Sobre amor, tartarugas e novas chances escrita por Blue Butterfly


Capítulo 18
Capítulo XVIII


Notas iniciais do capítulo

Hoje teve episódio novo E capítulo novo sim, senhor!



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Jane tamborilou os dedos na mesa de madeira. Os olhos vagavam de Frost para Korsak e ela se perguntou por quanto tempo ficariam ali, só esperando. Esperando os resultados, esperando notícias de Harriet. Esperando Maura retornar da universidade. A melhor notícia do dia tinha sido que os companheiros tinham fechado o caso em que estavam trabalhando antes do caso da mãe de Harriet. Apesar do contratempo com os exames que não combinavam, não levavam a nenhuma pista, eles conseguiram a pista mais concreta para colocar o assassino de uma vez por toda atrás das grades: vestígios de sangue animal que levaram a um abatedouro da cidade... um que não estava mais em funcionamento, mas que tinha manchas de sangue - humano - espirrado nas paredes. E uma bela digital brilhando à luz negra, esperando para ser capturada e analisada. Deixada por um descuido, certamente. Nenhum crime era perfeito, era o que Jane acreditava, só se tinha que olhar para os ângulos certos para poder desvendá-los.

Embora a notícia tinha deixado a detetive contente - afinal de contas era sempre ótimo colocar um bastardo como esses atrás das grades para ver o sol nascer quadrado pelo resto da vida - Jane não conseguia colocar de lado a preocupação que sentia por Harriet, por Maura. Não conseguia se desfazer da sensação de que os próprios pés estavam presos à terra, afundados na lama, e que ela não podia se mover. Durante o dia recebera três alarmes falsos de Evans - pequenas filmagens de câmeras espalhadas pela cidade mostravam uma garotinha sendo carregada por um homem suspeito, mas no final descobriram não ser Harriet. Um telefone ao meio-dia entregava uma criança perdida num parque próximo, mas outra vez, a menina não era Harriet. Encontraram os pais poucos minutos depois. E uma terceira, uma foto de uma menina de olhos azuis e cabelo castanho claro - Jane nem precisou encarar muito para saber que não era ela. A cada notícia a morena se sentia decepcionada, mais frustrada.

Ela não tinha sido clara com Maura quando a loira lhe mandou mensagem perguntando sobre o caminho da investigação. Dizer que informações estavam chegando não era exatamente verdade, mas pelo menos as coisas estavam andando, pessoas estavam de fato entrando em contato quando achavam que poderia ser a garotinha. Isso contava como algo, ela imaginou. Já havia se passado vinte e quatro horas desde o desaparecimento dela, e Jane sabia que a partir disso a busca poderia ser classificada como crítica. Inquieta, ela resolveu se levantar da cadeira e procurar por Evans. Fazia mais de uma hora que Maura tinha ido para a universidade e ainda não voltara. A detetive queria ter algo novo para dizer quando ela chegasse. Talvez alguma notícia realmente animadora.

'Tô indo lá pra cima.' Ela disse para Frost e Korsak antes de virar as costas e sair para o elevador.

Os dois trocaram olhares. Se eles estavam certos nas contas, era a décima quarta vez que Jane dizia algo do tipo. Vou lá para cima, vou checar com Evans, vou ver como andam as buscas. Sempre inquieta, impaciente.

Inconsciente dos olhares preocupados sobre ela, a morena apertou o botão do elevador e entrou quando as portas se abriram. Depois de apertar o número quatro, ela cruzou os braços na parede metálica e encostou a cabeça ali, soltando um longo suspiro. Ela estava praticamente em seu limite. Os últimos dias estavam sugando todas suas energias e era extremamente difícil achar uma fonte para renovação. Ela se perguntava se essa noite seria tão difícil quanto a anterior, o quanto ela teria que dar de si para se manter focada, para não perder o controle. Na noite passada ele tinha quase escapado pelos seus dedos. Maura precisava dela, e como ela iria cuidar da loira considerando o quão pouco de auto-controle e energia sobravam para si mesma? Como ela iria dizer para Maura do mais simples modo de que tudo ficaria bem sendo que isso soava tão frágil e quebradiço para ela mesma? O que ela oferecia a Maura quando não tivesse mais no que se apoiar, enquanto qualquer informação de Harriet que deveria dar suporte para se manter na expectativa de que recuperariam a menina, agora lhe deixava com a sensação de estar flutuando sobre um abismo a ponto de ser abandonada pelo poder mágico e despencar em queda livre a qualquer momento?

E o que mais a aterrorizava: o que ela diria para a loira quando, dentro de alguns dias, a busca fosse dada como encerrada, como um caso arquivado se não encontrassem Harriet logo? Antes disso, o que ela faria para reunir forças para si mesma e se tornar o porto seguro de Maura quando... Irritada e frustrada com sua própria falta de confiança - sua debilidade se tornando cada vez maior e notável - ela socou a parede do elevador. Com tanta força que agora a dor latejava em sua mão. Um movimento nada esperto, Rizzoli.

Se ela quisesse trabalhar em não perder a cabeça, ela podia começar pelo impulso de querer socar as coisas. A atitude que não resolveria o problema, só reafirmava o quanto ela estava prestes a ceder à situação. Lidar com seus próprios problemas era o mínimo que ela podia fazer. Se manter forte para manter Maura forte. Cuidar de sua própria sanidade para tomar conta da de Maura. Era nisso que iria focar - por quais meios ela alcançaria isso, ela ainda não sabia com certeza.

Jane se sobressaltou quando as portas do elevador se abriram e Evans quase trombou com ela.

'Detetive, estava indo agora te procurar.' A mulher parecia ansiosa.

'O que aconteceu?' A morena perguntou, a voz se enroscando com preocupação e saindo rouca.

'Essa foto acabou de chegar.' Ela levantou a folha impressa para a morena.

O coração de Jane deu um salto. Ela arregalou os olhos e estudou a imagem com cuidado. Aquilo definitivamente era...

'Veio agora mesmo, nesse instante. Apenas dois minutos de quando foi tirada.' A outra disse apressada apontando a hora no canto da foto.

'Onde? Onde?' Jane já estava com o dedo nos botões do elevador de novo.

'Aeroporto Internacional.' Ela disse antes das portas se fecharem.

Jane sacou o telefone do bolso e discou para Frost. 'Frost, diga para Korsak ligar para o aeroporto e impedir qualquer vôo que esteja para sair até ser liberado o contrário. Agora!' Ela escutou o homem dizer a ordem para Korsak. Ninguém questionava Jane quando ela falava nesse tom. Logo em seguida Frost falou de novo.

'O que aconteceu?'

'Nós vamos fazer o check-in no aeroporto, Frost.' Ela abriu um sorriso irônico, aliviada e ao mesmo tempo sentindo adrenalina correr em suas veias. 'Recebemos uma foto agora mesmo. Harriet... Deus, ela está lá, Frost!'

A morena apertou a foto na mão enquanto olhava para a imagem de novo. Um homem segurava a menina que parecia estar dormindo em seu colo. A cabeça estava descansada em seu ombro, os braços passados em volta do pescoço do homem. A foto fora tirada perto demais, e provavelmente o sujeito não tinha nem notado, considerando que ele estava de costas. Mas o rosto de Harriet estava lá, tão claro como a luz que iluminava o escuridão na alma de Jane. Ela fechou os olhos e rezou para que ninguém criasse nenhuma movimentação suspeita no aeroporto a fim de não espantar o sujeito. Era agora ou nunca.

'Tô descendo.' Ela ouviu Frost dizer no telefone rapidamente e desligar.

Certamente era impressão, mas o elevador estava demorando mais do que nunca parar chegar ao piso. Jane checou se sua arma estava no coldre e quase empurrou com as mãos as portas se abriam. Era sua chance. Era a chance de Harriet voltar segura para elas. Talvez duas pessoas não fosse o suficiente. Ela cerrou o cenho e olhou em volta... Frankie estava sentado no Cafe, e ela se apressou até ele.

'Frankie, nós temos uma pista de onde Harriet possa estar. Você vem com a gente?'

O irmão se levantou rapidamente antes de perguntar qualquer coisa. 'Tô dentro, onde é?'

'Aeroporto.' Ela disse e no mesmo momento Frost apareceu vindo do outro elevador. 'Vá com Frost, eu vou com meu carro.'

Ela deu um aperto no ombro do irmão mais novo e eles se viraram, prontos para sair da delegacia.

E então a figura tão familiar estava andando em sua direção. Maura.

A loira estudou curiosamente o rosto de Jane. O que quer que tenha visto ali, tinha trazido a aflição que agora estava estampada em suas feições. Ela virou o pescoço enquanto via Frankie se afastando a passos rápidos e depois encarou Jane novamente. Os lábios se separaram lentamente, preparados para fazer a pergunta, mas os olhos foram mais rápidos e refletiram todo o pensamento antes dela conseguir de fato falar.

'Harriet.' Jane disse. E nesse ponto ela não poderia acrescentar mais nada. Ela não sabia se a menina estava bem, se ela ainda estava no aeroporto, se ela conseguiria resgatá-la.

'Você a encontrou?' A médica perguntou enquanto os olhos estudavam em expectativa o rosto de Jane.

'Nós... recebemos uma foto, Maura. Dessa vez é ela, no aeroporto. É... Você sabe, arriscado mas nós vamos... Nós estamos indo, ok? Nós vamos fazer de tudo para - '

'Eu vou com você.' E agora a loira estava segurando a mão de Jane, quase a puxando para se mexer.

'Maura, não, é perigoso. A gente nem sabe se esse cara - '

'Eu. Vou. Com. Você.' E a loira tinha aprendido muito sobre teimosia com Jane. A detetive sabia que não iria sair da delegacia sem a mulher.

'É uma pequena chance, Maur.' A morena advertiu, começando a andar. Colocar Maura numa situação de perigo não era exatamente seu tipo favorito de programa, e ela sabia como Maura podia tomar como desafio situações assim. 'Não quero que você entre em problemas.' E por isso Jane queria dizer: não quero que você corra atrás do suspeito, nem leve um tiro, nem compre uma briga.

'Uma chance é tudo o que precisamos agora, Jane.' Ela disse enquanto entrava no carro e batia a porta.

A morena entrou também e virou a cabeça para Maura. 'Eu quero que você prometa que você não vai... Você sabe, fazer o meu trabalho. Não quero você correndo riscos enquanto quem carrega uma arma sou eu, ok?' Ela colocou a mão na coxa de Maura e apertou com carinho.

'Certo.' A loira sorriu para ela e concordou.

Um aceno de cabeça. 'Vamos pegar nossa tartaruga de volta.'

...

Era como caçar uma agulha no palheiro. Exceto que esse palheiro era preenchido com formas coloridas que se movimentavam de um lado para o outro, imenso e cheio de divisões, o que tornava as coisas ainda mais difíceis. Jane sinalizou com a mão para um guarda local para chamar sua atenção. O homem, de estatura média e corpulento, acenou com a cabeça de volta quando a detetive mostrou discretamente o distintivo colocado na cintura. Os olhos negros do homem encontraram com o dela e depois caíram para o chão em sinal de respeito.

'Detetive Rizzoli.' Ela se apresentou, mas não apertou a mão do guarda.

'Oficial Rogers. Eu conheço a senhora.'

Senhora. Jane se segurou para não torcer o nariz. 'Nós recebemos uma foto de uma criança que estava no Amber Alert. Você por acaso saberia...'

Ele a cortou antes que ela terminasse. 'Na ala seguinte, atrás de mim.' Ele sinalizou com a mão o lugar às suas costas. 'Nós fomos informados pelo seu pessoal e observamos ele de perto. Alguns vôos foram atrasados, como pedido.'

Jane bateu com a mão no ombro do oficial e agradeceu com um sorriso. Era aqui que a tensão começava. Jane olhou para Maura e elas tiveram uma conversa com o olhar. As fileiras de bancos à frente se disponibilizavam no meio do corredor, deixando as laterais livres para a passagem. Jane tomou a da esquerda, Maura a da direita. Rapidamente a morena contou seis fileiras dispostas, com cerca de cinco ou seis assentos cada. Estavam praticamente todos ocupados, e ela estudou cuidadosamente cada pessoa. O coração batia com força à medida que ela descartava sujeitos. O homem de boné azul: não. Qualquer mulher sem criança: não. Homem com blusa vermelha, não. Garoto de talvez vinte e cinco anos, não. A lista de 'não' aumentou consideravelmente, até que... Ela correu o olhar para Maura. A mulher parecia decidida a alcançar um ponto em particular. Jane se deu conta de que era o último banco quando um homem estava se levantando com uma menina no colo.

Harriet. Era Harriet, ela tinha certeza.

E Maura estava prestes a...

A loira entrou na frente do homem e gesticulou com a mão. O que Maura estava fazendo? Ele fez um gesto negativo com a cabeça e tentou um passo à frente. Maura não hesitou em erguer as mãos para tentar pará-lo, e Jane não perdeu mais um minuto e contornou rapidamente a fileira para chegar até as costas do sujeito. Antes de contornar, no entanto, ela viu ao longe Frost e Frankie vindo às costas do homem. Isso lhe deu certa segurança. Primeiro ela precisava tirar Maura dali. Apressada, ela caminhou por trás das fileiras até que alcançou os três. Um rápido olhar entre elas foi trocado, Maura deu um passo para trás. Jane agarrou a arma da cintura e apontou para as costas do homem. Passo a passo ela se movimentou enquanto escutava as palavras da mulher.

'A companhia exige a documentação de crianças.' Ela afirmou. 'E como o senhor deveria saber...' Ela sorriu e olhou para Jane.

'Trazer uma criança sequestrada para um aeroporto comercial foi um movimento bem estúpido.' Jane se fez notar andando para o lado de Maura. A arma em punhos.

As pessoas ao redor estavam atônitas, amedrontadas. Se o movimento do peito subindo e descendo não fosse notável, Maura diria que elas eram estátuas esculpidas em momento de puro assombro.

Jane fixou seu olhar no do homem. Ele era intimidador, mas ela também sabia ser. Ela abaixou o queixo e estreitou os olhos em desafio.

'Eu não sou a pessoa que você tá pensando.' Ele disse em defesa.

Jane quase riu. 'O caralho que não é. Me passa a menina agora.' Ela reconheceria o doce rosto de Harriet em qualquer lugar do mundo. E aquela definitivamente era sua Harriet. Quer dizer, era Harriet. 'Nem se atreva!' Ela firmou a voz que saiu alta demais no momento que ele deslizou sutilmente a mão para o bolso. Ele estava carregando uma arma? Como diabos ele esperava passar pelo identificador de metais carregando uma arma?

Ele ergueu a mão, mas não parecia intimidado por ela. Nenhum pouco.

'Me passa a menina agora', ela ergueu a arma em mira, 'ou atiro em você.'

'Você não atiraria em alguém segurando uma criança, atiraria?'

Jane de repente ficou ciente de cabeças olhando para si. Ela não atiraria. As chances de acertar Harriet eram pequenas, mas era um risco que não estava disposta a correr. Ela mentiu mesmo assim.

'Você não vai querer experimentar. Vai?' Ela deu um passo a frente e segurou a arma com a mão esquerda, a direta esticada para ele. 'A garotinha, agora.'

E esse tinha sido seu erro. O homem pareceu hesitar por mais um minuto, mas então pareceu convencido de que não tinha saída e esticou os braços segurando a menina pela cintura. Ele não se aproximou direito de Jane, de modo que ela teve dificuldades em segurá-la com uma só mão. Quando Maura se aproximou para pegá-la - já prevendo o problema da situação - o homem socou o punho de Jane e a arma voou longe, e a segunda agressão - um empurrão forte - mandou a morena direto de costas para o chão, enquanto ela segurava Harriet protegida em seus braços.

O baque fez a visão da morena escurecer por um instante. Ela contraiu a mandíbula e esperou a dor passar.

Maura tinha sido tão rápida quanto os pensamentos de sua cabeça. Enquanto o homem corria para o outro lado, tentando escapar e sendo surpreendido por Frankie e Frost, a médica correu até a arma de Jane e agarrou-a. O homem se virou novamente para Maura, numa alternativa de fuga e a perseguição teria continuado se ela não estivesse agora segurando a arma em punhos, apontada para ele.

Maura só tinha segurado uma arma - aquela mesma arma - uma vez na vida. Agora o objeto parecia mais pesado em suas mãos. Ela estava tremendo. O homem parecia notar seu nervosismo porque apesar de ter sido encurralado, ele sorria para ela. Entretanto, ela se manteve firme. Uma arma apontada para alguém, independente de quem estivesse segurando-a fosse profissional ou não, ainda era algo que podia causar dano, e talvez tenha sido por isso que ele não avançou em frente. E por isso, Frost estava fazendo o sujeito se ajoelhar no chão e colocar as mãos atrás das costas. E agora Frankie tinha abaixado as mãos dela com as dele, dizendo que estava tudo bem e que ela podia largar.

A morena levantava lenta e desajeitadamente com a criança em seus braços. O corpo estava doído e ela estava tremendo. 'Ei, garotinha.' Jane segurou a nuca da menina, apoiando a cabeça desfalecida. 'Harriet, querida?' Ela esperou por uma resposta mas nenhuma veio. Por que ela não acordava? 'Harriet!' Ela insistiu, aninhando a menina nos braços do jeito que se segura um bebê. Deus, por favor. Ela colocou a mão no rosto da criança que estava tão frio quanto o tempo lá fora. 'O que você fez com ela?' Jane gritou para o homem que estava sendo algemado. Cabeças se voltaram para sua direção, pessoas no aeroporto assistindo toda a cena. Danem-se eles.

Divida entre se aproximar do homem para socá-lo e continuar segurando Harriet nos braços - distante dele - ela decidiu ficar no meio, apontando um dedo ameaçador. 'Seu monte de merda.' Ela rosnou.' O.Que.Você.Fez.Com.Ela?'

Ele se limitou a sorrir num desafio silencioso. Depois, como se lembrasse de algo muito importante, se virou para ela e disse num tom irônico, 'eu tenho todo direito de permanecer calado, não tenho, detetive?'

Se os olhos assustados de Maura não tivessem a impedido de alguma forma, ela teria pulado em cima do cara e socado ele. E Frost não iria pará-la, ninguém iria.

'Jane, deixa eu checá-la!' A médica estava na sua frente e Jane tinha afrouxado o abraço no corpo da menina para que Maura pudesse vê-la melhor.

Temperatura corporal baixa. Pulsação fraca. Maura ergueu os olhos para a detetive em urgência.

'Jane, nós precisamos levá-la para um hospital agora!'

Ela pegou Harriet do colo de Jane e a segurou em seus braços enquanto as duas corriam para fora do aeroporto, à procura do carro. Não havia tempo para conversas. A respiração da menina batia fraca demais em seu pescoço e Maura temia pela vida da criança. Ela não tinha idéia do que tinha se passado com ela. Ela tinha sido dopada? Ela tinha sofrido algum trauma? Maura não conseguia checar seu corpo agora.

Quando as duas entraram no carro, a médica começou a procurar desesperadamente por algum machucado na cabeça. Não havia nada ali. Ela ergueu a blusa e procurou na barriga, apertando lugares estratégicos e procurando por inchaço nos orgãos. Nada. Ela tirou os braços da manga e encostou a menina delicadamente contra seu corpo, estudando as costas. Nenhuma marca ali, nenhum sinal, nem mesmo um arranhado. Ela subiu e desceu as mãos na garotinha, como se para aquecê-la e a deitou em suas pernas de novo. Suas mãos estavam tremendo. Faltava apenas um lugar para verificar. Maura não queria, a idéia lhe enjoava o estômago. Mas ela tinha que saber, ela não conseguiria esperar até que algum outro médico lhe desse a notícia - fosse sim ou não.

Ela tirou a parte de baixo da roupa da menina. Jane viu a movimentação pelo espelho e virou a cabeça em horror para ela.

'Maura o que você acha que você tá fazendo?!'

'Olha para frente, Jane!' Ela quase gritou, o que era isso com Jane na direção? Ela não era dona da rua. 'Eu preciso ver... Eu.' Ela respirou fundo. 'Preciso saber se ela foi abusada.' A voz tremeu.

'Deus.' Jane apertou o volante com as mãos e resistiu a vontade de fechar os olhos.

Maura se odiou. Ela não queria invadir a privacidade da menina desse jeito. Era horrível, e era mais horrível sob essas circunstâncias. Mas seu coração pulava dolorosamente em seu peito. Ela precisava saber o que ela tinha para enfrentar a seguir. Ela precisava saber o quanto Harriet tinha sofrido porque ela queria se preparar para cuidar das dores da menina. Ela iria fazer isso, mais uma vez.

Ela abaixou a calcinha e examinou atentamente. Ela sentia a tensão de Jane encostando nela, pedindo uma resposta. Depois de um exame meticuloso - o máximo que ela pôde fazer sem encostar na garota, de qualquer jeito - ela devolveu a calcinha no lugar, as mãos ainda tremendo, e subiu a parte da vestimenta no mesmo momento em que lágrimas cortavam seu rosto.

'Maura?' Jane chamou, receosa.

'Não.' Foi vago.

'Não o quê, Maura?' Jane estava à beira do desespero.

'Não foi abusada. Não há nada que indique isso, pelo menos.'

E Jane entendeu que eram lágrimas de alívio - pelo menos por essa parte. A mão invisível da tensão que segurava seu coração desapertou, e Jane podia respirar novamente, focar com mais facilidade na avenida agora.

Maura colocou a roupa na menina e segurou seu rosto com as mãos. Ela estava pálida. Isso era por conta da pulsação fraca, Maura tinha quase certeza. Ela acariciou as bochechas e depois trouxe o rosto dela em seu peito, protegendo seu corpo com um abraço e depois jogando o casaco de Jane em cima dela.

'Harriet... O que fizeram com você, minha pequena tartaruga?'

A imagem de Maura segurando a criança em seus braços, tão abalada pela situação cortou o coração de Jane. 'Maura, ela vai ficar bem.' A voz da morena vacilou. Como ela poderia saber?

'Quanto tempo até lá?'

'Quase lá.'

'Ela foi drogada. Se não existe nenhum ferimento nela, Jane, ela só pode ter sido drogada.'

'Merda.' Jane suspirou. 'Maura... Pelo menos... Pelo menos o organismo vai consumir a droga e depois ela vai ficar limpa, não é?'

'O que me preocupa...' Maura suspirou no meio de lágrimas. 'O que me preocupa é a dosagem aplicada, Jane.' E a voz morreu num outro suspiro. Um instante de silêncio e depois, 'Ela não deveria estar tão fria assim.'

'Maura, nós acabamos de recuperar ela, ok? Nós não... Nós não vamos perdê-la de novo. Ela vai ficar bem, ela tem que ficar bem.'

Ela tem que ficar bem. Foi o pensamento que cruzou várias e várias vezes a cabeça das duas mulheres quando elas entregaram Harriet para os plantonistas. Ela tinha que ficar bem porque a parte mais difícil já tinha passado. A noite de desespero e desamparo tinha terminado. O dia angustiante tinha se desenrolado lentamente, entretanto tinha trazido a rara notícia que estavam esperando: o paradeiro da menina. Ela tinha que ficar bem porque de algum modo o resgate dela tinha sido um dos mais fáceis que Jane tinha lidado - apesar da dor nas costas que sentia agora e da aflição momentânea do sujeito machucar Maura e Harriet ali no aeroporto mesmo. Não seria justo que depois de tantas conquistas elas acabassem perdendo a menina logo ali, praticamente de volta aos seus braços.

Ela tinha que ficar bem porque, aparentemente, era como se Jane e Maura dependessem dela para ficarem bem também. Para não sentirem como se tivessem falhado com ela de alguma forma. Sim, era isso: Elas tinham Harriet nos braços, mas Harriet tinha em suas mãos seus corações. Então ela tinha que ficar bem, porque se houvesse oscilação, se as mãos de Harriet perdessem a força e eles escapassem de seus dedos... eles se dilacerariam no chão, em pedaços tão pequenos que seria impossível juntá-los de novo.

Jane passou sua mão dentro da de Maura e observou o corredor pelo qual a menina tão pequena tinha sumido, sendo empurrada em uma maca. Ela engoliu seco e olhou para a loira. As mãos se apertaram ao mesmo tempo em que os olhos buscavam por conforto uma na outra.

Elas ficariam bem?


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Notas finais do capítulo

Para aqueles que estavam pedindo por Harriet. E agora? =O