Fernweh escrita por MaeveDeep


Capítulo 3
Vamos celebrar nossa tristeza




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Capítulo Três – Vamos celebrar nossa tristeza

Uma varanda cercava o enorme chalé, e ele andou até o ponto mais distante do salão. Viu que se aproximava de uma silhueta, surpreendendo-se ao perceber, por fim, que se tratava de Atena, e o mundo não era cheio de estranhas coincidências? A deusa tinha o cabelo loiro preso em um coque baixo e volumoso, os cachos dourados quase sem cor naquela penumbra. Olhava para o vale abaixo deles com pouca atenção, mas provavelmente já havia percebido sua presença.

Poseidon parou ao seu lado, apoiando-se na murada e observando seu perfil. Ela sempre lhe fora tão estranha, jovem e velha ao mesmo tempo. Diante da proximidade, Atena virou-se lentamente para ele, cuidadosamente inexpressiva.

Poseidon percebeu que não sabia o que dizer.

– Qual é a palavra? – acabou perguntando. – Você disse uma vez que os alemães tinham uma palavra para tudo. Qual é a palavra para não querer ficar aqui e não saber para onde ir?

Atena deveria estar acostumada com perguntas fora de hora, porque não o mandou arrumar um dicionário ou perguntar para alguém que se importasse (o que Poseidon talvez fizesse, em seu lugar). Não, ela o analisou longamente, como se fosse precisar derrotá-lo em batalha ou esculpir seu rosto, ou ainda as duas coisas. Demorou-se dois segundos a mais em seus olhos, e então abriu um sorriso quase triste.

– Não é só isso, é? – perguntou, como se visse todas as nuances de seu casamento infeliz, do seu reino destruído e da falta de proximidade com a família. – Eu usaria toska – disse, em um tom ligeiramente mais baixo, voltando a olhar para o vale. – É uma palavra russa, sem tradução direta.

Algumas luzes já estavam acesas nas casas lá embaixo, mas Poseidon não achava que Atena estivesse realmente olhando para elas.

– E o que significa?

– Nabokov disse que não há palavra em inglês com todos os tons de toska – ela disse, sem se virar, sem que Poseidon sequer soubesse quem era o tal de Nabokov. – É uma sensação de grande angústia espiritual, às vezes sem sequer uma causa. É o desejo sem que se saiba pelo quê, uma vaga vontade de fazer algo que não se vê claramente.

Poseidon viu seus lábios sem cor começando a rachar naquele vento frio, os olhos cinzentos cheios de tristeza. Perguntou-se por quanto tempo ela estaria ali sem que ninguém houvesse ido procurá-la, e achou ter entendido o que significava aquilo tudo.

– Você parece conhecê-la bem.

Ela lhe ofereceu outro sorriso abatido, que ele viu apenas de lado. Vestia uma blusa de frio, mas não parecia incomodada com o vento. O jantar seria servido a qualquer momento no salão, e ele se viu com saudade daquele interior aconchegante e da grande lareira.

– Venha para dentro comigo – convidou, percebendo subitamente que tinha para onde ir. – Está frio aqui fora.

– Estou bem aqui.

E então Poseidon permaneceu ao seu lado, tendo a absurda ideia de que talvez lugar não fosse onde, mas com quem.

– Pelo menos pegue o meu casaco – ofereceu. Não gostava do cavalheirismo do gesto, mas gostava menos ainda daquela pele branca ficando ainda mais pálida. – Aqui – disse, em um tom que não aceitaria recusas, tirando o agasalho preto e o estendendo a ela, que parecia verdadeiramente surpresa.

– Eu... obrigada – Atena lhe disse por fim, aceitando-o. Poseidon notou que, após vesti-lo, ela manteve as mãos encolhidas por dentro das mangas compridas. Ergueu o olhar para o seu rosto, e a encontrou olhando para ele primeiro. – Por que está aqui fora?

E se ela lhe pareceu um tiquinho mais humana naquele momento – um pouquinho mais Atena e menos deusa suprema da sabedoria – a culpa foi daquele tom inegável de curiosidade em sua voz, do leve juntar de sobrancelhas.

Era algo tão normal que Poseidon teve de se lembrar do motivo de ter sido tão pego de surpresa, mas que culpa tinha se Atena sempre se sentava em seu trono como se houvesse sido esculpida nele, mármore sobre mármore?

– Estava pensando em ir embora – respondeu, sem que pudesse evitar. – Te procurando e querendo ir embora – corrigiu-se, começando a se incomodar com o frio. – Tive a sorte de te encontrar primeiro.

– A minha presença é um deleite – Atena replicou, voltando o olhar para as montanhas distantes. – Eu sei.

Poseidon mexeu as mãos sobre a murada, sem saber o que pensar daquilo.

– E você? O que te trouxe para cá?

– Nada – ela respondeu, quase em um suspiro, e ele não soube mais o que dizer.


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