Pela Estrada a Fora escrita por AninhaPah


Capítulo 5
Desonra




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Logo que amanheceu, minha mãe foi a cidade vender os últimos frascos de medicamento que haviam sobrado. Fiquei em casa, impossibilitada de correr até ele. Logo que comecei a limpar a casa, notei gotas de chuva, como lágrimas a morar em meu rosto, lembrando daquele que nunca mais terá uma segunda chance.

Minha mãe estava a demorar e o tempo cada vez mais feroz a nos separar. Não poderia deixa-la voltar assim, sem meus cuidados. Com a capa em mãos, me aprontei e enfrentei a chuva que castigava minha pele apenas para vê-la novamente. O vento que impedia minha visão, sua força a estremecer meu corpo e o levar a um caminho sem volta em direção ao que não podia ver.

A queda que toda aquela tempestade me fez sentir, tornou-me muito mais forte a saber que algo podia acontecer de ruim a ela. Levantei meu corpo esfolado pelo chão traiçoeiro e comecei a correr em busca dela, mesmo que isso fosse uma missão impossível. Minhas forças estavam acabando, enquanto eu estava mantendo minha respiração mais restrita. Meu corpo já estava a desistir, até que vi alguém me estender a mão e me ajudar a levantar. Senti me colocar em suas costas e andar muito mais rápido do que podia me lembrar até a cidade.

Avistei meu destino, porém notei que todos haviam se reunido na capela, fazendo o que parecia uma reunião. Muitas pessoas em roupas pretas, nos encaravam e corriam até lá sem me deixarem entender o que havia acontecido com meu objetivo.

Ele me deixou em pé próxima a ele, sorrindo para mim e tocando suavemente meu rosto. Não entendia como deixava alguém tão diferente, um estranho, um caçador, tocar-me sem objeção.

Suas mãos quentes, forte e reluzente. Toquei seu coração com minha mão, enquanto não parava de encará-lo. Já não mais me conhecia. Me tornei apenas a última pessoa naquele mundo inabitável com ele ao meu lado, me salvando da escuridão. Fechei meus olhos por um instante, tentando ouvir como batia, porém senti um frio novamente a me encobrir. Ele não estava mais lá.

Olhei em volta, para todos os lados, porém nada de sua presença. Nem mesmo pude perguntar seu nome. Parece que meu destino novamente pregou uma peça em meus olhos. Comecei a caminhar, respirando fundo a cada passo que dava em direção até lá, torcendo para vê-la viva. Quanto mais me aproximava, mais meu coração se apertava. Comecei a sentir um cheiro forte de sangue, como naquele momento em que meu salvador estava a me salvar. Apressei meus passos e logo cheguei até a porta, mas não me deixaram entrar. Aquela porta, trancada em minha frente, demonstrava o quanto me queriam longe. Encostei para ouvir o que diziam, na esperança de entender o que era tão ruim a ponto de me privarem de tudo.

–Isso é inadmissível. Ele foi morto sem direito de se defender.

–Não sabemos se foi o lobo.

–Como poderia não ser? Que outro animal poderia ter feito isso com meu pobre sobrinho.

–Dizem que a chapeuzinho estava com ele no dia de sua morte.

–Adeline? Mas ela é apenas uma garota, o que poderia fazer?

–Talvez, como ela e essa velhota moram logo em frente, podem ter feito o lobo se aproximar.

–Minha filha nunca fez nada contra essa cidade, o que pensam que estão dizendo?

–Sim. Precisamos dos seus serviços, senhora Sakura. Não sinta-se pressionada. Mas sua filha foi vista com ele, se torna uma das suspeitas.

Ouvi em silêncio, enquanto diziam sobre mim, sem ao menos me darem a chance de defesa.

–Senhor, Chapeuzinho Vermelho está na porta.

–Irei falar com ela pessoalmente, todos esperem aqui.

Me afastei da porta, apenas esperando por minha sentença. A sentença mais dura de toda minha vida, que nem ao menos tive a chance de viver.

Logo, um senhor alto, aparentando uns 50 anos, testa franzida, pele surrada pelo tempo, passou por aquela porta e parou em minha frente.

–Você deve ser a chapeuzinho. Ou melhor, Adeline.

–Sim. - mas ele me conhece desde pequena - Sou eu.

–Meu sobrinho estava com você ontem?

–S-Sim. Nos encontramos por acaso.

–Sabe que ele está...

–Sim.

–Você chegou a vê-lo antes de sua morte?

–Melhor do que imagina.

Vi os olhos dele se encherem de um sentimento incomum. Algo como rancor e ódio em conjunto, tornando-o imprevisível. Ele segurou meus braços fortemente e me encarava fixadamente.

–O que houve aquele dia?

– Seu sobrinho Stefan me seguiu até uma das ruas e encurralou. Estava tentando se aproveitar de mim, assim como fez com Marjorie. Fugi pela floresta, mas ele me seguiu. Estava prestes a me deplorar sem consentimento, quando... – me lembrei da cena me senti como se a alegria retornasse a meu corpo – Bem... Ele teve o que mereceu.

Ouvi um barulho, meu corpo sendo jogado ao chão, enquanto meu rosto estava vermelho pelo tapa que acabava de receber daquele que deveria entender.

Todos saíram de lá e o seguraram, mas suas lágrimas me mostravam que não era bem como pensei. Minha mãe me ajudou a levantar, enquanto discutia com ele e me perguntava se havia me machucado. Todos comentavam sobre o que eu havia contado, mesmo sendo uma história estranha até mesmo para mim. Já estava me perguntando sobre o quanto de sanidade eu tinha disponível em mim mesma para continuar aquela discussão sem ao menos me rebaixar ao nível dele.

Marjorie apenas me encarava e encarava o próprio pai, que a olhava com indignação. Parecia que nenhum deles me queria por perto, após aquela morte.

–Todas as mortes acontecem, quando alguém se torna o fardo. Teremos de fazer o que fizemos antes.

–Não, ela é apenas uma criança.

–Adeline, a partir de agora, está banida dessa cidade. Sua casa será seu único refúgio. Se for pega na floresta por algum de nós, não teremos piedade e será assassinada. Sua presença atraiu o lobo. Espero que Deus tenha pena de sua alma.

Todos entraram. Apenas eu fiquei a olhar e imaginar o que estava a acontecer ali. Como tudo aconteceu tão depressa, apenas pensei em voltar para casa. Se lá era meu único lugar seguro, o melhor jeito seria encontrar um novo refúgio.

Minha mãe me acompanhou de volta para casa, enquanto apenas chorava e lamentava tudo aquilo. Dizia que eu era tão jovem para ficar privada de uma vida plena. Uma presa condenada à morte apenas por um fardo que não em pertencia...

Ela acabou falando sobre meu pai. Contou sobre suas idas a floresta, em busca de lenha, alimentos e ervas medicinais para nossa sobrevivência. Durante muitos anos, ele fazia a mesma coisa, até que acabou encontrando um lobo enquanto ia visitar sua mãe. O lobo poupou sua vida, em troca de proteção. Embora eu estivesse ainda ouvindo, imaginava cada cena, como se fosse a última a ver em toda minha vida.

Após um suspiro, ela continuou. Quando algumas pessoas começaram a ser atacadas, todos se voltaram contra ele e disseram o mesmo que a mim. Então, daquele dia em diante, não tínhamos mais alimentos. Chegamos a começar a passar fome, então meus pais tentaram conversar com a cidade, pedindo consideração, porém foram contra esses apelos. Apenas nos deixaram pegar alimento suficiente que seria colocado no meio do caminho, todo o fim da tarde.

Durante um dos dois em que foram lá recolher os alimentos, me deixaram para trás. Sempre fui uma boa menina, até que me vi com coelhos. Resolvi segui-los e entrei na floresta. Chegaram em casa, e sem sinais de minha existência, resolveram desobedecer as regras. Meu pai entrou na floresta a minha procura, porém outros estavam por lá a procurar por alimentos para a cidade. Meu pai procurou por todo lado e ao me encontrar, me escondeu em um arbusto, ao perceber aproximação. Tentou convencê-los de que estava lá a minha procura, porém regras eram regras e o condenaram a morte.

Tempo depois me encontraram e constataram que a história era verdade. Não me lembro disso, contudo o que ela me diz sempre é real, então devo acreditar.

Entendi que a culpa era inteiramente minha por sua morte. Quando um marcado é morto, o lobo desaparece e a vida volta ao normal, mesmo que isso signifique a morte de muitos pelo bem estar de apenas alguns. Como ela nunca chegou a me dizer? Minha avó deve estar preocupada com tudo isso. Elas nunca mais se viram, desde aquele dia, quando as lágrimas se tornaram gostas de chuva.

Minha amada mãe, parou frente a nossa casa, virou-se para minha direção e me abraçou. Em suas palavras, apenas uma antiga frase que estudo desde pequena.

“Enquanto o sol se esconder diante da tempestade, as lágrimas se tornam gotas de chuva”

Nunca entendia o que significava, até hoje. Entendi que, enquanto o orgulho se tornar a única força da razão, um inocente nunca terá perdão.

Olhei pelo canto de olho e o vi perto a uma árvore, me espionando. Parecia entender o que havia acontecido. Após seus olhares, apenas sumiu sem fazer barulho algum. Foi uma das poucas noites em que não ouvi seu uivar.


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