Gelo e Calor, Negação e Atração escrita por Blue Butterfly


Capítulo 11
XI




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Eu não consigo dormir de novo. Em vez disso eu me levanto e faço café. Procuro pelo pó nos armários. Graças a Deus encontro um pacote aberto, pego um bule e fervo a água. Posso ficar sem energia elétrica, sem comida. Sem sexo. Mas não sem café. Café é vida. Eu tô muito satisfeita coando o líquido mais precioso da face da terra - seguido pela cerveja - quando Angela aparece do meu lado. Nós não conversamos muito nos primeiros minutos, só quando eu beberico meu café forte é que falo em seguida.

'A médica acordou.' Ela se vira rapidamente para mim, olhos arregalados.

'Como ela está?' Ela pergunta com urgência. Eu dou de ombros.

'Acho que bem, ela andou conversando com Brenda.'

Angela meneia a cabeça apenas uma vez, e vai procurar pelo que fazer na cozinha. 'Eu vou fazer um café da manhã decente para todo mundo. Temos casas por perto, se a comida acabar aqui, sempre podemos buscar nas outras casas.'

'Considerando que algum dia sairemos daqui.' Eu devolvo, ela me lança um olhar maligno.

Eu ajudo Angela a preparar a comida. Bem, eu tento. Ela é mandona e nada parece exatamente do jeito que ela quer, então em certo ponto eu deixo ela fazer tudo sozinha, fico lá apenas como companhia. Uma hora mais tarde, metade das pessoas já estão acordadas e perambulando pela casa. Não é difícil saber quando Maura ou Brenda acordam - não que eu esteja tomando conta disso - é só que, de repente, a médica começa a chamar por Angela. Em pleno pulmões.

'Angela!' Ela grita, apavorada, com pressa. Angela se vira tão rápido quanto pode, assustada.

'Maura, o que aconteceu?' Ela corre até a mulher. Ela está em pé - Deus sabe como, a julgar pelo rosto contorcido em dor, uma mão no estômago - e quando vê a mais velha se aproximar ela sinaliza com a mão, com urgência. 'Brenda precisa de morfina. Agora! Onde está a morfina?' E eu entendo que ela só não está correndo por aí, procurando por todos os lados porque deve ser difícil para ela se mexer.

Eu sei onde está. Eu quem guardei o vidro no armário ontem a noite, então eu só caminho até ele e agarro com as mãos, corro até a médica e entrego para ela.

'Eu preciso de uma agulha e seringa!' Ela exclama como se eu fosse uma imbecil. Um obrigada seria mais apropriado, mas eu entendo seu desespero porque Brenda está em posição fetal, gemendo de dor.

'Aqui.' Angela aparece do nada, e eu me sobressalto.

Maura é ágil. Ela prepara a seringa em segundos, se agacha na frente de Brenda e a menina estica o braço como se soubesse exatamente o que fazer. 'Brenda, vai passar. Respira fundo, lentamente. Vai passar.' Ouço ela dizer ao devolver a seringa para Angela sem sequer olhá-la. Ela ignora a própria dor e se curva para poder acariciar as costas da criança. Seus olhos não se desviam dela por um segundo sequer. Ela continua dizendo que a dor vai passar, que vai acabar, até que depois de cinco minutos, talvez, Brenda está quieta novamente. Ela consegue respirar normalmente e não com dificuldade como antes. A morfina começa a fazer efeito, disfarçando os sintomas.

Então, Maura se levanta e se vira para mim, para Angela. Eu nem sei se ela nota as outras pessoas ou não. Se ela se importa ou não. Ela coloca a mão na cintura e suas feições se tornam rígidas. Duras.

'O que diabos aconteceu aqui? Por que ela está aqui e não no hospital? Por que eu desconfio que tenho uma incisão no meu abdômen? O que aconteceu ontem a noite?' Ela exige saber.

Eu não gosto do jeito como ela fala comigo e Angela. Ela é mandona, autoritária. Talvez ela se ache melhor do que nós porque tem um diploma em medicina. Ela com certeza olha para nós como se fossemos insignificantes.

'Eu esperava que você respondesse isso.' Eu rebato.

'Se eu tivesse a mínima compreensão do que aconteceu, não estaria perguntando.' Ela diz com a voz mais baixa, lentamente, implicando que sou idiota demais para ter entendido isso.

Eu tomo ar para lhe retrucar. Que diabos? Nós salvamos as vidas das duas! Mas sinto a mão de Angela no meu braço, me puxando sugestivamente para trás.

'Jane. Nos dê licença.' Ela pede com cuidado. 'Me faça um favor e carregue Brenda para uma cama mais confortável. Tem algum quarto de criança aqui?'

'Tem sim.' Eu respondo e só dessa vez não teimo - apenas porque vou ter o prazer de desafiar a autoridade da médica.

'Não.' Ela diz.

Eu me desvio de Maura, me agacho e pego Brenda nos braços. Ela é leve e consigo levantá-la facilmente. A médica parece assombrada, como se nenhuma outra pessoa tivesse ousado desafiá-la antes.

'Devolva ela no lugar.' Ela ordena, a voz tremendo.

'Maura, tenha bom-senso. Ela precisa de conforto. Ela só ficou aqui essa noite porque queria você.' Angela diz e aquilo parece atingir a loira. Eu não me importo mais com ela. Apenas sigo em frente com Brenda, passando por olhares preocupados e assustados. Tommy corre atrás de mim, eu o noto mas não falo nada. Ele arruma a cama para a menina - cobertores e travesseiros e até um bichinho de pelúcia que encontrou por aí. Eu desconfio que em outro momento, um em que ela estivesse se sentindo melhor, ela jogaria para o lado. Agora, entretanto, ela apenas o abraça. É um coelho cinza e branco, macio. Quando ela se ajeita, Tommy confere se está tudo certo, sinaliza com a cabeça e sai do quarto. Eu me sento na cama para lhe fazer companhia. Ela parece tão cansada, pequena.

Mas ela sorri. Ela sorri e segura minha mão. Meu coração se aperta um pouquinho e meus olhos ficam úmidos, mesmo contra minha vontade.

'Ela é difícil no começo.' Ela suspira, revira os olhos do jeito que adolescentes envergonhados pelos pais fazem. 'Ela está assustada, some isso também.'

'Você não precisa se desculpar por ela.' Eu digo e acaricio a mão dela.

Ela sorri de volta para mim, concorda com a cabeça. 'É só que ela não vai se desculpar, não se você continuar implicando com ela.' Ela diz sabiamente, como se conhecesse os aspectos da personalidade da outra.

Eu dou uma leve risada, acaricio seu rosto. É, eu gosto de Brenda. 'Cabeça-dura?' Eu chuto. Ela balança a cabeça em não.

'É complicado.' Ela murmura para mim. Aquilo prende minha atenção, e é claro que eu quero saber mais.

'Por que é complicado, Brenda?' A menina pisca os olhos para mim, e eu entendo que aquele assunto não me diz respeito. Eu não pressiono, eu sei dos limites e sei muito bem como não posso ultrapassá-los. Aquilo diz respeito à Maura, à Brenda. Eu não tenho parte nenhuma no que ocorre entre elas. Eu balanço a cabeça para mostrar que entendo, ela abre meio sorriso para mim.

'Você se sente melhor?' Eu pergunto, então. Ela dá de ombros.

'Nada muda muito, você sabe.' Ela diz.

'Eu achei que o medicamento fosse ajudar com a dor.' Eu murmuro estupidamente.

'Não é da dor que estou falando.' Ela rebate. É claro, ela estava falando de sua situação. Da doença em si e de onde terminaria.

'Eu sinto -' Eu começo, mas a voz de Maura sobressai a minha.

'Você disse que tinha tomado uma dose, Brenda.' Dessa vez ela apenas me ignora, olhando direto para a menina na cama. Seus olhos estão umidecidos, como se prestes a chorar, mas seu rosto não entrega nenhum sentimento.

'Ela tomou, de fato.' Eu digo.

'Eu tomei mesmo, Maura.' Brenda reforça.

Só então a loira olha para mim, suas sobrancelhas franzem e de repente eu sei que ela não me quer ali, que eu sou a pessoa estranha que não é bem-vinda. Ela me olha com tanta indiferença que me sinto assim, desprezível.

'Deixe-nos a sós, por favor.' Ela pede. Não há arrogância na voz. Ela mantem os olhos fixos na parede ao meu lado, uma tentativa de ignorar a resposta negativa que eu poderia lhe dar. E é apenas porque ela pediu com educação, ainda que parecendo forçada à isso, é que eu me levanto sem questioná-la e fecho a porta atrás de mim.

A voz abafada de Brenda, depois disso, é a única coisa que ouço.

'Se lembra como nós conversamos sobre como você precisa deixar as pessoas se aproximarem de você?'

Eu quase dou uma gargalhada com a observação. Eu não sei que diabos que isso significa, mas sei que nesse momento eu não quero me aproximar mais daquela mulher. A distância, entre nós, é a melhor escolha.


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