ABC do ódio escrita por Mondler
Notas iniciais do capítulo
Bom, o personagem desse curta não sou eu. Seus gostos não são os meus e os pensamentos, apesar de serem desenvolvidos por mim, não são nem um pouco iguais aos meus. Pode chamar o garoto abc como quiser, não dei um nome definido para ele. Espero que tenha ficado legal! Apenas para descontrair! Boa leitura.
De todos os assuntos que eu mais tive dificuldade, aprender o abecedário foi o pior. Tinha uma relação conturbada e nada amigável com aquela sequência de letrinhas coloridas. Quando chegava em casa, usava minha caneta esferográfica para rasgar o papel com a melodia para decorar todo o alfabeto.
Pode parecer drama, mas ele realmente me aterrorizava. Ir ao psicólogo foi uma das saídas que minha mãe encontrou para solucionar a problemática. O que ela não sabia era que aquilo estava grudado no meu DNA da mesma forma que essas letras estão grudadas nesse fundo branco.
Com o passar dos anos, descobri que odiá-lo era apenas o começo de um grande problema. Transformei-me em um garoto chato e emburrado, que vive pelos cantos, reclamando de tudo. Não estou nem aí para o que você acha de mim, talvez até se identifique. Minha família e amigos (sim, eu tinha) nunca iriam entender como eu me sentia. Eu simplesmente amava odiar as coisas, principalmente o abc.
Estava entediado quando decidi fazer tudo isso. Vi que estava passando “ABC do amor” através do guia televisivo. Foi o suficiente para a ideia surgir em minha cabeça. Abri o editor de textos e comecei a digitar. A medida que as letras surgiam atrás do cursor, meu peito arfava em agonia. Como eu as odiava.
ABC DO ÓDIO:
A – Eu não acredito no amor. Na verdade eu não acredito que o sentimento inexplicável que transbordamos possa ser definido em uma palavra, reduzido a algo tão pequeno e sem valor. A-m-o-r não é suficiente para enriquecer o verdadeiro sentido da sensação. Acham mesmo que um “a”, um “m”, um “o’’ e um “r” podem sustentar toda a complexidade dos nossos prazeres? Não deveríamos nomear tudo. Então não me venha restringindo o que eu sinto a uma palavra. ODEIO O AMOR.
B – Bolas. Eu odeio as bolas, mas elas me amam. Eu sempre tento evitá-las, mas aparecem do nada, me convidando para um convite no chão. Outras já chegam se jogando em meu rosto, tentando me beijar. Não sabia que eu era tão bonito assim.
C – Colegas. Os colegas são tão panacas quanto os inimigos. Você não tem uma ligação grande com eles, por isso são seus colegas. São descartáveis e podem entrar no grupo de inimigos de uma hora para outra, motivos é que não vão faltar. Odiaria ser colega de alguém, se descobrir que sou apenas isso, juro que me transformarei em um inimigo de potencial.
D – Odeio o Diabo por todas as coisas que ele faz. Você vai arder no inferno!
E – ESCOLA. Acho que não preciso explicar o motivo!
F – Eu odeio a faculdade. Você passa anos sofrendo na escola, achando que vai melhorar quando o terceiro ano acabar. Agarra-se a ideia de que sua faculdade será um American Pie da vida, quando na verdade é um Jogos Vorazes. Pior que o quesito anterior.
G – Garotas e Garotos. Quero dormir e acordar em um mundo em que não exista mais esse tipo de divisão de gênero.
H – Odeio o hoje. Espero que amanhã seja mais legal e eu não tenha o azar de ficar largado no chão do quarto o dia inteiro revirando os olhos enquanto assisto “ABC do amor”.
I – Se tem alguém que gosta de ser ignorado, esse alguém não sou eu. Então espero que alguém veja toda essa porcaria que eu estou fazendo! Desculpem pela agressão, é que eu realmente ODEIO ser ignorado.
J – Não deveria colocar jogos aqui, mas agora já era. Eu não odeio os jogos, mas a minha família me proibiu de jogá-los por conta da minha personalidade competitiva. Então, na ressaca nos games, acabei implantando em minha cabeça que eu odeio jogos só para ter que justificar a ausência deles em minha vida.
Esse é o momento em que eu me perco e é necessário o auxílio do google imagens. O legal de pesquisar “abc” lá é que aparece um montão de fotos infantis e, quando tudo isso termina, você se depara aos prantos, relembrando momentos tristes da sua infância. Que situação chata.
K – Odeio não lembrar nenhuma palavra que comece com K para odiar.
L – L-E-T-R-A-S. Letras são as células que compõem toda a estrutura corporal do abc. Sem elas, não existiria abc, sem abc não existiria meu ódio, sem o meu ódio o mundo seria um lugar melhor para viver.
M – Moscas. Bzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz!
N – Posso parecer mimado, mas odeio ouvir um não de minha mãe, ainda mais quando se trata de algo que eu quero muito.
“O – ... P – ... Q – ... R – ... S – ... T – ... U – ... V – ... W – ... X – ... Y – ... Z – ...”
Meu mimimi se deparou com uma rua bloqueada por um muro de pedra enorme. Ali, pintado nos tijolos vermelhos da construção, lia-se: "BLOQUEIO CRIATIVO, POR FAVOR, PEGUE A VIA DA ESQUERDA"
A via da esquerda nada mais era que um escape do labirinto que o abc se tornara. Quando você cria algo de grande proporção, ou essa coisa vai te destruir e te jogar para baixou, ou ela vai fazê-lo ficar rico e famoso. No meu caso, ter digitado o abc me gerou uma sessão de tortura contínua. Eu estava enfrentando o meu medo, trabalhando com o meu ódio. Eu estava sendo destruído.
Ganhei a chance de criar um final alternativo.
Enchi o meu coração de ódio e, embora quisesse que essa fosse uma história de recuperação e transformação, apenas posso dizer que, mesmo percebendo a grande verdade, não me esforcei nem um pouco para mudar. Eu amava odiar e isso já fazia parte de mim. Não importa o quão alarmante isso fosse. Sair da minha zona de conforto era um risco muito grande. Infelizmente, não sou o tipo de pessoa que gosta de correr riscos.
É nesse instante que eu fico entediado mais uma vez. Qual o sentido de tudo isso? Compartilhar com pessoas as coisas que eu odeio? Talvez eu esteja sendo babaca e criando um monstro devorador do meu precioso tempo. Isso é algo completamente inútil em minha vida, não vai acrescentar nem tirar. Se eu mesmo não sei a resposta para as minhas atitudes, quem vai saber?
Espero que você não fique chateado ao saber que não terminarei esse abecedário. Até o paragrafo anterior, fui tolo o suficiente para acreditar que a criação desse abc fosse inútil, mas protesto contra o meu próprio argumento. Sem ele, não estaria pensando no que estou pensando agora e, talvez, só talvez, o que eu estou pensando agora seja algo bom para a melhoria do meu temperamento, mesmo sabendo que ele não vai mudar.
Não sei ao certo o que eu estou pensando. Meus pensamentos são tão embaralhados como o sentimento que chamam de a-m-o-r. Tão embaralhados quanto essa história. Nunca conseguiria explicá-los. A única coisa que posso dizer é que tudo isso me fez perceber que:
Passei a odiar tanto algumas coisas que deixei de amar outras.
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