Quando Nicole caminhou até o escritório de seu pai, teve certeza antes mesmo de abrir a porta que havia algo muito errado. Mas foi somente quando viu a expressão dele que teve a mais absoluta certeza.

—O senhor mandou me chamar, papai?— Ela perguntou entrando na sala devagar. E foi nesse momento que ela o notou: Lorde Dorian, uma das últimas pessoas que ela desejava ver, sentado num canto do escritório, com uma expressão sombria no rosto. Já não o via há alguns dias e preferia que continuasse assim. A presença dele a inquietava mais que qualquer outra coisa.

—Nicole, minha querida, acho que precisamos conversar— Mr. Henry Dashwood começou, arrumando os óculos redondos no rosto abatido— Lorde Dorian, será que o senhor se importaria que eu conversasse com minha filha em particular?

Dorian respondeu educadamente que esperaria do lado de fora da sala e ao passar desviou os olhos de Nicole, que imediatamente ficou tensa.

—O que está havendo, papai? O que ele faz aqui?— ela perguntou assim que Dorian se retirou da sala.

— Querida, há algo que preciso contar a você— Mr. Henry começou fazendo com que a filha se sentasse em uma cadeira a sua frente— Acontece que correm boatos por toda Londres... boatos um pouco... desagradáveis.

—Papai, por favor, conte-me logo o que está havendo. Que boatos o estão preocupando?

—Boatos sobre você, meu bem.— Explicou Mr. Henry olhando com piedade para a filha— Estão dizendo que sua pureza foi perdida... que você foi maculada... E que foi Lorde Dorian quem a seduziu.

Nicole ficou olhando em choque. Pela primeira vez as palavras lhe faltaram e até mesmo o ar lhe pareceu rarefeito.

— É claro que não acredito nisso, absolutamente, mas sou incapaz de fazer parar esse absurdo. Nem mesmo se eu conseguisse reunir toda a Londres para falar em sua defesa, ainda assim não seria capaz...

Mr. Henry parou, parecendo profundamente cansado e infeliz.

— Lorde Dorian e eu conversamos e acreditamos que esse boato começou por alguém ter distorcido as visitas dele até aqui para cortejar você... Ele se sente culpado de certa forma e foi justamente por causa disso que foi muito generoso em fazer uma proposta. Ele aceitou casar-se com você para salva-la das más-línguas— explicou Mr. Henry sem esconder a esperança na voz— Eu sei que você o rejeitou antes, mas acredito que esse rapaz se importe verdadeiramente com você, ou não estaria fazendo isso. Talvez se desse a ele a oportunidade...

—Não, papai!— ela exclamou finalmente reencontrando a voz, sentindo o sangue aquecer— Não vou me casar com ele. Que falem o que quiserem. Não me importo! Eu e o senhor sabemos que isso não é verdade.

— Minha querida, sabe que se essa for realmente sua decisão eu a apoiarei, mas você também precisa compreender as consequências. Se não se casar agora é improvável que o fará um dia, pois estará manchada. E mesmo que você diga que não deseja se casar nunca, é necessário pensar em Gabriele. Deve saber que ela também será afetada.

Nicole fechou os olhos ao pensar na irmã e nas consequências que tudo aquilo traria para ela. Gabriele, tão linda e meiga, também jamais se casaria se ela rejeitasse aquele pedido. Ninguém em sã consciência pediria a mão da irmã de uma mulher que se perdeu, por mais injusto que aquilo fosse. E Nicole sabia que era incapaz de colocar a felicidade de Gabriele em risco, mesmo que para isso precisasse sacrificar a sua. Ela era seu sol.

—O senhor tem razão. Eu o aceitarei — ela falou finalmente e se levantou sem dar tempo do pai dizer mais nada, quase correndo para o lado de fora. Abriu a porta furiosamente, assuntando Dorian que esperava como tinha dito.

—Você!— ela exclamou apontando para ele, cheia de raiva fechando a porta atrás de si— Acha que sou estupida, não é? Acha que não sei que você começou esse boato? Tão conveniente, não é mesmo?

Dorian abriu a boca para falar, mas foi interrompido novamente por seu olhar furioso.

— Como pôde?— desta vez a voz dela tremeu e um resquício de umidade turvou de leve seus olhos azuis— Espero que saiba que tenho pena de você.

E então ela saiu, furiosa demais para ouvir o que quer que ele tivesse a dizer.

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Já era tarde quando Dorian chegou a casa de Edward. Estava cansado do dia estranho que tinha tido. As palavras zangadas de Nicole não lhe saiam da cabeça como se fossem fantasmas persistente e ele nem mesmo conseguia entender porque aquilo o estava consumindo tanto. Nunca tinha se importado com as coisas que os outros pensavam dele, mas naquele dia foi muito diferente. O caso era que desta vez estava sendo acusado por uma coisa que não fizera e sem ao menos ter chance de defesa.

Era claro que tinha sido conveniente todos aqueles boatos e que ele de fato tinha se aproveitado da situação, mas isso não significava que fosse tão baixo a ponto de ter ele mesmo começado aquela história.

—Dorian!— Edward exclamou quando ele finalmente entrou na biblioteca arrancando Dorian de seus pensamentos— consegui tirar tudo dele! Dobrei Victor como um guardanapo!

—Ouça isso— anunciou Edward dramaticamente antes que Dorian pudesse perguntar — Victor estava cortejando uma moça todas as noites como pensávamos, mas ela sequer falava com ele ou o via. Ele estava escrevendo cartas para ela e a empregada da casa é quem as estava entregando.

Dorian franziu o cenho. Não tinha ouvido falar de cartas românticas em algum lugar por aqueles dias?

—Quem é a garota?

—Ele disse que não importa mais— respondeu Edward a contragosto— parece que ela ficou noiva de outro esta manhã. Aposto que foi a poesia piegas dele que a espantou.

—Deixe-o em paz, Edward— pediu Dorian sentindo um pouco de pena do amigo. Sabia que Victor era um romântico e para preserva-lo da falta de tato de Edward resolveu mudar de assunto— foi bom que tenhamos falado de noivados porque eu também fiquei noivo esta manhã.

Ao ouvir a notícia Edward abriu o mais fanfarrão dos sorrisos.

—Sabia que isso aconteceria! Primeiro Victor, depois você! Estou particularmente afiado essa semana.

—O que você quer dizer com isso?

—Ora, eu agilizei as coisas para você— respondeu ele simplesmente— Eu sabia que você iria demorar séculos para ganhar aquela garota com essa sua cara feia. Por isso, eu resolvi contar as pessoas certas que você a estava cortejando e que tinha intenção de casar com ela. Confesso que fiquei um pouco alarmado com a proporção que as coisas tomaram em apenas alguns dias, mas... Enfim, você sabe como é Londres. Todo mundo adora aumentar fofocas.

—Você fez o que?!— Dorian quase caiu da cadeira ao ouvir a historia do amigo.

—Eu disse que...

—Eu ouvi o que você disse!— cortou Dorian— Você tem alguma noção do que fez? Me deixou em uma situação horrível!

—Não deixei coisa nenhuma— retrucou Edward— Você vai se casar com a garota que vai salvar você da falência. Ela agora não pode se desvencilhar de você. Ora, Dorian, você já foi mais positivo antes.

—Ela acha que eu comecei isso!

—E por que isso importa?

—Deus do céu, Edward!— reclamou Dorian, admitindo no seu intimo que não fazia ideia da resposta àquela pergunta.

—Não é engraçado tudo isso, Dorian?— disse Edward por fim como se ignorasse a aflição do outro— Você vai casar com a garota de quem não gosta e Victor perdeu a única de quem já gostou. Veja só como são as coisas da vida...

Dorian as estava vendo. E as achava todas terríveis.