RONY

Tudo ainda parecia tão absurdo que eu ainda tinha dificuldade em digerir.

Eu já tinha enfrentado tudo a que tinha e não tinha direito naquela vida. Passara os últimos sete anos desafiando a morte, me enrascando dezenas de vezes. Sobrevivera á uma guerra. Perdera meu irmão.

Mas nada me deixara tão atordoado quanto o que viria a acontecer.

Quando Kingsley me convocara para comparecer no gabinete dele, naquela semana chuvosa, eu mal imaginava o tamanho e a complexidade da situação em que iria me deparar.

E a gente tinha acabado de se acertar, para que morássemos juntos na Toca, por enquanto...

– Bom dia, Ministro.

– Bom dia, Sr. Weasley – a voz de Kingsley era um sopro de tão baixa – peço desculpas por uma chamada tão urgente, mas foi completamente necessário que viesse. Precisamos discutir um incidente que com certeza chamará sua atenção.

Eu já estava completamente confuso. Kingsley jamais teria me chamado se não fosse importante – ainda mais ás seis horas da manhã.

Mas, enquanto vasculhava meu cérebro, não me recordava de nada que pudesse provocar aquele comportamento sério do Ministro. Será que eu havia feito algo errado?

– Senhor, o que aconteceu?

Para minha surpresa, Kingsley pareceu repentinamente sem graça.

– Como a Srta. Granger esteve nesses últimos dias?

Como assim? Encarei-o, sem entender nada.

– Ótima – deixei um sorriso feliz escapar em meu rosto quando me lembrei – está eufórica... acabamos de contar aos pais dela sobre... hum... o noivado.

– Fico feliz que tenham colocado isso no lugar – o Ministro sorriu, mas pude ver, tenso, que o seu sorriso era só uma fachada.

Minha nossa... o que teria acontecido? Nunca havia visto Kingsley daquele jeito.

– Por favor, Ministro. Eu não estou entendendo. O que ocorreu que seria de tanta importância?

– Talvez eu possa te ajudar – ouvi alguém dizer.

Soltei um leve arfar de surpresa quando a moça bonita de cabelos pretos surgiu no gabinete, segurando um prontuário, que não me deixou muito animado com sua grossura.

– Bom te ver de novo, Rony – sorriu Oliviene Stark, a escriturária do Ministério.

– Pelo amor de Deus, Oliviene – guinchei, começando a sentir um desespero crescente – será que pode me contar de uma vez o que aconteceu?

– Acho que posso – ela olhou assustada para Kingsley, como se temesse não ter permissão de falar, mas o Ministro assentiu com a cabeça, encorajando-a – bom, acho que a sua noiva te explicou o serviço que faria ontem...

– Claro – suspirei, revirando os olhos – Hermione me encheu o saco falando que ficaria bem e tudo o mais... o que não me isenta de ficar curioso... por que logo no Departamento de Mistérios?

– Ela insistiu – Oliviene grasnou, ligeiramente tagarela – íamos jogar o problema para outro funcionário... a renumeração de todos os orbes do Departamento que não se quebraram, bem... – ela mordeu o lábio – há três anos e meio.

Baixei a cabeça, envergonhado. Se não fôssemos nós, há três anos e meio, nem haveria necessidade de fazer aquilo. Então a culpa era vinte por cento minha.

Hermione quis dar uma mãozinha na bagunça que havíamos feito. Agora entendia tudo.

– Tudo bem. Até aí entendi. Ela até tinha falado que ia chegar... – olhei para o relógio repentinamente – exatamente agora... na Toca.

– Exatamente – Oliviene baixou o olhar – mas houve um imprevisto...

Ergui-me da cadeira em que estava sentado, atônito.

– O quê? Hermione está bem? Está ferida?

– Acalme-se, Ronald – Oliviene ergueu as mãos – ela está bem... ótima... mas...

– Digamos que ela esteja um pouco diferente...

– Ou muito diferente... entenda como quiser...

– Como assim? – eu estava ficando cada vez mais irritado. Por que estavam com tanto segredo?

– Ministro – Oliviene se virou para Kingsley – acho que seria melhor que ele visse com os próprios olhos. Apenas explicar não será suficiente.

– Tem razão, Stark – o Ministro meneou a cabeça – leve-o até o escritório de Artur...

Oliviene gesticulou para que eu a seguisse. Trêmulo, fui atrás dela, me despedindo de Kingsley com a cabeça e fechando a porta atrás de mim.

– Foi um acidente... nunca vimos nada igual, Rony... e isso é que os preocupa – ela continuou, enquanto percorríamos o corredor até o escritório de meu pai – não sabemos ao certo como reverter... ou até sabemos, mas isso demandará tempo...

– Que acidente, Oliviene? – indaguei, desesperado.

– Hermione estava lá, organizando os orbes... mas ela pareceu se distrair quando Malfoy entrou...

– O quê?? – arfei. Draco Malfoy estava no Departamento de Mistérios? O que aquele verme estava fazendo ali? – o que aquele maldito fez com a Hermione?

Oliviene me encarou com censura.

– O garoto foi condenado a serviços comunitários, se lembra? Está trabalhando por meio período no Departamento de Mistérios também, supervisionado por um auror. Foi o auror que viu tudo acontecer.

– Continue, Oliviene.

– Bom, até então, de acordo com Shawdon, eles não mantiveram nenhuma comunicação... ficaram á alguns metros um do outro, absortos no trabalho. Mas, pelo que o auror contou, alguns orbes da estante acima deles rolaram para baixo, e iam cair em cima de Malfoy. Parece-nos que Hermione tentou desviá-lo das esferas que iam cair, e Malfoy agiu por reflexo, se afastando dela... mas acabou ela própria sendo atingida. Shawdon tentou correr para ajudar, mas Draco... não sei se ele tentou ajudar ou até fugir... não podemos dizer ao certo... de qualquer forma... Hermione cambaleou...devia estar tonta com a pancada dos vidros na cabeça... e caiu numa estante...

– Então ela está ferida! – murmurei, angustiado.

– Não está, Rony... foram só alguns arranhões, já cuidamos de tudo. Nossa preocupação não é essa.

O jeito que Oliviene me olhava... parecia quase penalizada.

Meu Deus ... o que acontecera com Hermione?

– Chegamos – Oliviene anunciou, empurrando a porta do escritório.

Dentro do cômodo, para meu espanto, estava Draco Malfoy, de braços cruzados e parecendo irritadíssimo.

Quando ele olhou para mim, pareceu ficar repentinamente rígido, sem expressão, como se tivesse sido petrificado.

– Malfoy – eu disse, sem olhá-lo outra vez.

– Weasley – ele murmurou, sem reação facial.

Não pude deixar de notar o olhar assustado que ele lançou em direção á uma divisória que fora colocada ao lado da escrivaninha.

– Onde ela está, Oliviene?

Oliviene também olhou para a divisória.

– Oliviene? – repeti.

Ela não respondeu. Apenas puxou a divisória para o lado, revelando um móvel completamente inusitado dentro do setor administrativo.

– Não foi uma estante qualquer que caiu nela, Rony ... – Oliviene finalmente piou, enquanto eu encarava, abismado, o corpo dentro do móvel.

Estava dormindo, serena... completamente ilesa.

Hermione nunca parecera mais um anjo adormecido do que agora.

Mas absurdamente menor...

Pequena demais... era... era...

Era impossível.

– Foi uma estante de Vira-Tempos.

Uma criança...

Hermione tinha quatro anos outra vez.