Quem matou Afonso Dallas? escrita por azoo


Capítulo 5
Episódio IV - Convivência Acordoada




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I

03/01/2016, 12h32min.

ROBSON CHEGOU À SALA.

— Onde você estava, amor? — perguntou Valquíria.

Assistindo à televisão, a família toda se encontrava na sala. Havia alguns membros remanescentes ainda à mesa, terminando de almoçar. Era Marcelo, que, bêbado, estava sendo auxiliado por Adriana e o filho, Eduardo. Robson sabia que, como Valquíria, eram os dois filhos mais rebeldes da família. Enquanto Gabriel e Melissa trilharam um caminho mais aristocrático, os outros dois preferiram a plebe, se unindo muito cedo no mundo das drogas. Por sorte, tudo que Valquíria havia se viciado era em tatuagens e cigarro. Todavia, Marcelo fora mais fundo nesse poço, tendo de ser internado numa clínica de reabilitação. Agora, ele estava livre das drogas, mas ainda sofria do alcoolismo exacerbado.

Pelo que se sabia, Marcelo havia se engajado numa academia que lhe dera forças para continuar. A namorada dele, Adriana, uma moça jovem, ruiva, cujos cabelos eram vívidos e de aspecto ígneo, trabalhava com comércio e, por isso, na soma de fatores monetários, eram o filho que tinha menos condição. Não era pobre, mas também não chegavam ao nível sublime de Melissa e Gabriel. Um ponto que corroborara para o estado clínico do homem também fora seu primeiro casamento. Acontecera muito cedo, forçados sobretudo pelo potencial nascimento do filho. Infelizmente, a ex-mulher dele havia falecido durante o parto, deixando Marcelo a cuidar sozinho de Eduardo. Mas parecia aos telespectadores que Eduardo agora tinha o apoio de Adriana como uma figura materna, pois tinham uma convivência um tanto quanto afetuosa.

Retirado dos devaneios, Robson sorriu para a esposa.

— Estava vendo a casa. Pensei em ir falar com Afonso, mas fiquei sabendo que ele não gosta de ser incomodado. — Juliana lhe dissera isso, mas ele preferira omitir a origem da informação. Valquíria não iria gostar. Ela já sabia que Robson não morria de amores por ela e vivia com várias outras mulheres, mas, como sempre, preferia fingir que não sabia para não piorar a relação já débil deles. — Digo, ele nem falou ainda com os próprios filhos que chegaram para justamente para ver ele! — Robson, obviamente, não perderia a estagnação da inconveniência. Era de seu feitio, assim como fazer brincadeirinhas em horas indesejadas e inoportunas.

— Papai é muito sistemático — observou Gabriel, meio indiferente.

Impassível quanto às alfinetadas, Valquíria estava perdida em pensamentos.

— A casa? — murmurou Valquíria. — Ele tava vendo a enfermeira.

Meio isoladas, Lígia conversava com Virgínia. Por ser muito grande e saber disso, a empregada preferia ficar longe da porta. Estavam próximas a um encontro da parede.

— Olha lá — indignou-se Lígia —, como eles têm coragem de permitir que um filho desses retorne pra casa? Ele tá caindo de bêbado!

Virgínia, que já tinha fama de fofoqueira, estava adorando o papo.

— Ele não costuma vir muito aqui, mas, quando vem, o Sr. Afonso trata ele com muito carinho. Nem parece que ele já foi usuário de drogas.

Lívia se empertigou.

— E ninguém parece se importar com uma coisa dessas! Olha — ela apontou para o pessoal que assistia televisão —, os três irmãos estão desfrutando desses programas promíscuos, cheios de dançarinas seminuas, enquanto o mais novo está naquele estado.

— Pois é. Por isso que eu sempre digo que essa família Dallas é estranha.

II

03/01/2016, 12h33min.

MAIS UMA VEZ, Mirian não aguentava a arrogância do pai.

— Eu não acredito nisso, pai! Não acredito que você disse isso!

Jorge andava em círculos. Estavam num canto remoto do jardim para evitar que os outros ouvissem. Estavam bem perto de uma planta venenosa muito bonita, que Jorge insistia para retirá-la, mas que Melissa e Afonso, os proprietários, diziam que não havia perigo; não havia animais de estimação e ninguém seria louco para comê-la. Ela precisava continuar ali para enfeitar o ambiente.

Jorge desviou o olhar encolerizado da filha e fitou a planta com flores vibrantes e folhas vistosas e vicejantes. Os ramos nasciam virentes. Tornou a olhar para a filha.

— Isso é verdade — insistiu. — Você poderia estar morando de baixo de uma ponte passando fome. Mas você está aqui. Você tem um teto, tem comida e um emprego.

— Isso não é vida! Você sabe das coisas que acontecem aqui... Isso não é vida! — repetiu impetuosamente.

— Não me culpe pelos seus erros.

A relação entre eles sempre fora muito difícil. Desde a morte acidental da mãe de Mirian, Daiana, que precedera em alguns meses a morte de Heloisa, num acidente de carro, as coisas pioraram. Eles sempre viveram ali, na Mansão Dallas. Não tinham mais para onde ir e, ali, tinham um teto e um emprego. Ele havia conhecida Daiana lá mesmo. Ela era uma empregada e, por consequência da proximidade e do destino, eles eventualmente ficaram juntos, até a morte através da queda das escadas durante o serviço retirá-la dos braços de Jorge. Tiveram uma filha antes disso, Mirian, que, como Afonso sempre deixara claro, poderia viver com eles, mas, logo, quando atingisse a maioridade, teria de sair ou se tornar uma empregada, o que acontecera. Desde então, Mirian sempre culpava Jorge pela morte da mãe e lhe dizia — era seu melhor argumento — que a vida que tinha era horrível e que, por isso, ela tivera de encontrar outros meios, os mesmos meios que, hoje, eram responsáveis pelo seu sentimento de desprezo por tudo e todos, como se fossem culpados pelos seus próprios erros.

Infelizmente, o ciclo vicioso da família fidalga se repetiu. Depois que Jorge ficara sabendo da gravidez de Mirian e que o pai não iria querer a assumir a filha, Gabriela, para dar-lhe uma vida digna, longe daquele lugar, a garota tivera de continuar vivendo sob o mesmo teto. Sofria os preconceitos diários. Ela sofria até na escola, que, por sinal, ficava a vários quilômetros de distância e era necessário que Jorge a levasse com um dos carros da família Dallas e que, por isso, ele tinha que ceder parte de seu dinheiro para pagar a gasolina e os consertos eventuais. Xingavam-na de empregadinha e ingênua, como Gabriela lhe contara, o que a fizera tornar-se uma pessoa tão inibida como era.

Mirian sonhava em conseguir dinheiro suficiente para ela e sua filha irem embora da mansão. Fazia alguns serviços extras para tal, com a ajuda de Afonso, sempre visando ao bem da filha. Não era totalmente legal de sua parte esconder isso da filha, mas o que ela pensaria se descobrisse? Mas a verdade era que tudo que estava acontecendo em sua vida, tudo que ela tivera que fazer, fora por culpa do pai.

Mirian usou outro motivo para jogar na cara de Jorge que a vida que ele dava para sua família era um lixo.

— A Gabi tem que viver como uma porca por causa de você! — Ela adorava aumentar os fatos, estendendo-lhes uma veracidade que só existia em sua mente distorcida e abalada por tudo que passava.

— O que falta em você, minha filha, é humildade. Você não suporta viver assim porque quer ser uma deusa. Você queria ser famosa e tudo mais. Você é desprezível. — Jorge bem que tentava amenizar a situação e não tentar responder no mesmo nível que a filha, mas a situação parecia obrigá-lo a tentar consertar a situação antes que ela se tornasse irreversível, o que já estava a poucos passos de acontecer. — Eu sinto muito se você acha a sua vida horrível, mas saiba, minha filha, que há pessoas que sofrem muito mais do que você e que dariam tudo para trocar de lugar de vida com você.

Embora abominasse a soberba da filha, Jorge ainda queria que o melhor para ela. E, se o melhor para ela era ser rica e esnobe, ele daria uma ajudinha da forma que conseguisse.

III

03/01/2016, 12h47min.

EDUARDO E ADRIANA LEVARAM MARCELO PARA o quarto onde ele e Adriana iriam dormir. Ele estava totalmente embriagado e, a cada palavra que proferia, notava-se de longe o bafo ébrio. Eles acharam, no fim, que o melhor era que ele ficasse quieto, dormindo. Estariam perto, no quarto ao lado, o de Eduardo, para caso ele precisasse de alguma ajuda, como ser assistido a ir ao banheiro para vomitar ou fazer as necessidades que, na visão de Adriana, infelizmente, são inerentes a todos os seres humanos.

— Estaremos aqui do lado, Mar. — Era o apelido carinhoso que Adriana usava para mostrar que gostava muito dele. Marcelo adorava isso e, prestes ao que ela ia fazer, Adriana precisava aparentar afeto e carinho. — Durma bem.

— Obrigado, Drica.

Eles deixaram o quarto e fecharam a porta. Não trancariam, pois talvez pudessem precisar voltar rapidamente para acudi-lo de algum possível acidente, como cair e meter os dentes no guarda-roupa. Adriana e Eduardo esgueiraram-se para o quarto do jovem e, ao adentrar o recinto, trancaram-no. O aposento era de tamanho mediano, como todos os outros. Tinha uma única cama de solteiro, um sofá que ficava embaixo de uma janela, um guarda-roupa contra a parede da porta e uma mobília cheia de gavetas. Ademais, como em todos, havia um banheiro que contava com o simples e necessário: vaso, chuveiro e pia, somente se excedendo com alguns luxos convidativos.

— Fecha a janela — pediu Eduardo. Adriana correu e colocou as cortinas para tampar a visão de qualquer telespectador que pudesse existir. — Vem.

Ele se sentou na cama e esperou a mulher. Ele gostava dessa sensação de urgência, de pecado. Trair o próprio pai era algo muito ousado de se fazer, mas, dadas as condições em que Eduardo fora criado, ele não havia criado um laço muito firme com Marcelo. Desde pequeno, era ignorado por ele, que saía para o mundo, indo beber, transar e usar as porras que ele usava. Eduardo havia aprendido desde cedo a se virar e, depois que Marcelo atingira o píncaro do vício e tivera de ser internado, Eduardo tivera que viver com alguns familiares da mãe. Logo, ele nunca tivera muita proximidade com o pai. Mesmo quando ele voltara quase bem — ainda haveria o vício do álcool conseguido algum tempo depois (e mais outro que e o filho não conhecia) —, Marcelo começara a passar todo seu tempo livre dedicando à academia que cuidava. E, naquele tempo em que ficara na academia, trabalhando e bebendo nos bares das redondezas, acabara conhecendo a famosa Adriana, uma comerciante do bairro. Eles haviam se engajado num namoro que parecia promissor. Bem, até ela ser apresentada a Eduardo e, então, cair de amores pelo filho mais jovem e fofo que o namorado. Quando aconteceu o primeiro beijo deles, ambos assistindo a uma série policial, o gênero que Eduardo adorava, enquanto o pai estava na academia, tudo entre os dois pareceu ter mudado. Já estavam conformados com aquela paixão. Eles estavam apaixonados um pelo outro. E, para não magoar o pai, que ainda estava em processo de familiarização e socialização, e não prejudicar sua saúde, preferiram não contar nada depois do que acontecera. E, desde então, eles vinham mantendo essa farsa de mãe-e-filho para agradá-lo. Eduardo ainda pensava no dia em que contaria ao pai.

Eles se beijavam com urgência e voracidade. Eles ainda não haviam chegado a ter relações sexuais — talvez fosse um acordo tácito entre eles para honrar o resto de dignidade remanente que devia haver em Marcelo —, mas Eduardo ansiava por isso. Mas, enquanto não podia, ele se contentava com aquele tesão maluco, a bunda rebolante em cima de sua rola durona e os beijos ávidos e quentes.


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