia pudesse ser tão feliz.

– Nem eu – concordou Amélia.

– Eu sinto como se nesses anos todos, na tentativa de te esquecer eu fui me perdendo de mim mesmo.

– Era como se algo sempre estivesse errado, como se sempre estivesse faltando alguma coisa, como se minha alma anseiasse por algo.

– Exatamente isso. Esse algo, ou melhor, esse alguém, era você – declarou Gustavo, beijando-a – Se existe felicidade maior que essa eu ainda não descobri.

– Eu acho que há algo que pode trazer ainda mais alegria para a nossa família.

– O que? - perguntou Gustavo desconfiado.

Amélia pegou a mão do marido e levou à barriga dela, dizendo:

– Parabéns papai.

– Você está grávida? - perguntou ele com um sorriso bobo.

– Pois é, por essa nem eu esperava. Estou com mais de 40 anos, mas acho que posso ter uma gravidez saudável com um bom acompanhamento médico. Hoje em dia muitas mulheres têm filhos mais tarde. Acho que vai ser bom para o Miguel ter um companheiro de vida.

Gustavo ajoelhou-se e beijou a barriga de Amélia, falando:

– Vai dar tudo certo, esse é o nosso presente.

Meses depois, Amélia deu à luz um menino bonito e saudável que batizou de Thomas, lembrando que esse era o nome de seu cavaleiro do Renascimento.

Ela olhava para o garoto e via algo muito familiar. Os olhos eram azuis como do avô, pai de Amélia. Mas, não era só a cor que fazia a moça lembrar do pai. Ela teve a certeza que de ele veio como seu filho para que pudesse dar a ele todo o amor incondicional de uma mãe.

Certo dia Amélia foi até a sacada de seu apartamento e olhou para o horizonte. Era um dia ensolarado, Miguel a abraçou pela cintura. Gustavo foi atrás segurando Thomas no colo e colocou um dos braços sobre o ombro da esposa.

– Sabem o que é incrível dessa vida?

Gustavo e Miguel fizeram que não com a cabeça e ela prosseguiu:

– Ela nunca acaba. É como o horizonte, nunca podemos ver o seu fim. Mas, o mais importante, é que os sentimentos que construímos ao longo dessa caminhada ininterrupta também não têm fim.

– Eu te amo mamãe.

– Eu te amo e vou te amar pra sempre, hoje sei que esse sentimento é mais forte que eu – declarou Gustavo, dando um beijo na esposa.

– E eu já amei vocês, amo vocês e sempre vou amar – falou Amélia.

– O que quer dizer com já amou? - indagou Gustavo.

– É uma longa história, você não acreditaria se eu contasse.

– Por que não tenta?

– Quem sabe um dia. O importante é que essa história nos trouxe até aqui, então tudo valeu a pena.

Os quatro se abraçaram e continuaram fitando o horizonte.


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