Quando o amor acontece escrita por Burogan


Capítulo 5
Conflito


Notas iniciais do capítulo

Olha eu aqui novamente pessoal. Desculpa a demora pra postar o novo capitulo, o tempo ficou um pouquinho curto nesses últimos dias. Espero que gostem, tenham uma boa leitura.



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— Vai tacar o sorvete em mim agora? – Perguntei.

— Não seu idiota. Só venha comigo. – Paty segurava no meu braço.

— Não vou a lugar nenhum com você. – Minha voz era séria.

— Eu tenho certeza que você vai querer me ouvir! – Ela me puxou pra fora da mesa.

— Ei, você é surda? Ele disse que não vai a lugar algum. – Tati segurou minha camisa.

— Deixa Tati, parece ser importante. – Tudo o que eu menos queria é uma briga. – Você vai ficar chateada se eu for? – Eu a olhei nos olhos.

—Tudo bem, eu tenho que ir mesmo. Me liga está bem? – Tati me deu um beijo no rosto e saiu.

— Agora você vem comigo. – Mau deu tempo de me despedir e Paty me puxou.

Santo Goku, me ajude. Pra onde aquele demônio estava me levando? Não entendi bem o por que, mas ela parecia bem aflita, por isso resolvi segui-la. Paty segurava minha mão com força, ela olhava pra todos os lados, imaginei que ela não quisesse ser vista comigo. Afinal, não vi ninguém do seu bando por perto, será que estava sozinha? Numa fração de segundos ela entrou em uma porta no corredor que dava acesso ao banheiro e então descemos dois lances de escada, e por fim, ela parou. Estávamos num corredor escuro com luzes vermelhas de emergência.

— Onde estamos? – Minha voz não tinha expressão alguma.

— Digamos que só pessoal autorizado tem acesso a esse local. – Paty recuperava o fôlego.

— Tá, e o que você quer tanto assim me falar? – Fiz questão de demonstrar que eu não queria ficar de conversa.

— Eu não sei se você sabe, mas esse ano nós temos um evento importante lá na faculdade. – Paty falava impaciente.

— Do que você está falando? – A onde aquela maluca queria chegar.

— Ai, seu lerdo! Estou falando do semestre interativo. – Paty estava perdendo a paciência.

— Semestre interativo? – Aquele papo estava me confundindo.

— Isso, é um semestre onde os professores passam projetos na tentativa de unir os cursos da universidade. Nesse caso o pessoal de Arquitetura e Urbanismo, vão ter que fazer projetos junto com os alunos de Publicidade e Propaganda esse ano. – Paty falava sem parar.

— Na minha sala ainda não falaram nada. – Eu tentava digerir aquele monte de informações.

— Falaram ontem na minha. Na sua devem falar semana que vem. – Paty respondeu em seguida.

— E qual é o problema? – Eu mantinha a voz séria.

— O problema seu nerd feioso, é que as duplas já foram selecionadas e adivinha só quem vai ser o meu parceiro? – Paty tinha uma voz sínica.

— Não sei, quem seria? – Perguntei.

— Você é retardado? É você nerd. – Paty me encarava furiosa.

— É geek caramba, geek. – Praticamente cuspi as palavras.

— NÃO ME INTERESSA! – Paty retrucou. – ACONTECE QUE SE A GENTE FOR DUPLA, NÓS VAMOS TER QUE ANDAR JUNTOS ATÉ O FIM DO SEMESTRE. E ISSO NÃO VAI ROLAR! – As palavras de Paty pareciam estuprar meus ouvidos.

— NÃO MESMO, ATÉ POR QUE VOCÊ VAI ACABAR ME MATANDO ATÉ LÁ. – Aquela menina me tirava do sério.

— CALA ESSA BOCA! – Ela trincava os dentes. – VIU SÓ POR QUE NÃO DA? A GENTE NÃO CONSEGUE CONVERSAR POR TRÊS MINUTOS, QUE JÁ ESTAMOS DISCUTINDO. – Suas palavras eram puro ódio.

— VOCÊ TEM TODA RAZÃO, NÃO DA PRA CONVERSAR COM VOCÊ. – Santo Goku, um kamehameha seria muito útil agora.

— EU TE ODEIO! – Falamos ao mesmo tempo.

— CALA A BOCA! – Novamente falamos juntos.

— PARA DE ME IMITAR! – Pela terceira vez nossas vozes soaram juntas. Então ficamos uns três segundos em silêncio.

— Olha, eu acho que eles vão falar sobre o trabalho na sua sala semana que vem. Então, por favor, peça ao seu professor para mudar de parceiro. Eu tentei fazer isso com o meu e ele rejeitou meu pedido, quem sabe com você seja diferente. – Paty recuperou o tom de voz e subiu as escadas.

Minha paz de herói estava arruinada. Acabada. Destruída. Meu direito a paz foi negado no exato momento em que decidiram colocar eu e Paty Pannes como dupla no projeto. Eu nem sabia que ela fazia arquitetura. Já havia se passado duas semanas desde a nossa conversa “super tranquila” na escadaria do shopping. Aquele demônio tinha total razão. Logo depois do fim de semana, meu professor de comunicação e discurso deu o nome das duplas que trabalhariam nos projetos. O semestre interativo funcionava da seguinte forma: cada curso da faculdade trabalharia junto com outro curso, no meu caso Publicidade e Arquitetura. Até aí estava ótimo, o problema é que são selecionados um aluno de cada curso pra fazer dupla e o trabalho tem de ser apresentado pra toda universidade no fim do semestre. Seu peso? Ele simplesmente contava como prova final. Se eu quisesse ir para o segundo semestre, teria que dar um jeito de fazer esse projeto. Eu estava vivendo a maldição dos “Seis meses”.

Falei com o professor, e não teve jeito. Eu teria que fazer dupla com a Paty. Segundo ele era a chance perfeita para testar a minha habilidade de lidar com as pessoas, por que no futuro o mercado de trabalho exigiria isso de mim. O que ele não sabia, é que o único jeito de lidar com um demônio era exorcizando e infelizmente eu não andava com crucifixos. Nós pertencíamos a realidades diferentes, pensamos diferentes e nos odiamos. É fisicamente, psicologicamente e filosoficamente impossível realizarmos esse projeto. Eu sei que faz parte do meu código de honra heroico não fazer mal e nem ofender uma dama, mas Paty era uma exceção. Não ha força no universo que faça eu e ela se dar bem, nem em contos de fadas heróis e demônios andam juntos, por que seria diferente agora?

—Maninho! – Amanda bateu na porta. – Pode me levar na livraria?

— Tô ocupado! – Respondi.

— Você quem sabe. – Sua voz soou atrás da porta.

Eu estava trancado no meu quarto, tinha assistido tanto anime quem meu cérebro parecia travar. Sempre fazia isso quando estava confuso sobre algo ou irritado, de alguma forma ver Natsu lutando me acalmava. No entanto quando a Erza Scarlet começou a aparecer, me veio lembranças daquele tomate ambulante, e isso me deixou extremamente de mau humor. De todas as pessoas, por que justo eu tenho que fazer dupla com ela? Essa era uma resposta que nunca iria obter.

— BRYAAAAAN! NÃO VAI MATAR LEVAR SUA IRMÃ NA LIVRARIA. – A voz de dona Aline ecoou por toda a casa. Eu sabia que Amanda não ia desistir tão fácil.

— OK, ME DE DOIS MINUTOS, ESTA BEM? – Gritei do meu quarto.

Por que aquele chibisinho quer sair em pleno domingo? Assim que sai do quarto o mormaço veio me abraçar, enquanto meu quarto estava um gelo, aqui fora estava um forno. Tomei um banho rápido, coloquei uma camisa amarela, um jeans escuro e meus inseparáveis sapatos pretos. Quando fui até a sala Amanda já me esperava sentada no sofá, ela usava um vestido florido. Já dona Aline estava dançando na cozinha enquanto batia algo no liquidificador, nós até demos tchau, mas por causa do som alto, ela não nos ouviu.

Nós morávamos em um apartamento, no quinto andar. Minha mãe é um pouco paranoica em relação a segurança, então pra ela, um condomínio fechado é o mais seguro dos lugares. Tinha apenas a garagem, uma quadra de futebol e seis blocos ordenados por ordem alfabética, no caso eu morava no bloco F. Não era grande coisa, mas eu gostava, era simples, mas confortável.

— Desculpa te fazer sair assim. – Amanda disse ao entrarmos no ônibus.

— É, por sua culpa tive que parar de assistir Balck Lagoon. – Minha voz não tinha emoção.

— Você tem é que me agradecer por te tirar da sua toca, sabe, eu sei que você gosta de animes, mas a vida é mais do que isso. – A voz de Amanda soava doce.

— Eu gosto da minha vida do jeito que ela é. – Sorri.

Esqueci de dizer que minha irmã é tão super protetora quanto minha mãe, estou cercado por duas corujas. Isso era algo normal, sempre que eu ficava muito tempo trancado no meu quarto Amanda vinha com esse papo de inclusão social. Eu não sou muito sociável, por isso tenho dificuldade em fazer amizades e minha primeira namorada, bem... digamos que esse não é o meu assunto preferido. Eu gosto da minha vida assim e pra mim não há nada de errado em um jovem de dezenove anos passar mais tempo vendo animes, do que chapado em festas. Eu tinha um dilema: viva fazendo o que te faz feliz, o resto é resto.

Ao chegarmos no centro Amanda tomou a frente e foi me guiando, nunca vi pernas tão curtas, andarem tão rápido, até que chegamos na livraria Janina. Foi o que bastou. Amanda teve um surto, parecia uma criança numa loja de doces, seus olhos brilhavam por traz dos óculos. Não demorou muito pra ela me esquecer e se perder nas estantes. Eu gosto de ler também, mas nesse momento estava mais interessado em terminar Balck Lagoon. Ainda bem que sempre carrego meu tablet na mochila, fui até uma das mesinhas de leitura, coloquei meus fones de ouvido, e pronto. Purificação.

Amanda me chamou exatamente na hora em que o episódio tinha acabado, ela me esperava na entrada da Janina. Novamente aquela sensação de fogo na pele, o mormaço da cidade obrigava as pessoas ficarem dentro das lojas, fazendo com que as ruas ficassem vazias. Amanda caminhava ao meu lado com a cara enterrada no livro que se intitulava, “Percy Jakson e o Mar de Monstros”, da mesma forma que eu amava cultura japonesa, Amanda tinha sua paixão pela mitologia grega. É impressionante a capacidade que ela tinha de andar sem tropeçar em quanto lia, já eu, derrubar coisas era algo comum no meu dia a dia – lembrei do meu primeiro encontrão com a Paty. Senti algo passar entre mim e Amanda, não era rápido, mas forte o suficiente pra me derrubar.

— SOCORROOOOOOOO! – Amanda gritou.

Aquela coisa que havia me derrubado tinha um corpo e provavelmente um nome, mas naquele exato momento ele fugia com a bolsa da minha irmã. Tratei de correr, esse herói estava entrando em ação. A adrenalina tomando conta do meu corpo, aquele individuo corria rápido, mas não o suficiente pra sair do meu campo de visão. Ele subia a avenida Isac Povoas, minhas pernas pareciam se mover por conta própria, estava chegando no semáforo que para a minha sorte estava vermelho, mas um motorista imprudente havia parado em cima da faixa. Pulei deslizando sob o capo do carro. Aquele cara é o que? Um atleta? Parecia um gato subindo e pulando nas coisas. Meu pulmão fazia questão de lembrar que eu não era apto à corridas, cada lufada, cada puxada de ar fazia arder tudo por dentro. E tinha aquela dor, uma dor aguda que pareciam pontadas na costela. Mas eu tinha algum preparo, todas aquelas vezes correndo na esteira da academia não foram em vão. Quando me dei conta já estava perseguindo ele na praça Alencastro, o desgraçado estava entrando na Matriz. Por que raios um ladrão iria correr pra igreja? Ele entrou na igreja e eu o segui, dessa vez caminhando, tomando cuidado pra não ser notado. Com certeza ele não ia assistir a missa, pois ele foi direto pra uma porta no final da igreja. Passou por alguns corredores, desceu um lance de escada e por fim chegou a uma porta que dava acesso à rua atrás da matriz. Ele provavelmente estava tentando eliminar suspeitas. A rua era deserta, o elemento estava alguns metros na frente, se esgueirando no muro. Percebi que algumas quadras pra baixo havia um terreno abandonado, com algumas latarias de carro enferrujadas. Comecei a costurar hipóteses, se ele fosse vender a bolsa, provavelmente iria para lá.

Eu não conhecia bem as ruas da cidade, mas acho que conseguiria cortar caminho e chegar primeiro que ele. A probabilidade de ele ir para o terreno baldio era uma em um milhão, e se eu realmente estivesse certo, esse herói iria fazer uma emboscada. Virei na primeira a direita. O jeito mais rápido seria indo por cima das casas, eliminando qualquer descida, subida ou curva que atrase o tempo de chagada. Minhas pernas protestaram quando saltei e pendurei em um muro azul, era uma residência pequena, não seria difícil escalar, fui me equilibrando até chegar no telhado da casa. Agora seria mais fácil, tudo o que precisaria fazer era brincar um pouco de Le Parkour. Quando cheguei no telhado, sai correndo até a calha e saltei dando um mortal caindo de pé num gramado. Pronto. Já estava em outra casa, dessa vez de dois andares. Corri em direção ao muro e saltei. Com a perna direita impulsionei meu corpo pra traz dando outro mortal. A ideia era tentar alcançar a grade da sacada, o sucesso veio quando minha mão agarrou algo firme no ar. Eu estava pendurado na grade da sacada. Respiração ofegante. Os músculos protestaram. Reuni minhas forças e me equilibrei com os dois pés no parapeito da sacada. Alguns segundos mais tarde eu me encontrava no telhado da casa. Alguns metros à frente, do outro lado da quadra era possível ver um cara de capuz vermelho, ele estava perto do terreno baldio. O tempo não estava a meu favor.

Depois de umas seis casas eu finalmente estava no terreno baldio. Ofegante. Sangue quente. A boa notícia é que ele não estava lá, das duas uma: ou aquele não era o seu destino ou eu havia chegado primeiro. Estava escondido nas latarias enferrujadas, esperando e rezando pra que ele aparecesse, só por precaução eu tirei meus óculos e o escondi numa muda de plantinhas ao meu lado. Estava preparado pra quebrar qualquer coisa, menos os meus óculos. Escutei um galho quebrar. Ouvi passos que se aproximavam a minha direita. Meu sangue ferveu quando meus olhos avistaram aquele capuz. Bingo!

Saltei pra cima dele. Meus dois pés foram direto em suas costas jogando ele no chão. Ele se levantou e desferiu um chute na minha costela esquerda. Uivei de dor. Passei uma rasteira derrubando ele de costas no chão. Antes que ele pudesse se levantar disparei uma joelha na boca do indivíduo, seguida de três socos na têmpora. Sentei em cima dele, depositando todo o peso do meu corpo em seu peito, dali ele não saia. Minha mão esquerda segurava a gola do casaco vermelho, minha direita estava parada a poucos centímetros do seu nariz, preparada para desferir o próximo golpe.

— Você falhou com essa cidade! – A única coisa que consegui dizer foi uma frase de Arrow.

— Olha, já fui abordado várias vezes, mas nunca com essa frase de efeito. – O moleque tinha a boca ensanguentada.

— Devolve a bolsa que você roubou. – Meus dentes estavam trincados.

— Qual é cara? É só uma bolsa. Sua namoradinha pode comprar outra. – Ele me empurrou.

— É da minha irmã! – Por causa da briga, não percebi que a bolsa tinha caído no chão. Dei alguns passos e peguei.

— Por favor não me entrega pra poli... – O moleque foi interrompido por um barulho abafado, mas alto o suficiente para nos ouvir.

— Mas o que é isso? – Falei assustado. Olhei para o jovem que tinha a mão na barriga, depois encarei a bolsa na minha mão. Minha ficha havia caído.

— Entendi. – Minha voz era suave. – Tome. – Tirei da minha carteira cinquenta reais.

— O que? Cara, eu roubei a sua irmã, te fiz correr até aqui, te chutei e você ainda me da cinquentão? – O menino tinha os olhos esbugalhados.

— Olha eu tenho meu próprio senso de justiça, não sei por quê você faz esse tipo de coisa, mas dessa vez... – Olhei pra bolsa. – Foi por que está com fome.

O que eu fiz pode ter sido certo ou errado. Não sei. A única certeza que tenho é que não sou eu quem deve julga-lo. Tudo o que fiz foi pegar o meu óculos e dar as costas para o menino que tinha a boca sangrando e que me encarava espantado sem entender a situação. Eu tenho esse lado meio humanitário que está sempre disposto a ajudar as pessoas, porém tem um lado negativo. Eu acredito no melhor das pessoas, no que elas têm de bom a oferecer e na maioria das vezes eu acabo me decepcionando com elas. “Não espere nada de ninguém. Nunca.” Esse é o meu segundo dilema.

Eu já estava na rua da Janina quando vi uma menina de vestido florido sentada na calçada. Droga! Tinha esquecido completamente de Amanda. Assim que me viu ela veio em minha direção, a respiração falhava. Ela me tomou num abraço de urso. O som era fraco, mas dava pra perceber que Amanda soluçava, me perguntei se ela havia chorado.

— Era só uma bolsa! Não precisava perseguir um bandido. – Sua voz era tremula.

— Não se preocupe, está tudo bem. Olha, eu até recuperei a bolsa. – Eu tentei forçar um sorriso.

— Nunca mais faça uma loucura dessas maninho! – Ela me olhava por traz do óculos. – Bolsas, livros eu posso compra tudo novamente, mas a sua vida... se você morrer... não vai existir dinheiro que te traga de volta seu bobão.

— Desculpa. – Foi tudo o que eu consegui dizer.

O caminho pra casa foi silencioso. Amanda estava chateada comigo e passou o tempo todo lendo. Em casa foi pior, pois aquele chibisinho idiota fez questão de dizer tudo o que aconteceu pra Aline. Santo Goku, só eu sei quantas vezes eu ouvi a frase “Não reaja em um assalto, a sua vida é mais valiosa.”, aquela casa estava impossível. Eu fui para o meu quarto e me confinei ali até fim do dia. Purificação, é o que esse herói precisa.

Eu sempre tive um gosto estranho, na sala de aula eu gostava de imaginar que meu lápis era uma espada ceifadora. No primário, enquanto as outras crianças desenhavam carrinhos, eu desenhava guerreiros alados montados em cavalos puro sangue. Então, quando entrei para o ensino fundamental comecei a sofrer bullying, os grandalhões sempre me perseguiam. Meus cadernos sempre estavam dentro de alguma privada no banheiro, escondiam meus óculos e quase sempre me batiam. A vida naquela época era um inferno. Mas então veio aquele dia.

— Senhora Marralkcs. Os alunos mais velhos obrigaram o Bryan a beber um frasco inteiro de pimenta. – Disse a diretora.

— O QUE? FIZERAM ISSO COM VOCÊ QUERIDO? – Aline tinha suas mãos em meu rosto.

— Está tudo bem mamãe, eles não podem ferir esse herói. – Tentei forçar um sorriso, mas minha boca mal se abria.

— Isso tem que parar... – Os olhos da mamãe estavam mareados.

Imediatamente minha mãe me puxou pelo braço e foi me levando até a saída da escola. Na aquele mesmo dia ela trancou minha matricula. Aline falava no celular enquanto dirigia, ela parecia irritada. Primeiro ela parou numa farmácia e comprou uma pomada pra queimadura, depois me levou à um restaurante. Não demorou muito e ela acenou para um rapaz alto, de regata branca, ele devia ter uns vinte e sete anos, cabelo bem aparado e barba por fazer. Ele esperava sentado à uma mesa.

— Sente-se querido, este aqui é o senhor Meison. – Ela me apresentou o grandalhão.

— O-oi. – Tentei falar algo melhor, mas minha boca ardia muito.

— Olá garoto. – O homem sorriu. – Sua mãe me disse que você está com problemas. – Ele ergueu o frasco de pimenta que tinha na mesa.

— Há, não foi nada demais. – minha voz era séria.

— A partir de hoje você e o senhor Maison vão ser grandes amigos. – Aline passou a mão na minha cabeça.

— Sério? Por quê? – Perguntei sem entender.

— A sua mãe está preocupada com as agressões na escola. O único jeito de acabar com isso é ensinar você a se defender, mas ela não quer que você se torne um brigão. Então, vou te ensinar algo melhor. – Meison tinha um sorriso no rosto.

— Não acredito! O que você vai me ensinar? – Não consegui controlar a emoção em minha voz.

— Vou te ensinar a nunca ser pego. – O barbudo tinha os olhos fixos em mim.

— Que irado! – Meus olhos brilhavam

— Garoto... já ouviu falar em Parkour? – Ele fez questão de destacar a última palavra.

Eu defendo a ideia de que todos tem um lado nerd e um outro lado completamente oposto, no meu caso o Parkour é o meu lado não nerd. Eu tinha seis anos quando o senhor Meison começou a me ensinar, ele treinava na academia que minha mãe trabalhava na época. Foram nove anos de treinamento duro, incluindo os ossos que quebrei, mas valeu a pena. Graças ao Parkour, além de “sumiço” eu tinha ganhado um segundo apelido no colegial, “Spider”.

Eu estava no banco, meu coração parecia saltar pra fora da boca. Senti as gotículas de suor escorrendo na minha testa. Eu estava atrasado e neste momento levava uma bronca do meu gerente. Essa noite eu fiquei assistindo Arrow e por consequência acabei me atrasando, se não fosse pela Aline berrar nos meus ouvidos eu estaria dormindo até agora – maldito celular que não despertou. Além de Paty havia uma outra coisa que me aborrecia naquela faculdade, era o fato de eu ainda não ter tido as aulas de fotografia. Segundo os professores a sala onde teríamos a matéria estava em reformar, por isso estava inutilizada. Mas a boa notícia é que a reforma havia acabado e começaríamos a ter aula de fotografia a partir de amanhã. A felicidade é tanta que um sorriso congelou no meu rosto, mas como qualquer outro herói, hoje eu tenho uma missão. Estava decidido a conversar com o coordenador do curso de publicidade, ele é a minha única chance de me livrar de Patty.

Hoje eu não fiquei na abertura de conta poupança, um dos funcionários havia faltado e o gerente me pediu pra ficar no atendimento. Naquela tarde atendi e tentei resolver os problemas de várias pessoas e foi em meio aquele monte de pepino que percebi o quão pequeno era o meu problema com a Paty. Quando me assustei, já estava atendendo o último cliente.

Não demorou muito para pegar o ônibus que ia pra faculdade e como sempre, eu coloquei meus fones e fui ouvindo a música de abertura de Noragami. As openings de animes são minha conexão com um outro mundo, os animes em si me fazem relaxar, mas as músicas, elas sim me fazem viajar. Em questão de alguns minutos eu estava na entrada da Arcati, com todos aqueles eucaliptos e tochas parecia mais um acampamento do que uma universidade, as lanchonetes já estavam cheias de estudantes.

— Rapaz eu estava te observando assim que entrou aqui. Está com uma cara péssima. – Um cara cabeludo havia se aproximado.

— Devo estar mesmo. – Ajeitei meus óculos com o indicador.

— Sabe do que precisa? Precisa pegar umas gatinhas, toma aqui, aparece lá. Vai estar cheio delas. – O cara me entregou um panfleto, na outra mão ele segurava um skate.

O panfleto era todo verde, com o desenho da sininho na capa, mas não era aquela sininho fofa igual a do Péter Pan. Aquela sininho era diferente, tinha tatuagens, um alargador na orelha, ela também usava fones de ouvido e estava atrás de uma mesa de som. O nome da festa era Green Fairy, é uma Rave. Não. Esse herói não frequenta esse tipo festa, era mais fácil eu ir num evento cosplay ou torneio de vídeo game. Fiquei uns minutos olhando aquele panfleto, depois amassei e joguei no lixo.

Eu precisava encontrar o coordenador do curso, estava determinado a convence-lo de que é uma péssima ideia juntar eu e Paty Pannes. Fui até um prédio grande que tinha perto da entrada, ali era o atendimento ao aluno. Qualquer problema relacionado à aluno e universidade era resolvido lá, naquele mesmo bloco se encontravam as coordenações de todos os cursos. Disse a recepcionista que precisava falar com o coordenador do curso de publicidade, antes que eu terminasse de falar, a senhora me mandou sentar e esperar. Fiquei aguardando por trinta minutos, até que finalmente.

— Bryan Marralkcs! Por favor, me acompanhe. – A recepcionista gritou meu nome.

A moça abriu uma porta. Atrás tinha um corredor imenso com várias salas nas laterais, tinha alguns quadros pendurados nas paredes, por fim quando chagamos na quinta sala, a mulher deu três batidas na porta e a abriu. Meus pelos eriçaram assim que entrei, aquela sala estava um gelo. Tinha um cheiro forte a ponto de fazer minhas narinas arderem. Tinha duas cadeiras, uma mesa de madeira branca, logo avistei o senhor que assinava uns papéis na mesa. Ele usava uma boina, sua barba branca era estranha mente longa e terminava com a ponta amarrada num elástico preto. O velho tinha uma tatuagem maori que pegava do seu pulso direito até o cotovelo.

— Oi, é... devo te chamar de Gandalf? – Eu observava sua barba branca.

— Engraçadinho! Me chame de Morales. – O velho me encarou por cima dos óculos.

— Meu nome é...

— Eu sei quem você é. – O velho me interrompeu. – Você é Bryan Marralkcs. – Ele sorriu.

— Como... sabe meu nome? – Perguntei, mas não obtive resposta.

— Sr. Morales, estou aqui para pedir que o senhor troque a minha dupla do semestre interativo. – Me sentei na cadeira.

— Impossível. – O velho se concentrava nos papéis em sua mesa.

— Por que? O senhor não sabe o quanto nos odiamos, a única coisa impossível aqui, é eu e ela fazermos esse trabalho juntos. – Minha voz era séria.

— É ai que você se engana meu jovem, conheço muito bem o ódio que vocês têm um pelo outro. – O velho jogou um envelope em cima da mesa.

Mas o que era aquilo? Imediatamente abri o envelope, dele caiu uma foto. Meus olhos pareceram queimar assim que vi aquela imagem. Eu não estava entendendo mais nada, como ele tinha aquilo? A raiva consumia cada extensão do meu corpo. Observei bem os dois jovens na foto, um menino de cabelo cacheado sentado na rua, porém tinha uma menina ruiva de vestido e salto com o pé cravado no rosto do menino e envolta deles havia uma roda de pessoas. Aquela foto foi batida no exato momento em que Paty chutava o meu rosto, logo depois de ter me atropelado.

— Onde o senhor conseguiu essa foto? – Perguntei surpreso.

— A foto começou a circular na universidade e chegou até mim. – Ele me olhava nos olhos.

— Agora que o senhor já sabe o quanto nós nos odiamos, poderia por favor nos trocar de dupla? – Insisti.

— Bryan, você não está entendendo. Sabe ao menos quem é a menina da foto? – Ele não tinha expressão nenhuma na voz.

— Paty Pannes. – Tive dificuldade para pronunciar esse nome.

— Patrycia Arcati Pannes. A família dela construiu essa universidade, as pessoas a chamam de rainha, mas não é por causa de sua beleza ou dinheiro. – Aquelas palavras praticamente estupraram meus ouvidos.

— Entendi... – Foi o melhor que consegui dizer.

— A universidade tem como visão a formação do ser humano como um todo. A Arcati não pode simplesmente ignorar o que houve entre você e a srta. Pannes, vocês estão manchando a reputação da universidade. Como coordenador do seu curso, vou te dar apenas uma opção. Você tem a até o fim do semestre para se entender com ela, caso contrário considere-se expulso desta instituição de ensino. – O velho tinha a voz firme.

— EXPULSO? – Minha voz subiu uma oitava. – Mas não tem como eu me dar bem com ela. – Eu praticamente cuspia as palavras.

— Você aos menos tentou? Bryan, tudo o que estou pedindo é pra você parar de implicar com ela. – Ele voltou a assinar os papéis.

— Mas é ela quem começa. – Eu estava começando a ficar irritado. – Não vou fazer isso. – Emburrei.

— Você quem sabe, se não fizer o trabalho não passa de semestre, se não se der bem com a srta. Pannes será expulso. Vamos acabar logo com isso então, vou pegar uns papéis e trancar sua matricula. – Ele começou a revirar a gaveta.

— Não. Espera, por favor. Eu vou tentar. – Senti o gosto da derrota em minha boca.

— É assim que eu gosto de ver. – O senhor Morales deu um sorriso.

— Eu não faço a mínima ideia de como fazer isso. – Eu não acredito que estava concordando com aquilo.

— Hora você está em um curso de publicidade e propaganda, seja criativo. – Ele levantou e me conduziu até a saída.

SAAAAANTO GOKUUUUUU! Eu não acredito. Fui tentar resolver o problema e tudo o que eu consegui foi piorar mais ainda. Ela me atropela, me bate e é eu quem corre o risco de ser expulso? Por que? Porque eu é que tenho que me redimir? É impossível me dar bem com ela. A gente vai se matar nos primeiros trinta minutos juntos, mas eu não podia ser expulso. Agora meu futuro estava em jogo.

Depois de sair da sala do senhor Morales, o próximo lugar que eu teria que ir seria para a sala, mas não fui, ao invés disso fui até o santuário. Eu precisava ficar sozinho e lá na sala teria Tati e André me atrapalhando. Assim que cheguei no canteiro de obras fui direto para as madeiras empilhadas e me sentei. Eu não podia demorar mais, muitos alunos já começaram seus projetos, tinha que resolver isso hoje. Meu cérebro ainda tentava absorver o que foi dito por aquele velho, a família da Paty construiu essa universidade? Agora está explicado por que aquele demônio é tão mimado. E então minha mente tão perturbada foi iluminada por um clarão, a idéia veio como um soco na cara.

— É claro! – Dei um soco na mão.

Segundo a Tati, aquele demônio ruivo é outra pessoa quando está comigo. Mesmo que seja por alguns minutos, eu faço ela mostrar um lado que ela não quer que as pessoas vejam. Nós brigamos porque ela não suporta nerds e eu odeio patricinhas, só havia um jeito de acabar com tudo isso. Esse herói teria que deixar seu orgulho de lado apenas para entende-la, mesmo que isso signifique deixar ela me chamar de nerd. Que eu não me arrependa do que vou fazer agora, reuni toda a coragem que eu tinha, respirei bem fundo e fui a procura de Paty Pannes.

Continua...


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Notas finais do capítulo

O que sera que o nosso herói vai fazer? Não percam o próximo capitulo >



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