Quem matou Afonso Dallas? escrita por azoo


Capítulo 6
Episódio V - Paixão Amendoada




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I

03/01/2016, 12h53min.

MARCELO ESTAVA SOZINHO EM SEU QUARTO. Tentava dormir — e queria —, mas não estava conseguindo. Ele parecia estar anestesiado com a embriaguez — que, por sorte, já estava passando aos poucos — e qualquer pensamento era horrivelmente ruim. Estavam embaralhados, incoerentes, beirando o paranóico. Era quase como se estivessem embrulhados numa caixinha misteriosa, prontos para se abrir e surpreender o portador, mesmo que elas estivessem em sua posse.

Ele se levantou. Foi até o banheiro e lavou o rosto. Estava cambaleante, mas as paredes serviam como o apoio necessário. Ele, de qualquer forma, não iria querer incomodar Drica. Ela já tinha feito coisas demais por ele. Sim, ela já tinha... Era uma mulher tão perfeita! Amava-o incomensuravelmente, inclusive tendo um apelido exclusivo para lhe demonstrar tal paixão. Ele a amava muito e não se via com outra mulher. Marcelo achava que nunca se apaixonaria novamente depois de Vanessa, sua ex-esposa, por quem lhe prometera amor eterno um pouco antes do parto mortal de Eduardo, mas estava enganado. Redondamente enganado. Agora ele estava apaixonado por Drica; a doce, bela e perfeita Drica.

Marcelo lavou o rosto na pia. Fitou-se no espelho e encontrou olhos injetados, avermelhados, com bolsas arroxeadas circundando-lhes. Os cabelos compridos, presos agora em um rabo de cavalo feito por Drica, pendiam frágeis. O físico maroto, fruto do tempo que passara na academia, ajudando os clientes e também fazendo exercícios, estava exposto pela falta da camiseta; estava quente demais para usar qualquer veste. Ele se perguntava se podia ficar pelado, somente esperando Adriana retornar. Ela iria deitar em sua cama e, quando menos esperasse, teria uma surpresa daquelas — e enorme. Ele achou que isso seria conveniente. Eduardo, seu filho, poderia chegar com ela, mas ele, como sempre, como não tinha muita afinidade com o pai — parecia a Marcelo que ele estava mais apegado à Drica, e ele até gostava disso; era bom quando o filho se dava bem com a futura madrasta —, dispensava qualquer demonstração de afeto, preferindo ficar em seu canto enquanto Adriana ajeitava as coisas. E, para todos os efeitos, era só expulsá-lo inventando qualquer desculpa esfarrapada que ele engolisse.

Marcelo jogou-se na cama e tirou o short. Retirou a cueca e, nu, começou a acariciar seu membro. Iria se masturbar um pouco, mas não ao ponto de gozar antes que Drica chegasse e ele a comesse. Iria esperar... mas, oh, cara, como isso era bom! Naquele contínuo ato, Marcelo começou a se inebriar — e não era de bebida. O prazer consumia-lhe o cérebro, trazendo-lhe uma paz e um deleite eterno. Como ele adorava sexo. Devia ser outro de seus vícios, porém isso não importava. O pior, que era o das drogas, pelo menos em sua visão, já estava esquecido, acorrentado nas profundezas do mundo vil.

De olhos fechados, aproveitando o momento, Marcelo não percebeu quando alguém entrou no quarto e fechou a porta.

— Sabe — disse Otávio —, vi por uma brecha da porta que você estava se batendo uma. Deveria ter mais cuidado.

Marcelo se sobressaltou. Por sob as cobertas, deixou as mãos caírem. O volume continuava enorme, pulsando. Ele sentia um formigamento, ainda querendo o desfecho daquilo.

— Sai daqui, Otávio.

Otávio foi se aproximando. Estava em frente à cama.

— Calma, tio. Nós podemos nos ajudar mutuamente.

Marcelo arregalou os olhos. Seu membro vibrava debaixo da coberta.

— O que você quer dizer com isso?

Já na cama, engatinhando.

— Você sabe o que eu quero dizer. — O rapaz começou a massagear o pênis debaixo da coberta. Marcelo hesitou, tentou empurrá-lo, mas a avidez era maior do que ele. Ele permitiu. — Isso. Nós dois iremos ganhar com isso.

E Otávio foi fundo. Chupou até Marcelo gozar.

II

03/01/2016, 12h57min.

ASSIM QUE ELE GOZARA EM SUA CARA, Otávio se esgueirara para o banheiro e lavara seu rosto. Havia feito isso por que estava na seca. Já fazia algum tempo em que enfiava a boca num bom pau. Ele preferia um determinado jovem, mas o tio Marcelo havia saciado. Era um homem bonito, com aquele corpo maravilhoso, mas não tinha a energia que Rodrigo tinha.

Ah, Rodrigo... Como Otávio o queria...

III

03/01/2016, 13h01min.

JULIANA HAVIA DEMORADO PARA ENCONTRAR Joana. Primeiro, o lugar era enorme. E, segundo, ela não estava fazendo muita questão para encontrá-la. Tudo bem que Afonso lhe havia pedido para avisá-la que ele a esperava nos Aposentos Reais, mas ela não se importava. Já estava segura de si o suficiente para burlar — ou pelo menos se atrasar um pouco — algumas ordens, por mais que fossem vindas do chefão.

Na cozinha, lavando louças, Juliana a encontrou.

— Joana, Sr. Afonso está te chamando. Ele quer que você vá ao quarto dele.

Joana assentiu. Ela secou as mãos no pano de prato e deixou as vasilhas da mesma forma que encontrara.

— Virgínia — gritou —, me cobre aqui, querida!

A empregada robusta veio correndo.

— Tem um encontro, é?

Joana ignorou-a e saiu do recinto.

— Acho que ela não está muito a fim de conversar — pontuou a médica.

— Ela sempre é assim: uma vadiazinha — confidenciou Virgínia, os enormes seios, repletos de gordura, balançando enquanto ela esfregava uma panela. — Sempre foi ranzinza. Até tentei colocar um apelido carismático e fofinho nela, “Joaninha”, mas ela simplesmente odeia. Ela também nunca diz um “obrigado”, um “por favor”. Pede pra gente fazer um monte de coisa por ela, mas se recusa a ajudar as outras. Nem sei porque eu ainda estou fazendo isso. — Ela ensaboava o bule por fora atabalhoadamente. Juliana queria saber quando fora que pedira para Virgínia descrever a vida inteira da colega de trabalho. Não é a toa que é tida como fofoqueira, pensou a loira, com desgosto. — Ela sempre foi muito isolada e calada. Bem, ela finge que é assim, mas quando digo que vou contar uma fofoca, ela adorava ouvir. — Virgínia olhava vagamente para as louças. — Só abre a boca pra reclamar do nosso serviço de limpeza. Por isso o Sr. Afonso prefere ela. — Ela se virou rapidamente para trás para encarar Juliana. — Bem, é isso que ele diz, mas eu acho que tem mais coisa aí. Falando no Dallas, como ele está?

Abruptamente, Juliana fechou o semblante. Não gostava do velho, mas parecia a ela que, mesmo que fosse por uma simples questão de comiseração, precisava fingir pesar. Ela escolheu as palavras:

— Acredito que ele não tenha muito mais tempo de vida. — Virgínia se assustou ao ouvir isso. Sempre era muito difícil para todo mundo falar sobre o estado de saúde de Afonso. — Eu pedi para que ele se encaminhasse para um hospital.

— E deixa eu adivinhar: ele não quis. — Juliana assentiu. — É a cara dele. Sempre foi tão metódico, sistemático e meticuloso.

— Ele disse — prosseguiu Juliana — que queria passar as últimas horas com a família. Aguentaria qualquer dor para ficar perto dela.

— Bonito da parte dele — observou Virgínia, de costas para Juliana, lavando as louças.

— Sim. — Depois de um tempo, Juliana finalizou a conversa: — Vou pro meu quarto.

Esperar o marido da Valquíria, completou Virgínia, em pensamentos. Ela havia visto, pelo buraco da fechadura, o que tinha acontecido entre as quatro paredes do quarto de Juliana. Valquíria não iria gostar muito disso. Mas, bem, por enquanto, isso não lhe serviria para nada. Era melhor que ela continuasse com a boca fechada — principalmente com aquele tipo iminência — e esperar o melhor momento para colocar a boca no trombone. Afinal, Virgínia não tinha fama de fofoqueira a toa.

IV

03/01/2016, 13h04min.

ANTES DE ENTRAR NO QUARTO DE AFONSO, Joana reparou na figura pétrea que flanqueava a porta. Era a gárgula de estimação dele, como ele mesmo dizia. Para ele, aquela criaturinha, que estava solta do chão, servia de proteção. Era algum tipo de misticismo que Joana dispensava. Para o Dallas, era aquela gárgula quem estava lhe estava estendendo a vida. Ele achava que, se não a tivesse, ele já estaria enterrado há tempos.

Dando de ombros, ela entrou no quarto.

— Que bom vê-la — disse Afonso. — Sente-se aqui, querida. — Joana era a única empregada a quem ele tratava com certo respeito.

Joana o achou extremamente apático. Ele estava muito mal. Devia estar num médico, mas, como ela conhecia o temperamento carente do homem, ele iria preferir morrer em sua própria casa.

— Você tá bonito, em? — tentou brincar.

— Não precisa mentir, minha cara. Sabemos que eu não durarei mais que uma semana. Quer dizer, nem sei se vou passar de amanhã.

— Não diga isso, Seu Afonso. — Joana era também a única empregada que usava o “Seu” em vez do “Sr.” — Você vai ficar bem.

Afonso pegou a mão dela.

— Estou tão ruim que ainda nem consegui ver meus filhos. Pedi para que viessem pra cá e ainda nem os cumprimentei. — Ele parecia secretar-lhe tudo aquilo. Joana sentiu um imenso apreço pelo velho e temia muito por sua morte. — Acho que tenho medo de que eles não gostem de mim. Digo, ao me ver nesse estado caquético.

— Eles sempre vão te amar. — Os olhos de Joana estavam marejados. — Eles sempre vão te amar. Eu sempre vou te amar!

Ela se lembrou dos bons momentos que passara com o velho. A verdade era que, para ela ter todo esse tratamento exclusivo, muita coisa já tinha acontecido, só que ambos não mencionavam nada. Ainda quando Afonso desfrutava de um casamento com Heloisa Dallas, antes de morrer num acidente de carro, Joana e Afonso tiveram uma linda noite de amor. Fora também só aquela noite, e preferiram que tudo continuasse da mesma forma. Mas, desde então, Joana ainda o amava e o homem passara a tratá-la com muito mais carinho.

Joana estava chorando, a cabeleira clara meio úmida.

— Não chore, por favor. — Ele secou as lágrimas que vertiam dos olhos amendoados da mulher. — Não quero que sinta pena de mim.

— Me desculpe. — Ela se levantou e retomou a postura. — O que você deseja, Seu Afonso?

— Sem formalidades. — Afonso conseguiu rir. Era um riso rouco, rascante, que doía em sua garganta. — Quero que chame meus filhos para uma visita. Peça a todos para virem ao meu quarto. Irei vê-los por uma última vez antes de...

— Partir dessa para uma melhor — completou Joana, os cabelos de um castanho claros suados. — Pode deixar, Seu Afonso.

Ela já ia saindo, mas cessou ao ouvir a voz melancólica e apaixonante do homem, o seu eterno amor.

— Obrigado, Joana. Por tudo.

Joana, sabendo que só iria se machucar — e machucá-lo — mais ainda se demonstrasse afeto, somente assentiu, sem virar as costas.

— Certo, Seu Afonso. Eu também lhe agradeço. Principalmente por aquela noite de amor. — Ela ainda estava de costas. — Ela foi inesquecível.

Joana deixou o Quarto da Reclusão.

V

03/01/2016, 13h05min.

JORGE AMOLAVA UMA FACA DE APARÊNCIA chamativa, com um cabo azul estonteante e uma lâmina extremamente reluzente. O pessoal provavelmente iria querer um churrasco no outro dia, já que, neste, não houvera; e, para isso, uma faca amolada era necessária.

— Jorge — disse Valquíria, se aproximando daquele quartinho cheio de entulhos. — Aconteceu alguma coisa entre você e sua filha? Ela parecia meio triste durante o almoço.

— Olha, você me desculpa, Valquíria, mas isso é um assunto meu e dela. Não te diz respeito.

Valquíria nem sabia por qual motivo estava ali. Na realidade, ela sabia: Mirian era uma mulher muito bonita para ficar com aquele semblante triste. Ela estava querendo que Jorge conversasse com ela para, no fim, Mirian botar aquele sorriso estarrecedor no rosto novamente, o mesmo sorriso que Valquíria admirava, mas que, por estar casada e este ser um compromisso sério — eles tinham um filho, afinal —, não passaria disso: uma mera olhada e um desejo carnal resguardado em seu âmago.

— Tudo bem, então — disse ela, fitando Jorge amolar aquela faca de cabo azul.


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