Minhas horas de jogador vermelho haviam acabado. Eu tinha sido obrigado a fazer coisas que eu nunca imaginei que pudesse fazer.

Adentrar a cidade dos inícios novamente era muito confortante. A sensação de liberdade e de estar seguro depois de horas sendo obrigado a sobreviver de formas sujas.

Jogadores iam e vinham em várias direções, empurrando uns aos outros. Um jovem estava vestindo uma armadura de couro por cima de vestes pretas.

"Pessoal! Já ouviram sobre o Matreiro?"

Matreiro... meu coração falhou uma batida. Referência a Oliver Twist. Ladrão. Era isso o que eu era. Tão nojento quanto um jogador vermelho ou qualquer outro que cometesse crimes.

"Quem?" Um dos garotos levantou a voz por cima da multidão.

"Um dos jogadores estava procurando por missões na terceira cidade a Oeste. E por lá viu um jogador arrastando os corpos de um casal para a grama, ele estava roubando os itens de seu inventário, e o cristal acima de sua cabeça estava laranja. A partir daí correram histórias de que ele mata suas vítimas para roubar seus itens." Falou em voz alta o jovem de armadura de couro.

Eu não havia matado aquele casal! Eu... eu só...

"S..Será que ele tem alguma l..ligação com a Rafin Kofin?" Outro jovem levantou a voz, que soava trêmula.

Eu não havia percebido, mas era como se uma aura escura estivesse sobre mim. Pontos brilhantes escorregavam pelas minhas bochechas e dissolviam-se antes de chegar ao chão, todos ao meu redor se afastavam. Eu já ouvi o que precisava ouvir.

Se eu já havia começado aquilo, por que parar agora? Eu fiz algo que não pode ser mais apagado, logo essas histórias irão evoluir e eu serei caçado. Uma tática de sobrevivência que garante minha morte.

Afastei-me dali. Coloquei as mãos nos bolsos e segui encarando o chão. Após alguns minutos, a reunião surpresa parecia ter acabado, jogadores voltaram a correr para todos os lados, acabando por me empurrar para um lugar em especial.

A cidade inicial era repleta de castelos, casas, e igrejas, todos feitos por pedras, um ambiente bem medieval. Porém, na minha frente extendia-se um lago. De costas para mim, encarando o lago, estava um homem com um chapéu de pescador e colete também, ele olhava o relógio como se estivesse impaciente. Até que ele se virou, e eu não tive certeza se sua expressão era de raiva ou de felicidade.

"Até que enfim chegou! Bem, já sabe o que fazer! Cuide do meu passeio romântico a barco por enquanto que estou fora. Já sabe, a recompensa será o que você vai faturar por enquanto que estou fora, obrigado!"

Ele pareceu ativar um painel ao meu lado que exibiu a mensagem "Aberto"

"E...Espe--" Era inútil tentar discutir, era só um NPC. Tinha sido uma total perda de tempo ficar ali, mas eu não podia mais sair; Até que algo bem inesperado aconteceu.

Vários NPC's e jogadores também formaram uma enorme fila ao ver o painel ao meu lado, todos eram casais. Sem ter noção do tempo, apenas fui aceitando o dinheiro deles e chamando os próximos. Já deviam fazer duas horas que eu estava ali, só recebendo os Col's (dinheiro de Aincrad) em montes.

Até que as pessoas pareceram perder o interesse, eles afastaram-se do lugar ao ver o velho com chapéu de pescador voltando.

"Ótimo! Agora pode me devolver meu passeio a barco?"

"C..Claro" Apenas sai da área de administração, agora sim eu podia.

"Err..." Uma garota pareceu desapontada, ela estava ao meu lado. Tinha cabelos castanhos longos que escorriam sobre os ombros e olhos verdes. Sua pele era branca como creme. Seu equipamento era uma armadura de couro por cima de vestes cinzas. Ela ficava na altura do meu ombro. O nome de usuário dela era Atsuka. "Logo na minha vez de ir vão fechar..."

Coloquei a mão direita sobre a cabeça dela e sorri.

"Deixa comigo."

Ela tentou sorrir de volta, mas saiu um sorriso torto.

Aproximei-me do homem com vestes de pescador.

"Quero pagar um passeio para ela." O chamei colocando a mão esquerda no ombro dele.

"An...? Desculpe, já fechamos."

"Se quiser eu posso dar um pagamento extra, apenas deixe que ela vá ao passeio." Algo me dizia que eu devia ajudá-la, e além do mais, ela era bem bonita.

"Tudo bem... Mas tenho que lhe dizer que só faço passeios a dois, ou seja, você e a moça terão que ir juntos."

Virei-me para ela, fiz um sinal de positivo com o dedão que fez ela perder toda a insegurança. Veio correndo animada na minha direção e segurou o meu braço. Não conseguia me ver, mas sabia que estava vermelho e totalmente sem jeito naquele momento.

"Bem... podem ir." O NPC abriu espaço, passamos juntos e então entramos no barco.

Ele começou a se mover lentamente pelo oceano.

"Aproveitem o passeio, pombinhos!"

"E-Ei, espere! Nós não somos namorados!" Eu me movia lentamente como um robô enferrujado e meu rosto estava completamente corado. Meu corpo me obrigou a me virar para ela, e pude a ver abafando um risinho com a mão. Fiquei extremamente vermelho e abanei o rosto.

"Ei, calma." Ela puxou meu braço e me fez sentar ao lado dela. Tentei amenizar a minha vergonha olhando para baixo. "Se você exagerar tanto assim eu vou acabar me arrependendo de ter pedido esse passeio para você."

"É... desculpe." Apenas o fato de ficar tão exageradamente vermelho podia ter me feito parecer ridículo na frente dela. "Enfim..."

Antes de terminar de falar, vi que ela estava mexendo no inventário. Após alguns toques ela estava com um óculos de grau.

Conversamos por trinta minutos antes do passeio de barco acabar. O tempo passou voando, no final da conversa acabei por marcar um encontro com ela.

A relação foi se desenvolvendo, e logo eu já sabia que sentia algo por ela. Agora eu conseguia ter mais naturalidade e conversar normalmente, eu me sentia confortável ao falar com ela.

O dinheiro que eu havia conseguido com a missão era o bastante para conseguir meus próprios itens. Tudo estava indo bem, eu não precisava mais fazer aquilo.

Estávamos em um local coberto de vários tipos de flores e extremamente colorido, no centro dele estava uma fonte de vários andares, um arco-íris sustentava-se no céu.

Eu passava os terminando masmorras e fazendo grupo com ela. Ela nunca teve a curiosidade de me perguntar onde arrumo meus itens. Estava a vestir um equipamento um tanto mais evoluído, uma armadura roxa feminina.

Apesar de nos primeiros momentos de conversa ela parecer uma garota normal, ao conhecê-la melhor pude ver que era esperta, durona e levava o jogo totalmente a sério.

"Atsuka... eu... preciso te dizer uma coisa."

As palavras não saíam da minha boca, eu queria falar que a amava, mas... o ambiente começou a se distorcer, logo estávamos na Colina da Cruz em uma noite escura, com a grama acinzentada e a neblina exagerada, em meio a um monte de árvores enormes e sem folhas.

"Eu sou o Matreiro." Foram as palavras que saíram da minha boca. Foi horrível vê-la com aquela expressão, ela estava chocada... com medo. Saiu correndo na direção da neblina enquanto gritava e chorava, porém, ela foi agarrada por três homens encapuzados, membros da Laughing Coffin.

Eu queria me mover, queria poder defendê-la, mas eu estava impotente. Os três encapuzados riam da minha incapacidade de me mover, o ambiente começou a se distorcer novamente. Agora a minha visão estava em uma cor vermelho-sangue. Atsuka gritava, ela parecia tentar se comunicar comigo. Os três homens a seguravam fortemente enquanto gargalhavam sem parar.

Até que... PoH cortou a garganta dela com sua enorme faca de cozinha.

Eu tentei berrar, tentei me mover, tentei correr, tentei fazer qualquer coisa, mas eu estava incapaz, o ambiente ao meu redor pareceu ser apagado aos poucos e logo eu estava desabando em direção ao nada.