A resposta da alma escrita por Nany Nogueira
Ricardo e Amélia estavam de malas prontas para subir a serra num final de semana ensolarado.
Lourdes, mãe de Ricardo, iria ficar com o neto Miguel.
– Não esqueçam de me trazer presentes e muitos chocolates – pediu o menino aos pais.
– Não vamos esquecer, meu príncipe! - disse Amélia, abraçando o filho – Obedeça a sua avó.
– Pode deixar mamãe.
Foi a vez de Ricardo abraçar o filho:
– Comporte-se carinha. Sei que é um bom garoto, tenho muito orgulho de você e te amo muito, nunca se esqueça disso.
– Não vou me esquecer, também te amo papai.
Os dois entraram no carro e seguiram viagem.
Ricardo havia reservado um hotel em meio à natureza. Ele e Amélia puderam aproveitar, andando a cavalo, visitando vinícolas próximas e fábricas de chocolate. Jantaram à luz de velas, saboreando um bom vinho.
Ricardo era muito bem humorado e sempre arrancava risadas de Amélia, ela pegou a mão do marido e comentou:
– Agora me lembrei como me conquistou. Eu adoro esse seu bom humor Ricardo, sempre tornando minha vida mais alegre.
– Você torna a minha vida mais alegre Amélia, eu te amo, como nunca amei uma mulher. Nós construímos uma família juntos, temos um filho lindo, e um casamento de 8 anos. Devo tudo isso a você.
– E eu, a você.
Depois do jantar, os dois já entraram aos beijos no quarto e tiveram um noite de amor.
Amélia acordou feliz, certa de que estava fazendo a coisa certa. Ricardo era um bom marido e um bom pai, sempre tão apaixonado por ela e tornando sua vida mais feliz. Não iria deixá-lo por um sentimento do passado.
Ela sofreu muito com a separação dos pais e com o abandono do pai, então queria que Miguel tivesse a oportunidade de ter a família feliz que ela não teve.
Ricardo apareceu trazendo uma bandeja de café da manhã pra ela, na cama.
– Nossa! Eu mereço tudo isso? - perguntou ela.
– Merece muito mais que isso, minha princesa linda – beijando-a.
Os dois tomaram o café da manhã na cama, arrumaram-se e foram dar mais uma volta a cavalo pela manhã.
Quando voltavam abraçados ao hotel para o almoço, Ricardo falou:
– Quero me lembrar desses momentos com você pra sempre, mesmo depois que eu morrer.
– Não fale besteira. É muito novo para morrer.
– Eu prefiro ir antes de você.
– Ninguém sabe quem vai primeiro.
– Eu quero ir, porque eu não suportaria perder você.
Os dois se beijaram.
Logo depois do almoço, pegaram estrada pra voltar pra casa, era hora de descer a serra.
Um chuva grossa começou a cair e mal dava para enxergar a estrada e suas muitas curvas.
– Ricardo, melhor encostar, não dá pra enxergar nada – alertou Amélia.
– Esse trecho nem tem acostamento minha linda. Fica tranquila, sou um motorista experiente e o carro tem farol de milha.
– Eu não vejo nada, mesmo com farol de milha.
– Não tenho como parar.
– Ricardo!!! - gritou Amélia, ao ver que ele estava perdendo a direção do veículo em trecho inunando, vindo a se chocar contra a montanha.
O choque foi grande, Amélia desmaiou após o air bag abrir no seu rosto.
Ela acordou vendo luzes vermelhas a sua volta. Homens do corpo de bombeiros serravam as ferragens para retirá-la.
– A senhora pode me escutar? - perguntou um dos bombeiros.
– Sim.
– Estamos quase tirando a senhora daí, fica calma e mantenha os sentidos, fale comigo, está bem? Qual o seu nome?
– Amélia.
Ela foi retirada, imobilizada e levada para a ambulância dos bombeiros. Acordou no hospital com toda a sua família em volta: a mãe, a avó, o tio, o irmão, a cunhada, e o filho.
– Mamãe! - disse Miguel, chorando, correndo para abraçá-la.
– Tá tudo bem querido – falou Amélia, afagando a cabeça dele.
– Que susto nos deu Amélia! Sempre falei que aquele serrra é perigosa! Mas ninguém me escuta! Depois não diz que não avisei! - falou a avó com seu tom de recriminação que lhe era peculiar e que não iria mudar nos seus 90 anos.
– Sente-se bem minha filha? - perguntou a mãe de Amélia, preocupada.
– Dói tudo – respondeu Amélia.
– Isso é normal da porrada do acidente – comentou o tio – Mas, você vai se recuperar logo, vai ficar mais forte que uma lutadora de MMA depois dessa.
– Para onde levaram o Ricardo? - quis saber Amélia.
Todos ficaram em silêncio no quarto.
A mãe de Amélia disse a Miguel:
– Vem com a vovó, vamos fazer um lanche.
O menino saiu e o irmão de Amélia teve coragem de contar:
– Ele não resistiu mana, eu sinto muito.
– O quê? - perguntou Amélia, começando a chorar – Miguel já sabe?
– Não sabemos como contar a ele – explicou o irmão.
– Pensamos que era melhor você contar – completou a cunhada, Alana.
– Como eu vou contar isso ao meu filho? É muito cruel com uma criança perder o pai tão pequeno! Meu filho precisava tanto dele! Por que Deus fez isso? Por que não teve piedade de um garotinho? - questionou ela, revoltada.
Alana era espírita e soube falar à cunhada palavras de consolo:
– É do ser humano se revoltar em algumas situações. Eu entendo a sua dor. Mas, Deus sabe o que faz. Podemos não entender na hora, mas tudo tem um propósito. Ricardo foi uma pessoa muito especial na sua vida. Ele te encontrou para que juntos pudessem gerar o Miguel, que é um anjo para toda a família. Você tiveram uma história, mas o tempo de Ricardo na terra acabou, ele fez a parte dele e evoluiu o quanto pôde. Chegou a hora dele voltar para a espiritualidade para se aprimorar ainda mais e ajudar seus companheiros, voltando para a terra quando estiver preparado. Mesmo no outro plano ele pode sentir a sua dor e ficará tão triste quanto você. Viva esse luto, mas aceite que seu marido precisa ir, deixei-o ir, para que seja feliz. De lá, ele sempre olhará por você e pelo Miguel.
O irmão de Amélia olhou para a esposa e viu que um anjo guadião inspirava as palavras ditas por ela.
Amélia saiu do hospital para o enterro do marido. Contou ao filho minutos antes, explicando que o papai tinha ido pro céu por ser um homem muito bom, tanto que Deus o queria por perto.
O menino chorou muito, dizendo que ia sentir saudade, sendo consolado pela mãe.
Amélia e Miguel jogaram rosas brancas sobre o caixão de Ricardo, enquanto ele descia em sua cova. Mãe e filho choravam muito, abraçados. Lourdes, mãe de Ricardo, não suportou a cena e desmaiou, sendo retirada por familiares.
Quando chegou em casa, Amélia não podia suportar olhar para o local. Tudo lembrava Ricardo. Ela se sentou no sofá e não conteve o choro. Miguel sentou-se ao lado dela e fez carinho nos cabelos loiros da mãe:
– Não chora mamãe, o papai vai ficar triste. Não está sozinha, eu vou cuidar de você, agora sou o homem da casa.
– É sim, meu amor – falou Amélia, secando as lágrimas – Por isso que seu pai tinha muito orgulho de você.
Amélia pediu uma licença do trabalho logo após o óbito do marido, pois não suportava as pessoas lhe olhando com cara de pena ou tentando animá-la dizendo coisas como: “Você é muito jovem e muito bonita, fica triste não, logo arranja outro”.
Durante a licença, Amélia foi viajar pela Europa com Miguel. Foram a Itália ver o que havia restado do Império Romano, à França visitar os Palácios Renascentistas e, voltando ao Brasil, foram ao nordeste, em Pernambuco, onde viveu o Juiz da vida anterior de Amélia.
Miguel ficou encantado pelo lugar e parecia já conhecê-lo, dizendo em uma das praias:
– Essa praia é bonita, mas a que vem depois dessa é ainda mais bonita, mamãe, vamos lá?
– Vamos, querido.
No meio de uma feira, tocava forró e casais dançavam. Miguel puxou a mãe pela mão e disse:
– Vamos dançar, mamãe.
Os dois dançavam e Amélia sorriu ao ver a empolgação de seu menino.
– Sabe mamãe, uma vez tive um sonho esquisito. Eu e você estávamos num forró como esse...
– E dançávamos juntos como agora?
– Não. Não podíamos dançar juntos, você era homem.
Amélia apenas sorriu, sabendo exatamente do que o menino estava falando.
– Mas você é mais bonita agora! A mãe mais linda do mundo! - elogiou o pequeno.
– E você é o filho mais lindo e mais puxa saco do mundo! - disse Amélia em tom de brincadeira.
Mãe e filho voltavam para o Rio Grande do Sul, quando o avião fez escala em São Paulo, alguns passageiros embarcaram.
– Com licença, meu assento é aqui – disse uma voz masculina.
Amélia virou-se e viu que era Gustavo.
– Tem certeza? - perguntou ela, tentando dissimular seu choque ao vê-lo.
– Sim – confirmou ele, mostrando sua passagem.
Gustavo passou para o seu assento ao lado de Miguel.
– Como você está Amélia? - perguntou Gustavo, após se acomodar.
– Do jeito que dá – respondeu ela, friamente.
– Sinto muito pelo seu marido.
– Sente mesmo?
Miguel interrompeu:
– Vocês já se conhecem?
– Eu sou amigo da sua mãe – contou Gustavo.
– Na verdade, ex-professor – falou Amélia.
– Meu nome é Miguel – apresentou-se o garoto.
– Prazer Miguel, eu sou o Gustavo – cumprimentou, apertando a mão do garoto.
– Você gosta de figurinhas?
– Quando eu era pequeno tinha várias álbuns.
– Quer ver o meu?
– É claro.
Gustavo e Miguel conversaram animadamente durante todo o vôo de São Paulo a Porto Alegre.
O piloto informou que estavam prestes a aterrisar.
Miguel falou a Gustavo:
– Você é legal, quer ser meu amigo?
– Pensei que eu já fosse seu amigo.
– E já é. Posso te adicionar nas redes sociais?
– Claro. Estou nos contatos da sua mãe.
Amélia interveio:
– Não gosto de Miguel entre muito em redes sociais, só nos finais de semana, com a minha supervisão.
– Você pode supervisionar o que converso com ele – respondeu Gustavo.
O avião aterrisou, foram todos pegar suas malas na esteira. Gustavo perguntou:
– Vocês estão de carro?
– Vamos pegar um táxi – respondeu Amélia.
– Eu levo vocês.
– Não precisa.
– Eu quero ir com ele, mamãe – pediu Miguel.
No carro, a conversa de Gustavo e Miguel continuou. O garoto perguntou:
– Você é solteiro Gustavo?
– Eu estou solteiro sim.
– Minha mãe também está, vocês podiam namorar né?
– Miguel! - falou Amélia, em tom de repreensão – Sua mãe não está solteira, está viúva.
– Mas vúva também não tem marido e pode ter um – observou o menino.
Gustavo riu e Amélia ficou constrangida.
Assim que chegaram ao apartamento, Amélia chamou Miguel para conversar:
– Não gostei nada do que fez, falando aquela besteira para o Gustavo. Eu entendo que esteja sentindo falta de um pai, mas, acredite, Gustavo não é a pessoa mais indicada para ser o seu pai, ele tá velho e nunca teve filhos.
– Mas ele gostou de mim.
– Aguentou você por algumas horas, duvido que teria paciência o tempo todo. Ele tá acostumado com a vida livre de solteirão dele, não iria querer assumir a responsabilidade de uma família. Além disso, eu estou muito bem sozinha. Temos um ao outro e não precisamos de mais ninguém, entendeu?
– Eu só queria que você voltasse a ser feliz mamãe. Eu vejo que seus olhos são tristes desde que o papai morreu.
– Eu sinto falta do seu pai, sofro de saudade, mas vai passar. Eu vou superar isso e você também. Não fique tentando me arrumar um namorado e nada de adicionar o Gustavo em redes sociais.
Miguel não foi muito obediente. Só esperou Amélia entrar no banho para entrar na nternet, acessar uma rede social, vasculhar os contatos da mãe e adicionar Gustavo.
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