Garota Ideal escrita por T Freitas


Capítulo 1
Carlos devia calar a boca


Notas iniciais do capítulo

Sempre fico receosa em postar uma história original, porém nunca desisto, gosto bastante dos personagens e espero que gostem deles também. E deem uma chance, o primeiro capítulo não é o meu favorito, mas necessário. ;)



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O tempo é uma conquista
Que te custa aquilo que te dá
Não é uma derrota
É sempre uma oportunidade

Il tempo è una conquista
Che ti costa quello che ti dà
Non è una sconfitta
È da sempre un'opportunità

Hugo estava parado encarando as portas de vidro, o amigo havia ido comprar as passagens. Estava quase na hora da barca partir, mas Carlos parecia fazer tudo com o máximo de calma possível, o que é muito irritante quando se é controlador feito Hugo.

Quando Carlos entregou o cartão para passar pela catraca, faltava pouco para ela travar. Mas isso não fez com que o amigo fosse mais rápido ou deixasse o assunto anterior de lado.

Olhou o relógio impaciente.

— Acho que da próxima vez, devíamos sair um pouco mais tarde da faculdade.

Embora não quisesse responder, Hugo sabia que se manter mudo só faria com que o colega estendesse a lista de reclamações — além de ele propor que ficassem mais tempo na faculdade, também estava confiante quanto a conversar com a garota loira que ele tinha decidido, finalmente, estar a fim. Mas Hugo sabia que ele não teria coragem de iniciar uma conversa com ela. Seria uma perda de tempo.

— Se continuássemos lá por mais tempo, você se distrairia e acabaríamos perdendo a barca.

Escorou-se na parede antes das catracas. O lugar ainda não estava muito cheio — as pessoas costumavam chegar faltando cerca de cinco minutos para zarpar, sempre na correria e desesperadas. A lanchonete no canto era dividida — uma parte dela voltada para os passageiros que ainda não tinham passado pelas catracas e a outra, para os que já tinham. Pessoas comiam sanduíches, pães de queijos e tomavam café enquanto aguardavam a barca aportar e os passageiros saírem pelo outro lado.

Suspirou resignado, logo começaria a tortura que passava quase todos os dias, o empurra-empurra, a corrida por um banco vazio e a luta para não ficar para trás.

Olhou mais uma vez para o relógio. Faltavam cinco minutos para a barca zarpar, podia ver os passageiros começarem a se agrupar próximos às janelas de vidro para, em uma fila mal feita, começarem a se espremer para o lado de fora.

Cutucou o amigo e rapidamente passaram seus bilhetes, juntando-se ao resto.

Assim que pararam atrás de uma moça que parecia concentrada na pessoa do outro lado do celular e de um homem de terno e expressão cansada, Carlos, o amigo que conhecia desde o primeiro dia de aula, há três anos, começou a falar.

— Acho que ela está interessada.

— Você nunca trocou mais de duas palavras com ela, como pode saber?

Não queria realmente saber, porém, mesmo o seu olhar de total desinteresse, não o impediria de continuar.

— Pelo jeito que ela me olha. Mas não sei se devo realmente me prender, com certeza há outras garotas mais interessantes e...

— Fáceis. — acrescentou, dando alguns passos junto com a fila.

— Bonitas.

— Como você diz que está interessado em uma menina e que ela também está, e, mesmo assim, ainda procura por outras?

— Apenas estou abrangendo meus horizontes, nem sempre posso estar certo.

— Que bom que sabe que a garota pode não estar interessada. — aprovou.

— Você é um chato, Hugo. Sempre em busca da garota perfeita. — debochou.

— Não estou em busca da garota perfeita, e sim da certa. Perfeição não existe.

Carlos limitou-se a revirar os olhos e se aproximar mais do amigo, tentando não se perder enquanto entravam no, como Hugo tinha apelidado carinhosamente, curral. Era como ele se sentia quando caminhava para o próximo “pasto”, touros reprodutores, zombou Carlos, indo para o abate; no caso, lutando por um lugar vago.

— Você parece uma mulherzinha traçando perfis para uma garota ideal. Ela simplesmente não vai tropeçar em você um dia desses.

Hugo preferiu ignorar o amigo. Sabia que era exigente, mas estava cansado de seus relacionamentos sem futuro. Achava que estava na hora de ter a garota que sempre desejou, mesmo que fosse difícil — não seria a falta de fé do amigo que iria desanimá-lo. Não tinha encontrado ainda, mas isso não queria dizer que não existia.

Só que não estava procurando no lugar certo.

Quando finalmente os dois conseguiram pisar no barco, trataram de analisar o quadrante em busca de cadeiras onde pudessem sentar juntos. No canto próximo à janela haviam sobrado três lugares.

Havia uma garota sentada em um deles com a bolsa no colo, a mochila no chão e um livro em mãos. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo bagunçado, cheio de pequenas ondas que enfatizavam as diversas cores dele — loiro, castanho, ruivo. Não pôde ver seu rosto, que estava escondido por alguns fios soltos e pelo livro que mantinha próximo. Mas não se prendeu por muito tempo, sentou-se esparramado do seu lado e fechou os olhos, imaginando os lábios de

Carlos se mexendo. Não demorou muito para ouvi-lo começar um monólogo sobre as garotas que estavam em sua lista “As 10 mais” e o porquê de não poder dar prioridade a loira da faculdade.

— Não posso privar as meninas de mim! — declarou o óbvio.

Hugo levou a mão ao rosto, frustrado, sem acreditar de onde saíam tais sandices. Pôde ouvir um leve bufar, que achou ter vindo da menina ao seu lado. Pelo visto, ela tinha ouvido e concordado com ele: Carlos devia calar a boca.

[...]

O tempo tinha fechado com o decorrer da tarde, mas ele não reparou. Comeu antes de entrar no prédio e, desde então, não tinha colocado os pés na rua.

Agora, parado na porta do prédio, olhou para o céu e ponderou sobre enfrentar os pingos gelados ou ficar mais um pouco. Entretanto, sabia que, se esperasse mais tempo, a chuva engrossaria e ficaria mais difícil de sair. Era agora ou nunca.
Pegou seu headfone preto, que quase não tinha contraste com o seu cabelo escuro, colocou-o e apertou o player.

I’ve done everything as you say I’ve followed your rules without question

Fechou o casaco e ajeitou a mochila no ombro, apertado os passos. Olhou para o céu, estava desanimado, sentiu os pingos molharem o seu rosto. A chuva fina começou a encharcar seu cabelo, mas ele não se importava mais.

I thought it’d would help me see thing clearly But instead of helping me to see

A sua volta, algumas pessoas abriam seus guarda-chuvas, formando um arco-íris fora de ordem, e outras, que, assim como ele, não possuíam guarda-chuva, começaram a correr em busca de abrigo. Por conta da chuva, seu plano de ir de barca foi literalmente por água abaixo. Agora, ele precisaria chegar até o ponto mais próximo para voltar para casa. Com sorte, lá não estaria chovendo.

I look around and it’s like I’m blinded

Estava virando a esquina antes da parada onde devia pegar o ônibus quando viu o próprio despontando na curva à frente. Não teve escolha, correu para alcançá-lo. Se fosse outro dia, outra situação, não teria se dado ao trabalho de correr, mas a chuva estava apertando e, mesmo que o tempo de espera do próximo não fosse longo, ficar mais alguns minutos parado na chuva, encharcaria-o.

I’m spinning out of control Out of control I’m spinning out of control

Apertou o passo, temendo que o ônibus partisse assim que chegasse mais perto. Não podia dar essa chance, precisava ser rápido. Na sua visão periférica, viu outras pessoas correrem também, só não sabia se da chuva ou para pegar o ônibus.

Restavam apenas mais duas pessoas para entrar quando Hugo conseguiu chegar a parte traseira. Correu mais um pouco, colocou a mão na barra como se dissesse “estou aqui” e fitou a única pessoa que continuou correndo para pegar a condução. Tentou controlar a respiração enquanto a esperava chegar.

A garota, como ele não demorou a notar, rapidamente se aproximou e, ofegante, olhou-o com seus grandes olhos escuros e agitados. Seu cabelo, que batia no ombro, estava encharcado e alguns fios se colavam no rosto pálido. Ela lançou um meio sorriso agradecido quando passou por ele, entrando rapidamente.

Os bancos estavam praticamente todos ocupados. Caminhou até o fundo e jogou-se no penúltimo banco vazio, suspirando cansado da correria. Olhou para o banco do outro lado do corredor e reconheceu a garota para quem segurou o ônibus. Ela passava os dedos pelas madeixas, tentando tirar o excesso de água, também ajeitou o casaco envolta do corpo, tentando se aquecer.

Hugo não se permitiu olhar por muito tempo, ela podia notar — e nem ele sabia exatamente porque aquela garota estava prendendo a sua atenção. Provavelmente era apenas curiosidade, mas, por hora, ele tentaria cuidar de si mesmo.


Passou os dedos pelas madeixas, estavam encharcadas também. Podia ouvir um zumbido baixo vindo dos fones. Com a correria, eles tinham escorregado para o seu pescoço, ainda ligados. Não sabia dizer que música estava tocando, mas parecia calma.

Olhou pela janela, por cima do ombro do passageiro ao seu lado. O céu estava cinza escuro, cobrindo totalmente o azul claro e bonito que tinha ostentado pela manhã. As nuvens brancas como algodão doce tinham se misturado em vários tons de cinza escuro, preto e azul-marinho. Como uma tela abstrata. Ainda chovia e, agora, no conforto daquele ônibus, finalmente o frio que tinha penetrado em sua pele exposta estava começando a esvair. Seu casaco impermeável tinha salvo o dia.

A melodia que saía de seus fones, por mais distante e baixa, começou a relaxá-lo e, quando deu por si, os olhos se fecharam, fazendo as nuvens e o céu se misturarem em um borrão.

[...]

Acordou em um sobressaltado por causa da chacoalhada abrupta. Olhou a sua volta um pouco confuso, estava sonolento e os olhos teimavam, fechavam-se lentamente, mal resistindo ao cansaço. Hugo esfregou a mão pelo rosto, demorando-se na barba grande — pensou que já estava na hora de, pelo menos, apará-la um pouco. Se não tivesse cortado o cabelo há pouco tempo, em um corte moderno, mas raspado dos lados e um pouco grande em cima, achariam que era um verdadeiro homem das cavernas.

Desanimado, recostou-se na poltrona, tentando se acomodar. Já tinham passado pelo pedágio, o que era bom. Tinha dormido por mais da metade do trajeto e logo estariam chegando em sua cidade. Ele finalmente poderia ir para casa, dormir — no momento, era a única coisa em que pensava.

O resto do caminhou foi rápido; de vez em quando, ele olhava para o lado, para a menina dos olhos escuros e sorriso bonito. Ela mexia no celular, distraída, e constantemente seus lábios se repuxavam em um pequeno sorriso enquanto ela continuava a conversar com alguém.

Estava começando a ficar curioso, e isso só o deixou mais impaciente para que a viagem acabasse logo.


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Notas finais do capítulo

Bom, estou postando mais como um teste, será postado apenas fevereiro oficialmente (1), gostaria mesmo que dessem sua opinião e me falem se vale a pena continuar. Quem sabe posso adiantar o capítulo. ;)