Assim como não enxergava o fundo daquele rio mesmo durante o dia, ele não enxergara – e principalmente não aceitara – os sentimentos de Lynn naquela época.

Ele fumava calmamente seu cigarro preferido com o corpo apoiado na estrutura da Ponte Neuf, enquanto olhava o rio que corria por baixo daquela ponte, e era inundado por pensamentos desnecessários, em sua própria opinião.

Toda vez que fechava os olhos, conseguia enxergar perfeitamente seus cabelos castanhos e seus olhos verdes límpidos cheios de vida. Sempre felizes em ajudar, sempre ao seu lado, nunca o julgando e sem abandona-lo, mesmo nos momentos mais difíceis. Se ao menos ele não fosse tão burro... Tinha a garota mais excepcional ao seu lado e a afastou por bobagem. Como ele se arrependia!

Agora, aos pés de seus 30 anos, Castiel era um cantor mundialmente famoso, juntamente com Lysandre, como sempre sonhou desde o colegial. Mas ele não era feliz. Claro, ele tinha Lysandre e todos os seus fãs, porém, acima de tudo, ele não tinha Lynn.

Por culpa dele, é claro.

Na vez que ela o beijara de supetão, ele a afastou e disse que não se sentia da mesma forma, quando na verdade só estava com medo de se machucar de novo. Se ele soubesse que ela iria embora definitivamente pouco depois, para cursar uma faculdade no outro lado do país, talvez ele tivesse feito diferente...

O showbiz é um mundo de aparências, cheio de armadilhas, principalmente as emocionais. Se Castiel soubesse que conseguir realizar seu sonho seria tão solitário, ele teria reconsiderado.

Ele tentara a substituir de todas as formas, namorou outras cantoras, atrizes famosas, e até algumas fãs. Entretanto, toda vez que ele estava por cima delas, na cama de um hotel luxuoso qualquer, ele tentava imaginar Lynn ali, imaginava se o gemido da garota era parecido com os das moças que estavam embaixo dele, e desejava que quem estivesse ali compartilhando o orgasmo fosse ela.

Ele tinha a total consciência de que isso era injusto com essas mulheres que o amavam tão puramente, e o resultado disso era sempre: relacionamentos relâmpago que lhe renderam a fama de maior galinha do mundo da música. Mas... Era tudo sobre Lynn.

Sempre ela. Com seus cabelos sedosos, olhos brilhantes – mais tábua do que ele preferia, mas isso não vem ao caso. – personalidade incrível e com seu coração dançando em suas mão delicadas. Castiel só nunca a deixou saber disso, e ele sabia que essa fora uma decisão terrível. Pior do que ter aceitado o pedido de namoro de Debrah.

E mesmo depois de tanto tempo, Castiel mantinha o mesmo corte de cabelo e a mesma cor vermelho vibrante, com a esperança de que talvez, só talvez, Lynn o reconhecesse na multidão, ou na tv e tentasse fazer contato com ele. Mas quando o perguntavam sobre isso, ele apenas dizia que gostava de vermelho.

Um estúpido do caralho.

Ali naquela ponte, ele ria das próprias decisões estúpidas que tomara nos últimos 15 anos, enquanto apagava o cigarro.

Ele imaginava como estaria Lynn agora. Provavelmente formada em psicologia – ela realmente gostava de ajudar as pessoas – e casada, talvez com filhos. Ele desejava fervorosamente que ela não estivesse casada com Nathaniel. Afastou esse pensamento para longe e voltou a focar na garota. Será que morava em uma casa ou apartamento? Independente disso, ele conseguia perfeitamente imaginar ela se metendo na DR alheia tentando ajudar, e se dando muito mal no final.

O que ainda o fazia lembrar de todas as vezes que ela o ajudou... Quando o ajudou com as cordas da sua guitarra, e quando ela andou de um lado para o outro até arrecadar dinheiro o suficiente para comprar um novo amplificador pra ele, e da vez que ela lhe deu um chaveiro de caveira.

Ele tinha esse chaveiro até hoje.

Todos aqueles momentos só se tornaram prova o suficiente de que Lynn o amava, depois que ele percebeu que provavelmente jamais a veria novamente.

Castiel virou de costas para o rio, suspirando ao observar a ponte deserta. Apesar de ser um ponto turístico famosíssimo, não tinha motivo nenhum para alguém estar ali no meio de uma madrugada de segunda-feira.

Lambeu os lábios para sentir o ar frio da madrugada parisiense, e se deixou levar por seus devaneios.

Viu imagens de um namoro conturbado com Lynn – conturbado porque tudo entre eles sempre foi explosivo, como dissera a mãe da garota a muito tempo atrás – e depois um noivado por impulso, no meio da faculdade, onde ele cursaria música e ela psicologia. Viu a imagem do casamento dos dois, onde ela estava vestida de branco com um belo sorriso e ele com um terno desleixado e sua guitarra nos ombros. O chaveiro que ela lhe dera estaria no zíper da bolsa da guitarra. E ao invés de dizer “eu aceito” ele diria “pois é tábua, parece que estou amarrado á você pro resto da vida” e ela o chamaria de “grande boboca”. Ela engravidaria pouco depois de se formar na faculdade, e ele tocaria em bares para criar sua filha, uma menininha de cabelos negros e olhos verdes. Ela se chamaria Heloise, e depois eles teriam um garotinho que era a cópia de Castiel, ele se chamaria Rafael. Imaginou sua família brincando com Dragon II, e todos sorririam cheios de felicidade. E depois de muito sofrer, ele imaginou os dois velhinhos, discutindo por causa de comida, despreocupados, pois Heloise havia se tornado uma estrela do rock, e Rafael era um renomado advogado.

Ele acordou assim que um trovão cruzou o céu, dando inicio á uma chuva torrencial, que se misturava ás lágrimas de Castiel e abafava seus soluços.

Ele tinha alcançado seu sonho, mas sentia que estava errado, e chorava no meio da madrugada de baixo de uma chuva terrível.

E agora tudo que restara a Castiel eram seus devaneios. Os devaneios de um futuro que nunca aconteceu.