Sobre amor, tartarugas e novas chances escrita por Blue Butterfly


Capítulo 16
Capítulo XVI


Notas iniciais do capítulo

Obrigada, gente linda, pelos comentários que vocês tem deixado! Fazem meu dia e me sinto super empolgada a escrever mais! hahahaha *-*



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Ansiedade sempre foi seu maior problema. Um traço dormente de sua personalidade que quando despertado trazia enganchado em si outros transtornos: insônia, tremor, hiperventilação, ânsias e, num estado mais agravado, desmaio. Maura estava quase acostumada a lidar com isso. Não era prazeroso, não era agradável; era apenas algo que ela tinha aprendido a controlar com o passar dos anos. Yoga era uma prática que lhe ajudava a manter o auto-controle, o que muitas vezes levava a um ataque de ansiedade descartado em situações em que antes ele aconteceria.

E agora, nesse exato momento em que Jane estava lhe explicando que Harriet tinha sumido - apenas sumido, mas talvez com uma grande possibilidade de ter sido sequestrada - Maura estava tentando a todo custo não hiperventilar. À pratica de yoga teria que lhe servir agora. A técnica de se concentrar em um ponto, um pensamento agradável, teria que servir para evitar que ela se fosse engolida pela sensação que estava ameaçando tomar conta de si.

Ela deve ter vacilado de alguma forma. Talvez tivesse oscilado enquanto mudava o peso de um pé para outro porque agora as mãos de Jane estavam segurando firmemente sua cintura, como se para mantê-la em pé. Mas ela podia se manter em pé, exceto que não estava sentindo as pernas. Em contra ponto, ela sentia o coração batendo impetuosamente em seu peito, como se cobrando dolorosamente o esforço de ainda estar ali, acordada.

'Maura, você pode me ouvir?' Ela escutou a voz rouca e preocupada de Jane e viu os lábios desenharem perfeitamente as palavras.

Ela balançou a cabeça em sim. Pelo menos ela achou que tinha feito. As pessoas estavam falando alto demais ao seu redor, isso a perturbava. Ela assistiu enquanto Jane puxava uma cadeira para ela. Não precisou de muito esforço para se sentar - era uma ação, de fato, muito simples. Jane ainda estava em pé, muito próxima à ela, como para se garantir de que se Maura caísse para frente, ela a seguraria. A loira ergueu a cabeça para ela e tentou falar algo, mas as palavras enroscaram na garganta quando, mais uma vez, ela se lembrou de qual era o assunto.

Harriet estava desaparecida.

A compreensão apertou seu estômago e agora a fome que estava sentindo tinha se transformado num buraco ali dentro. Vazio e dolorido. Ela precisava abraçar Jane. Ela precisava ir ao banheiro. Ela precisava se sentar - não, espera, ela estava sentada.

'Você precisa se acalmar, Maur.' A detetive disse estudando-a de perto. 'Se lembra? Do exercício de respiração?'

A loira balançou a cabeça em sim, mas Jane não tinha idéia de como respirar, algo tão simples, tinha se transformado numa tarefa tão difícil. Ainda assim, ela não podia desmaiar. Ela não podia desistir assim, não podia simplesmente ceder à sensação. Primeiro porque ela sabia como lidar com isso, e segundo que Maura nunca desistia de algo quando tinha todos os meios de alcançá-lo. E bem, se ela desmaiasse, Jane a mandaria para casa imediatamente. Ela ficaria sem notícias por horas, o que só aumentaria sua ansiedade. Ela fez um esforço e respirou lentamente, curtamente, até que com os passar das tentativas foi recuperando o controle dos pulmões.

'Jane.' Ela segurou firme num punho da mulher que agora tinha a mão em seu pescoço. 'O que nós... vamos fazer?'

Ótima pergunta, Jane pensou. Ela reajustou o peso nos pés e encarou Maura. Era uma situação delicada e honestamente Jane não estava em posição de dizer o que elas iriam fazer. Ela não tinha a menor idéia.

'Maura... Nós temos que esperar. Eu imagino.' Ela disse francamente.

Maura se sentiu perdida. Nada mais fazia sentido para ela. Ela balançou a cabeça em negativo, já elaborando um protesto, mas Jane foi mais rápida.

'Eles colocaram um Amber Alert, Maur. Eu temo que não há nada que possamos fazer, senão esperar.'

'Ela pode estar em qualquer lugar.' Maura afirmou, os olhos enchendo de lágrimas quando se deu conta de como Boston era grande, de como o mundo era grande e de como uma criança perdida ali passaria despercebida facilmente. Ela se lembrou de como Harriet fora para da delegacia e de como ninguém se dera conta de que ela estava sozinha, sem nenhum adulto por perto. Isso podia se repetir em outro canto da cidade. Alguém poderia levá-la para casa. Alguém poderia levá-la para qualquer lugar que quisesse, desde que seduzisse a menina à fazê-lo. Como era fácil enganar uma criança de seis anos. Ela poderia estar caminhando para a morte sem nem mesmo saber, agora.

'Maura, eu sei como isso é aterrorizante. Eu sei, okay?' Ela sentiu as mãos da morena em seus braços. 'Mas perder a cabeça agora... Não vai resolver a situação. Ok?' Os olhos negros de Jane recaíram sobre os dela e a aflição e o apelo ali fizeram com que sua cabeça concordasse.

'Eu quero saber de qualquer notícia que apareça.' Ela pediu mesmo sabendo que Jane a informaria de qualquer forma.

'Qualquer coisa e eu te digo.' Era uma promessa.

Maura balançou a cabeça agradecendo.

'Se você quiser ir para casa...' A morena sugeriu.

'Eu não preciso ir para casa, Jane. Eu estou perfeitamente bem.' Mentira. Entretanto, agora as chances de ficarem na delegacia até o dia seguinte, se fosse necessário, tinham aumentado consideravelmente. Estando ali ela teria acesso a qualquer informação que surgisse. Um pequeno ataque de ansiedade não era suficiente para lhe mandar embora.

'Eu tenho um trabalho a ser feito.' Ela adicionou, tomando quase como um insulto a sugestão da morena.

'Ok, ok.' Jane ergueu as mãos em redenção. 'É só que você quase se espatifou no chão, mas se você diz que tá bem, quem sou eu pra discordar.'

Maura se levantou da cadeira e acenou para a morena. Antes de sair, ela segurou o olhar de Jane e perguntou em voz baixa, 'Jane, qualquer coisa que apareça?'

Um aceno de cabeça. Um acordo em um olhar.

O problema, entretanto, é que ansiedade era algo que consumia Maura. Os relatórios que planejou fazer na parte da tarde ficaram pouco a pouco completos. Eram quatro no total, e apesar de serem complexos a médica dominava muito bem o assunto, o que facilitava na hora da descrição de métodos aplicados nas autópsias, irregularidades encontradas nos corpos, doenças, causas. Era algo que sempre fazia, algo em que ela era habilidosa. Nessa tarde porém, Maura teve mais dificuldade de se concentrar. Checava o celular de minuto em minuto e uma irritação crescente se instalava em si com a demora de Jane em lhe dar notícias. Ao concluir os documentos, a médica se levantou, agarrou um envelope com exames e se sentou no sofá para lê-los. O conforto da mobília a fez notar como estava cansada. Suspirando ela abriu o envelope e retirou uma folha para ler os resultados. Ela leu o logo três vezes, jurando que na terceira iria realmente começar a leitura, mas algo a impedia. Os olhos se fixaram em algum lugar do papel e os pensamentos se fixaram em Harriet.

Onde ela estaria agora? Com quem estaria? Ela tinha comido algo? Estaria com fome, com sede? Assustada? Tantas perguntas cruzavam a cabeça da loira e ela se sentia irritada por não poder respondê-las, por estar tão fora de alcance da garotinha. Ela queria Harriet ali com ela. Agora ela sentia falta de como os olhos azuis a encarava com curiosidade, do tipo de genuína. O modo como a garota havia se conectado com ela de um jeito que dizia 'eu preciso de você, mas hey, você também precisa de mim'. Das mãos pequenas e fofas em seu rosto, em seu cabelo, procurando por abrigo e segurança. O jeito que um sorriso crescia em seu rosto quando Maura dizia algo gentil para ela, ou como ela sorria mostrando os dentes quando Bass comia um morango, ou quando Jane a jogava para cima, no ar, pegando-a em seguida.

O jeito como dormia em seus braços. E nos braços de Jane. O jeito mal-humorado que aparecia as vezes, que combinava tanto com o de sua mulher que Maura podia jurar que tinha vindo dela. A médica não conseguia lidar com os pensamentos sombrios de alguém machucando sua garotinha - não sua, Maura, ela se corrigiu. O medo, entretanto, era inevitável. O não-saber podia ser algo torturante, e a imaginação podia traçar cenas e pensamentos e criar sensações desprazerosas, deixando à margem tudo o que poderia ser agradável. Maura não pensava que alguém encontraria a menina e a levaria para uma estação de polícia. Não. Ela apenas se perguntava se Harriet estava bem. Se alguém estava assustando a menina, se estavam machucando ela. Experiências passadas com crianças em sua mesa no necrotério apenas sussurravam em seu ouvido as piores hipóteses. Ela temeu - num sentimento de medo mais profundo - encontrar Harriet deitada lá, no dia seguinte. O corpo coberto de hematomas e cortes, cabelo ensanguentado grudado ao rosto. O corpo pequeno demais para ocupar a mesa inteira. O corpo frágil demais para ser aberto por instrumentos frios e afiados.

Maura afastou os papéis com a mão, colocando ao lado, porque suas lágrimas estavam molhando o documento. Ela se levantou e secou o rosto, numa tentativa de se manter em movimento e afastar os pensamentos. Caminhou até o banheiro e fechou a porta atrás de si. Apertou as mãos na beira pia e se encarou no espelho, os olhos vermelhos pelo choro denunciando toda sua fraqueza. Ela esperou pela onda de náusea vir, em consideração à dor que sentia no estômago. Nada aconteceu, talvez porque estivesse de estômago vazia por horas. Tudo o que fez então, foi passar água fria no rosto, o líquido gelado despertando outra sensação a modo de se sentir viva de novo.

O resto da tarde passou em um borrão. A única mensagem de Jane que veio foi para saber se ela estava relativamente bem. O caso parecia tão sério que Jane realmente tinha usado a palavra relativamente na mensagem. Um nó se formou em sua garganta novamente. Ela olhou para o relógio e viu que os ponteiros marcavam quase sete horas. Decidida, ela se levantou da cadeira e respondeu a mensagem de Jane com um simples 'estou indo para casa.' Ela rezou para que Angela e Constance não estivessem lá. Ela sabia que as mulheres tinham combinado de ir às compras na parte da tarde, e de irem ao teatro à noite. Maura e Jane tinham sido convidadas, mas elas tinham outros planos - ficar em casa e decidir qual seria o destino da viagem. Educadamente a loira tinha recusado o convite e explicado seus motivos. Agora Maura poderia usar a noite por outras razões.

Ela dirigiu para casa o mais lento que pôde, prestando atenção nas ruas numa tentativa desesperada e esperançosa de por acaso, quem sabe, encontrar Harriet vagando por aí. Ao estacionar o carro em casa, ela podia adicionar 'fracassada' na lista.

Se sentindo derrotada - pelo mundo, por suas próprias esperanças - ela entrou em casa e desabou no sofá. A vida parecia pesada demais em seus ombros. Ela se inclinou para trás e apoiou a cabeça no encosto, encarando o teto. Cruzou as mãos na barriga e pensou em nada. Pela primeira vez na vida, Maura estava pensando em nada. Apenas olhando para o branco da parede e medindo o som da própria respiração - bem, talvez isso fosse pensar em algo de qualquer jeito. Minutos e minutos se passaram até que ela checou o celular de novo. Jane não tinha respondido a mensagem. Talvez ela tivesse sido um pouco rude. Arrependida, ela digitou um novo texto. 'Desculpa, eu estava - estou - relativamente mal.' E descansou o aparelho na almofada, a cabeça de volta ao encosto e as mãos na barriga.

Algumas lágrimas caíram novamente, morrendo silenciosamente no tecido do sofá, e a vista foi se incomodando com o claro branco do teto. Maura fechou os olhos por um minuto e se perdeu na escuridão.

'Maura?' Jane a chamou e ela acordou assustada, sentando-se - melhor, endireitando-se, porque ela tinha dormido sentada - rapidamente.

'Alguma notícia?' Ela perguntou antes de qualquer coisa.

Jane balançou a cabeça em negativo. O coração apertado estava lá de novo, mas Maura não se manifestou.

'Maura...' Jane sentou-se ao seu lado. Ela queria escolher as palavras sabiamente, ainda que fosse tão difícil dizê-las de qualquer forma. 'Querida, eu e Frost... Nós fizemos algumas investigações hoje. A mãe de Harriet tinha sido testemunha em julgamento meses atrás.' Jane mordeu o lábio inferior numa pausa e depois continuou. 'Num caso de tráfico humano.' Ela viu o rosto de Maura ficar pálido pela segunda vez no dia.

'Isso é... terrível.' Ela disse num sussurro, condenando a ação.

'É, é sim.' Jane concordou com a cabeça. 'Elas estavam sob proteção do governo. O homem que ela depôs contra está preso, Maur. Ele era um dos grandes, você entende?'

Maura balançou a cabeça em sim.

'É um negócio milionário, e ela tinha colocado um cara poderoso e furioso atrás das grades. E você sabe que a prisão não impede esses caras de fazerem certas coisas. De comandarem um assalto, um assassinato... Um sequestro.'

'Ou as ruas, como Paddy.' Maura adicionou.

'Exato. E agora, aparentemente, eles sequestraram a menina.'

'Você não sabe disso.' Ela rebateu em teimosia, mas sentiu as lágrimas chegando aos olhos de novo.

'Não sei. Mas é o que desconfiamos. Se ela estivesse perdida por aí já estaria de vola à casa, Maur.'

Dor. Maura queria que Jane parasse de falar.

'Eu preciso que você entenda... E que você se prepare sabendo que...' Ela respirou fundo, tentando controlar sua própria emoção. 'Que essa mulher se meteu no beco sem saída, Maura.'

'Jane, Harriet não tem que pagar...' Ela balançou a cabeça, mas Jane a cortou de novo.

'Você sabe tão bem quanto eu que eles não pensam assim. Você mesma disse como foi um assassinato a sangue frio.'

'E Harriet escapou uma vez.' Ela insistiu. Jane queria enterrar a cabeça nas mãos e chorar, porque nesse ponto ela já sabia como Maura negaria a situação até que pudesse.

'Eu quero que você se prepare para o pior. Caso aconteça.' Ela disse duramente, não porque tivesse sido de uma maneira grossa, mas porque a realidade por trás das palavras podiam significar dor intensa.

Maura acenou com a cabeça uma vez, os olhos grandes e marejados - teimosos - encarando-a. A morena passou os braços em volta do corpo da mulher menor e a puxou para si. Maura não resistiu ao abraço e se aninhou ali, ainda que estivesse irritada com Jane - ou com a vida, tanto faz. Elas passaram um tempo considerável abraçadas, e foi a voz de Jane em seu ouvido que fez ela se afastar instantes depois.

'Eu sinto muito, Maur.' A voz rouca soou sumindo no ar em seguida.

Maura franziu o cenho e se afastou. 'Não diga como se fosse uma batalha perdida, Jane.' Ela se levantou, cedendo à irritação mais uma vez.

Jane arregalou os olhos. 'Maura, eu não disse que isso é uma batalha perdida. Eu disse que...'

Agora era a vez de Maura a interromper. 'Que era para eu me preparar para o pior.' Ela se afastou em direção ao corredor.

Jane jogou as mãos para o ar e deixou que caíssem ao lado de seu corpo. 'Maura, você sabe muito bem o que eu quis dizer, qual é!'

A loira se virou para ela e Jane viu fúria em seus olhos. Ela deu um passo para trás inconscientemente. 'Você não sabe, Jane. Você não sabe onde ela está, você sabe? Até onde eu sei ela pode, sim, estar perdida por aí. Você sabe como ela andava sozinha antes.'

Ela deu três passos na direção da loira. Era inacreditável a maneira como Maura negava o que estava em sua frente. 'E o que isso te diz de qualquer forma, Maura? Isso não anula o fato de que alguém pode fazer mal para ela. Escuta o que você tá dizendo.' A voz saiu rouca e tremida, perto do choro.

A loira apontou um dedo para ela. A voz mais alta do que antes. 'Me diz, Jane, que apesar de parecer plausível de que ela esteja em algum lugar perdida, mas para ser encontrada, você insiste que as chances de ela estar nas mãos de alguém para ser, ser vendida, ou-ou morta... são maiores!'

Jane virou a cabeça e ergueu as sobrancelhas. Maura tinha acabado de tirar ela do sério. Ela apontou um dedo para a loira também. Discussão do mês: checado. 'Eu não disse que as chances são maiores. É sempre você que vem com as estatísticas, se lembra? Eu disse que é para você se preparar, Maura, porque você sabe como pode ser. O que seus gráficos te dizem, hum?' Foi infantil, mas ela não resistiu à provocação.

'Eles me dizem que você dorme no sofá hoje a noite.' Ela disse friamente e deu as costas a Jane, avançando mais uns passos dentro do corredor.

Jane nem se abalou pela ameaça, e tão pouco iria desistir da briga. Maura estava fora de si, e se ela fosse considerar ela mesma estava. Mas não importa, porque a loira tinha lhe irritado demais para simplesmente lhe dar as costas e sair andando. Ela a seguiu por alguns passos antes de falar de novo.

'Diga o que você quiser, Maura. Você sabe melhor do que eu. Seja realista.'

A loira se virou indignada, não esperando que Jane fosse retrucar.

'Você já recebeu crianças mortas no seu...'

'Não!' Maura quase gritou. 'Não.' Lá estava o dedo de novo. E lágrimas escorrendo no rosto. 'Não. Eu não vou desistir, Jane.'

'Maura, ninguém tá desistindo.' Jane ofereceu sentindo os próprios olhos imitarem os lacrimejados da médica. Ela se aproximou, fechando a distância entre elas.

'Você. E tudo o que você fala. Soa como se... se a gente já tivesse perdido.' Ela disse entre lágrimas, a raiva ainda evidente em sua voz.

'Maura, isso não é um jogo para se perder ou se ganhar.' Ela segurou a mão que estava apontando o dedo para ela. Maura tentou se soltar mas ela não iria deixar. Em seu ponto de vista, todo mundo já tinha perdido. Harriet tinha perdido a mãe. Era irreversível. Ela e Maura tinham perdido Harriet - alguém que nem era delas. Na homicídios, as pequenas graças - se é que eram graças - se limitavam em colocar o culpado atrás das grades.

'Não é. Mas Harriet, Jane... Se você desistir... Quem Jane? Quem vai encontrá-la?'

E Jane se viu precisando colocar Maura encostada na parede, porque ela ameaçava Jane com os braços - não como se fosse bater, mais como se fosse se agarrar nela, fazê-la enxergar... seu desespero. A morena começou a chorar porque era muito. A raiva de Maura era na verdade uma máscara para a dor. Ela segurou firme seus punhos e pressionou seu corpo contra o dela, numa tentativa de contê-la.

'Maura, ninguém tá desistindo de nada. Você entende? Ninguém.' A voz saiu falhada, entre lágrimas e respiração irregular. Por que as coisas tinham se tornado, de repente, tão difíceis para elas?

'Vo-você.' Ela tentou se livrar de novo, mas Jane era forte.

'Não, Maur. Ninguém tá desistindo. Evans é a melhor nisso, e eu te garanto que ela tá fazendo um ótimo trabalho, Maura.'

A mulher respirava pesado, e Jane pensou que em algum momento ela fosse ceder ao próprio peso. Maura parecia ter sido derrotada, em contrário daquilo que dizia. Talvez o medo de perder a menina, de nunca saber de seu paradeiro tivesse dominado sua razão, deixando para trás uma Maura abatida, confusa, cansada demais para lidar com suas emoções.

'Maura, nós não desistimos dela. Eu não desisti.' Ela garantiu, olhando nos olhos da mulher que pareceram se iluminar com um pouco de compreensão.

'Não é justo.' Ela sussurrou e começou a chorar enquanto aceitava, pouco a pouco, as palavras de Jane. A possibilidade do pior arrancando-lhe a pele, os dedos da monstruosa situação pressionando as unhas em carne exposta. Dor. Dor. Dor. 'Não é justo.' Ela disse de novo enquanto encostava a cabeça na parede, os olhos fechados. Era como se seu corpo estivesse sufocando por tentar sufocar o que estava lhe causando mal por dentro.

'Não, querida, não é justo.' Jane pressionou um beijo carinhoso em sua bochecha. 'Ela é só uma criança, meu Deus. Não é nada justo.' E ela encostou a cabeça no ombro de Maura enquanto as próprias lágrimas queimavam seu caminho para baixo em seu rosto.

'Faça parar, Jane.' Maura pediu entre soluços. 'Faça a dor parar. Por favor.'

Não, não era justo. Não era justo a maneira como Jane chorava agora, o modo como Maura sofria. Elas já tinham passado por muito nos últimos meses. Não era justo que Harriet tivesse sumido nesse dia, levado com isso a pouca serenidade que elas haviam recuperado na noite anterior. Não era justo como o corpo de Maura tremia diante do dela, o jeito como o choro soava tão doloroso e ela parecia tão pequena e vulnerável em seus braços. Ou o jeito como Jane sentia a alma se despedaçar em trilhões de pedaços porque Maura estava pedindo por sua ajuda e não havia absolutamente nada que ela pudesse fazer, senão abraçá-la e dizer que sentia muito.

Em certo ponto, quando as duas se acalmaram, Jane encostou seus lábios na testa de Maura. A médica abraçou sua cintura e suspirou.

'Eu sinto muito por ter gritado com você.' Ela disse com a voz carregada pelo choro.

'Ah, Maur... Eu sinto muito por ter forçado isso tudo em você.'

'Não, você está certa, Jane. Eu preciso... preciso me preparar.'

Jane deu um beijo demorado em sua bochecha. Maura tinha entendido. 'Isso não significa que o que é ruim vai acontecer. Eu quero tanto quanto você que essa menina volte para casa.' Jane fechou os olhos, apertados. O que ela tinha acabado de dizer? Ela deveria se corrigir e dizer para a casa dela? Deus, a menina nem tinha um lugar definitivo. De qualquer forma, Maura pareceu perder o engano de Jane.

'E se for tarde demais, Jane?' Ela perguntou num sussurro.

'Se for tarde demais, Maura... Eu tenho você, e você tem a mim. Me ouviu?' Ela disse encarando os olhos da médica, segurando seu pescoço para reafirmar a presença ali, as palavras. Não importa o que fosse acontecer, seria ela e Maura, uma apoiando a outra como sempre tinha sido. Uma ajudando a outra a superar medos, dores, traumas.

A loira balançou a cabeça em sim e cedeu a uma nova onda de choro, deixando-se abalar novamente pelo medo do horror que poderia enfrentar. Por mais difícil que fosse ser, nenhuma delas poderia se curvar ao sofrimento, à dor. Não havia entrega à ser feita para nenhum dos dois. Nenhuma das duas sucumbiriam à tristeza, porque...

'Nós não desistimos.' Ela ergueu as mãos, as palmas viradas para a médica. A cicatriz que Hoyt tinha deixado ali brilhando levemente à luz da casa, uma linha um tanto curvada. Curada. Assim como o trauma de Jane. As palavras que a médica havia dito tempos atrás reverberando do passado para o futuro, vinda do primeiro laço forte que elas haviam criado, um que prometia se manter apertado nas horas em que uma precisasse lutar pela outra. 'Se lembra Maura?'

A loira concordou com a cabeça. 'Nós não desistimos.' Maura repetiu, colocando as mãos nas de Jane e cruzando os dedos. Jane selou as palavras com um beijo em seus lábios.

'Nunca.'


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Notas finais do capítulo

Estou pensando seriamente em editar esse capítulo, porque não fiquei completamente satisfeita com ele. Me digam o que vocês acham!
Obs: Essa coisa de 'nós não desistimos' vem de um tempo atrás que eu prometo explicar nos próximos capítulos ;)



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