Pela Estrada a Fora escrita por AninhaPah


Capítulo 3
Mortos Não Dizem Adeus




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O sol estava quase acordando e meu coração acaba se despedaçando com as lembranças retorcidas de meu pai. Não me lembro muito sobre ele ou como acabou surgindo do nada uma luz na escuridão que me levou até aquela floresta. Ele me chamaria para a imortalidade, se eu fosse digna?

Minha mãe estava acordada a algum tempo, preparando-se para ir até a cidade procurar por novos compradores de seus medicamentos. Apesar de ser uma cidade pequena, haviam muitos compradores precavidos que nos garantiam o sustento naqueles tempos difíceis. Me prontifiquei próxima a charrete, esperando por ela para continuar minha caminhada até a cidade. Começamos a seguir o caminho e enquanto o movimento era intenso, sentia algo errado. Como se estivesse esquecendo alguma coisa muito importante para trás. Ignorei aquele sentimento e tentei mostrar a minha mãe que, apesar de tudo, estava me sentindo perfeitamente bem. Sorria quando necessário, respondia tudo o que me falava e até mesmo comentava coisas bobas para que nunca houvesse desconfiança.

Enfim chegamos na cidade e logo vi aqueles dois novamente juntos e aparentemente envolvidos, fazendo meus olhos não conseguirem desviar a atenção. Percebi que eles acabaram descobrindo que eu estava olhando e me encararam de volta. Notei ele comentar alguma coisa e depois me olhar de forma diferente, isso me fez desviar o olhar.

–Algum problema minha querida?

–Não. Nenhum.

Me afastei de minha mãe, enquanto ela pegava os medicamentos para alguns clientes curiosos, indo em direção a uma nova loja de sementes exóticas e pensei em comprar algumas para ajudar minha mãe com o grupo de medicamentos que poderia fabricar.

Eram bem coloridas as sementes, algumas até me pareciam flores venenosas, apesar do vendedor me garantir que era inofensivas.

Ainda queria um pouco mais de certeza do que dizia, porém nada disso importava naquele instante. Importava apenas o que meu dinheiro poderia pagar. Pensando assim, olhei bastante até encontrar sementes lindas e azuis que pensei em levar, mas meu dinheiro ainda não daria. O jeito seria procurar na floresta por algo parecido até que meu dinheiro fosse suficiente.

Saí de lá e andei mais um pouco até encontrar uma rua sem saída, onde podia ver a passagem para uma das partes proibidas da floresta. Suspirei entediada com a ideia de nunca poder atravessar, até ouvir passos se aproximando.

Não queria pensar em mais nada, apenas voltar para casa e cultivar mais ervas. Comecei a andar, enquanto olhava minhas mãos e me lembrava quando era pequena e aquelas mesmas mãos, levavam uma cesta com doces a um desconhecido que nunca tive a honra de conhecer. Nem mesmo souberam de sua existência, sendo que minha procura por ele não foi tão efetiva quanto meu desejo de entrar naquele local intenso e encontrar novos meios de prever os acontecimentos que proibiram aquela floresta de ser explorada.

Senti uma mão tocar minha cintura e me puxar para trás, ficando escostado a mim. Podia sentir um corpo junto ao meu e uma respiração ofegante, cheiro de grama seca, hálito de narguilé recém apreciado, mãos surradas de quem se aventurou na floresta e roupas úmidas, podendo dizer quem realmente havia estado lá.

Ele me segurava, enquanto tentava se esfregar em mim, me alisando fortemente como fez com ela, enquanto me empurrava contra o muro logo atrás, prendendo-me a ele, sem chances possíveis de se imaginar para escapar.

Sentia seu corpo reagindo ao meu, porém meus gritos internos pareciam incomodá-lo. Apenas me encarou por instantes, afastando um pouco seu corpo do meu sem mesmo me deixar ir, acariciando meu rosto com certo sorriso indecente.

–Você viu o que aconteceu aquele dia, não foi?

–E-Eu não vi nada.

–Claro que viu. Não minta pra mim ou poderá ser pior.

Ele se aproximou novamente, pegando meu cabelo e cheirado-o. Aquilo me deixava com nojo dele e principalmente de mim mesma, ao ver que estava sendo vítima em algo que realmente poderia ter sido minha culpa. Bati minha mão na dele, a fim de me ver livre daquela pele imunda de impurezas desagradáveis de incestos familiares.

–Nervosinha você. Como era seu apelido mesmo? Ah sim, chapeuzinho vermelho.

–Um apelido de infância. Não tem mais importância agora.

–Ai que se engana, tem sim. Você ainda usa aquela capa vermelha?

–Não.

–Mesmo? Pois eu juraria ter visto uma capa esvoaçar por entre as árvores enquanto eu estava me divertindo com uma amiga.

–Ela é sua prima.

–Amiga... Prima... O que isso importa?

Ele tentou se aproximar, mas consegui me soltar e tentar escapar, porém ele conseguiu segurar meu braço, fazendo-me virar para ele, enquanto o encarava sem reação. Sabia que ele tentaria me deplorar como fez com ela. Tentei gritar, mas ele colocou a mão sobre minha boca, fazendo minha respiração ser dificultada. Seu corpo reagia novamente ao meu e aquilo me fazia chorar de repulsa. Senti sua mão alisar meu corpo novamente, enquanto segurava minha boca. Não poderia fazer tantas coisas e ainda me prender. Na primeira oportunidade, consegui correr. Um dos guardas da cidade me viu e perguntou o que estava havendo, apenas olhei para trás e continuei a correr. Ouvi apenas a voz dele, respondendo a alguma pergunta feita a ele.

–Sabe como são as mulheres.

Encontrei minha mãe, que ainda estava vendendo suas coisas, avisei que precisaria voltar mais cedo para terminar a arrumação da casa. Mesmo um pouco decepcionada com minha partida, acabou cedendo e me vi feliz por encontrar uma nova saída daquela situação. Não queria rumores sobre o quase estupro de agora cedo.

Voltar andando era uma aventura, as árvores pareciam mais altas e verdes, o vendo parecia mais calmo e sereno, a grama mais vistosa e saudável, até mesmo a terra parecia mais especial. Me dei conta de quantas coisas deixei de prestar atenção, em todos os meus dias sendo a menina do lobo. Odiava esses apelidos.

Minha casa já podia ser vista de longe, fazendo minha insegurança se esvair e meu ser se encontrar com uma paz interior exuberante.

Entrei em casa, vesti minha amada capa vermelha, coloquei a cesta em meu braço e andei em direção a floresta, procurar por novas respostas. As ervas haviam acabado naquele lugar, porém mais a frente, existiam outras que haviam chegado em sua fase adulta. Eram as perfeitas para serem usadas. Andei cuidadosamente até lá, tendo em vista que a escuridão já se fazia presente em boa parte do lugar, tentando não provocar algum problema aos caçadores que imaginava estarem lá.

Parecia um paraíso, sem pessoas para me atormentar, uma mãe para me dar ordens ou homens medíocres a me tocar. Cada segundo era precioso e resolvi aproveitar ao máximo.

Porém minha tranquilidade chegou logo ao fim, senti meu corpo se empurrado contra o chão e virado por alguma coisa.

Era ele novamente, havia me seguido de alguma forma e agora estava sentado sobre mim, me imobilizando completamente. Gritar não era uma opção, já que não havia uma vida humana naquele lugar àquela hora. Ele ria ao me ver debater-me para tentar fugir, ele apertava meus braços contra o chão, fala frases sem sentido sobre não ter ajuda e elogios que me deixavam mais enojada ainda. Ele deitava algumas vezes, tentando tocar meus lábios com aquele olhar de quem iria me devorar viva, que me fazia temer a espera do pior.

Enquanto ele tentava retirar minha blusa com apenas uma das mãos, ouvi passos de animal se aproximando e mais do que depressa, me pus a tentar debater-me novamente. Ele conseguiu desamarrar meu vestido e estava prestes a tirá-lo, quando ouvi algo correndo em nossa direção. Em fração de segundos, ouvi meu pesadelo acabar e um novo começar. Aquele lobo das histórias, assim como dito por minha mãe e minha avó, realmente existia e havia acabado de pular sobre Stefan e o arrastar para longe de mim. Ouvia seus gritos, mas não podia nem sequer olhar para aquela cena de seu corpo sendo dilacerado por aquele animal.

Corri logo para longe, esperando me ver livre de tudo aquilo. Apenas quis olhar uma última vez e lá estava ele, o lobo, a me olhar com sua boca ensanguentada. Não demorou muito para voltar a degustar a carne de Stefan ainda estando vivo.
Minha mãe estava preocupada com minha demora, mas tive de inventar uma desculpa que fosse pertinente ao ocorrido, porém nada me vinha a cabeça. Apenas aquelas marcas roxas de dedos em meus pulsos e meu vestido entre aberto já a fazia pensar o pior. Acalmei minha mãe, contando-a sobre como escapei daquele homem sozinha, apenas usando a floresta como aliada. Mais aliviada, olhou para minha capa e me pediu para deleitar-me um pouco para descansar do trágico dia. Ela estava certa. A lenda estava certa. Lobos existem. E aquele... Queria a mim.


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