Destinados escrita por Tsuki Dias


Capítulo 6
5 - Briga de Bar


Notas iniciais do capítulo

Esse é o momento que todas as fãs do Óculos Quebrado estavam esperando!
Mais uma vez, obrigada à Cora por ter paciência para betar esses capítulos e me aguentar falando do Mikki por horas auauhahau



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Kira saiu do mercado com uma expressão derrotada estampando o rosto. O dinheiro que reservara não dera para comprar o que precisavam para enfrentar aquela viagem e todo o resto que dispunham tinha ficado nos bolsos de Damon, literalmente. Talvez, se vendesse uma de suas joias, pudesse fazer dinheiro suficiente para atravessarem três reinos com folga, mas isso resultaria em uma arma a menos em seu arsenal. Lissa precisaria dela quando aprendesse a controlar a magia.

Caminhou um momento por entre os habitantes dali – tomando cuidado para não ser vista – e avistou os primos no lugar onde os deixou, felizmente. Lissa lia sentada ao chão e encostada à base da estátua de Marte, com Leo parado ao lado, parecendo um guarda-costas realmente intimidante. Ele levantou o olhar quando percebeu sua aproximação (um pouco tarde, diga-se de passagem) e a observou atentamente, assumindo uma expressão de entendimento. Sacudiu a cabeça por um momento e levou um dedo aos lábios, pedindo silêncio. Tinha mais coisas com que preocupar os primos que a gestão do parco dinheiro do trio.

– Kira... Esses livros são ótimos! – a menina anunciou animada, mas controlando a voz como fora instruída. – Nunca imaginei que o que aprendi na escola pudesse ter esse tipo de aplicação! Mal posso esperar para aprendê-los!

– Fico feliz em ouvir isso! – sorriu satisfeita, observando o feitiço que ela estava estudando. – A próxima cidade fica um pouco longe, mas há uma pousada no meio do caminho. Vamos parar lá perto para passar a noite.

– É seguro? – Leo perguntou com ênfase, olhando-a com atenção e intensidade, reparando em sua mão pousada na lateral do corpo.

– Farei ser. – ela garantiu, pondo-se para andar. – Rany, barreiras e proteção, introdução e entendimento. Tem até a noite.

– É quase o livro todo!

– Então comece logo. – limitou-se apenas a olhá-la de soslaio com um sorriso sarcástico no rosto, voltando a andar rápido.

Precisavam sair dali rápido... A cidade estava tomada.

–-**--

Lissa era melhor do que imaginava. Ainda não era hora do crepúsculo e ela já estava especulando sobre a mecânica das barreiras e como conjurar uma. Com base nas explicações do livro e as suas, conseguira fazê-la entender o básico, com a pequena esperança de que ela conseguisse envolver uma pedrinha ainda naquela noite, isto é, se conseguisse fazê-la liberar uma pequena rachadura em seu muro.

Leo, por outro lado, estava com um pouco de dificuldade em conter a energia assassina que suas adagas emanavam. Não foram poucas as vezes que os mais entendidos o olharam desconfiados quando passaram pelas ruas da cidade, e aquele tipo de atenção era realmente desnecessário quando se queria sumir do mapa. Claro que detalhara diversas formas dele executar o feito, mas ele recusara, dizendo que o faria de seu jeito antes de entrarem em outra cidade novamente.

“Você que sabe.” Foi a resposta mais branda que conseguiu dar.

– Como faço uma dessas? – Lissa apontou para uma coluna no livro, indicando uma barreira simples de proteção de área.

– Pensamento e construção. – Kira parou em meio às árvores em que estavam e observou em volta, situando-se. – Tenha certeza do que quer fazer e comece a moldá-lo. Visualize seus componentes e lhes dê ordens. Mas por enquanto faça algo mais simples, sem muitos comandos.

– Como?

– Primeiro: teríamos que abrir sua veia mágica para você ter poder para fazer qualquer coisa. – ela falou, voltando a andar. – Como vamos montar acampamento mais a frente, teria que ser uma barreira forte e impenetrável, mas nenhuma de nós tem poder para isso. A barreira perfeita esconderia até mesmo nossos sons, como uma bolha. Lembra-se da que eu fiz quando lutamos contra Erischen? Forma básica de batalha.

– Eu... Eu preciso mesmo estar desperta para fazer essas coisas? – uma ponta de medo se revelava em sua voz.

Kira parou e olhou para a prima por um momento, capturando aquela expressão aflita da menina. Naquele momento, lembrou-se do início de seu treinamento; do medo que passara quando as informações começavam a vir rápido demais e do medo de magoar seu avô para sempre. Aquele era um passo sem volta na vida dela, e sabia exatamente o que ela teria que encarar dali por diante... Sozinha...

– Infelizmente sim, Lys. – Respondeu por fim, dando uma rápida olhada em Leo. – Sinto muito.

– Tudo bem... – ela respirou fundo e a encarou com determinação brilhando em seus olhos cinzentos. – Faremos o que temos que fazer, certo?

– Certo. – concordou, apontando para uma elevação feita por um tronco mais a frente. – Vamos ficar ali essa noite.

Os três permaneceram em silêncio enquanto preparavam o local para passarem a noite. Kira delimitara a área com um galho de árvore, enquanto recitava algum tipo de encantamento. Lissa reconheceu aquelas palavras com surpresa, não por já tê-las decorado do livro, mas sim por tê-las ouvido de lábios de que não se lembrava mais. Alguém lançara aquele encanto de zelo há muito tempo... Bem perto dela... Alguém que não era Ceci.

– Como vai fazer fluir de volta a minha mágica? – Lissa perguntou seriamente.

– Eu? Não... Farei você se liberar sozinha.

– Não é cedo? – Leo perguntou preocupado.

– É tarde... – Kira se postou na frente da prima e levou as mãos à cabeça dela, deixando seus polegares tocarem-lhe a testa enquanto os outros dedos pousavam sobre os cabelos laranja. – Feche os olhos. Esvazie qualquer coisa que vier à mente. Preste atenção aos sons dessa floresta e nossas respirações. Relaxe e não pense em nada. Procure dentro de você o lugar onde sua magia está guardada... Visualize... O que vê?

– Portas... Um corredor cheio delas. Muitas fórmulas... – ela balbuciou. – Há gente nelas, tem luz passando por baixo...

– Procure bem, Lys. É algo diferente das outras. Algo que a identifique.

– É... Pequena... Está trancada e não há luz passando... Algo se move dentro dela.

– Tem fechadura?

– Não... É pequena demais.

– Tudo bem. Fizemos progresso. – Kira suspirou, passando as mãos pelo rosto da prima. – Procure a chave que a abre, está em suas mãos.

– Vamos comer? – Leo perguntou, passando um braço pelos ombros de Lissa. – Creio que fazer qualquer coisa com o estômago vazio não seja uma boa.

– Verdade. Venham comigo. A estalagem de que falei não está longe. – ela sorriu, pondo-se a andar depois de proteger bem a área em que acampariam.

De fato, o local não era longe do acampamento (o que desagradou um pouco Leo no quesito segurança), mas os dois pontos ficavam perto do rio, então ele relevou a escolha da prima. Caminharam em silêncio pelas árvores, tomando cuidado para não serem emboscados, até os murmúrios de conversa ser ouvidos e as luzes da estalagem ser vistas de onde estavam.

Pararam no limite da mata e observaram o local por algum tempo, notando a peculiar mistura de estilos. Máquinas e veículos dividiam espaço com montarias e outros objetos estranhos de locomoção. Clientes iam e vinham a toda hora – fossem do modo tradicional, voando, ou saídos de portais, como os de Kira – tão singulares quanto o resto do povo que viram naquela terra. Alguns pareciam personagens dos filmes de Star Wars, enquanto outros se passariam por habitantes da Terra Média enquanto tomavam algumas com os companheiros das histórias de King e Lovecraft. Lissa quase abordou um suposto orc para perguntar se Mordor ficava muito longe.

– Tem muita gente. – Leo comentou preocupado. – Tem certeza?

– Esse lugar é famoso. Como é o último ponto antes da fronteira, aqui vive cheio. O que é ruim para nós, que queremos passar despercebidos. Mas com o tanto de gente ali, ninguém vai notar. – ela falou vigilante, sem esconder o sorriso. – É bom para fazer dinheiro.

– Não é arriscado?

– Qualquer coisa que façamos daqui por diante será arriscada. Mas graças ao nosso adianto, os inimigos que estiverem lá não estarão atualizados. Nem saberão do prêmio por nossas cabeças. Se nos pegarem, estaremos fritos.

– Vamos voltar, então! – Lissa pediu temerosa.

– Não. Vocês precisam comer. – Kira falou, tirando de seu bolso três capas claras e um pequeno cinto, onde um par de punhais descansava enrolado. – Lys, esses são seus.

Lissa pegou o embrulho e observou o presente dado. Um deles tinha o cabo branco e dois gumes, enquanto o outro tinha o cabo preto e apenas um fio de corte. Observando-os bem por alguns momentos, pôde perceber o que eram. Tinha lido sobre eles num dos grimórios que o Tio e Kira lhe davam para estudar, mas nunca achou que teria os seus próprios tão cedo. Athame e Boline... Dois dos instrumentos essenciais na magia.

– Vistam. – Kira passou-lhes as capas claras, cujo capuz tinha bordados cinza e nas costas uma ampulheta mesclada com o sol e a lua: o brasão da casa do tempo. – Mantenham o rosto baixo e evitem falar. Escondam bem as armas e não deixem que as vejam.

– E se nos pegarem? – Leo perguntou, enquanto arrumava o capuz sobre os cabelos de Lissa.

– Dificilmente chegarão perto de vocês. Pensarão que são aurores em missão, e esse tipo de gente é evitado a todo custo em lugares assim. Mas se algum idiota quiser puxar briga... Esmague.

– Ok. – ele riu, acariciando inconscientemente o cabo de suas armas, que pulsaram sedentas em resposta.

– Tome cuidado e se as coisas esquentarem, voltem para o acampamento o mais rápido possível. – ela soltou os longos cabelos da trança em que estavam e os deixou cair em ondas sobre seu corpo, como um véu prateado com fios de ébano e ametista cujas pontas quase chegavam ao chão. Penteando as madeixas com as mãos, ajeitou-as de modo que desse a si mesma ares sensuais e misteriosos. Ela era realmente muito linda. – Qualquer problema... Não nos conhecemos.

E com o assentimento dos dois, seguiram para a estalagem movimentada. Provavelmente, durante o dia o lugar não passaria de um barzinho ou um restaurante familiar, onde os quartos acima abrigavam inquilinos e moradores. Mas à noite é que a imagem mudava. Muito movimento, muita gente e muito perigo. Lugares assim atraíam viajantes de qualquer tipo, era a “Tortuga” daquelas terras e qualquer negócio era bem vindo.

Inclusive o que Kira iria fazer.

Deixou-se ficar para trás e observou atentamente quando o casal se embrenhou na massa beberrona que tomava a porta da frente, parecendo tão comuns e insignificantes que sequer foram notados. Suspirou aliviada e entrou também, recebendo a atenção imediata de todos ali. Embora o falatório e a descontração não tivessem cessado num silêncio sinistro, sentia que qualquer coisa que fizesse não passaria despercebida por nenhuma alma ali.

Principalmente as masculinas. Podia sentir os hormônios aflorando naqueles machos.

Manteve a cabeça erguida e, passando a mão pela cabeleira, estampou no rosto sua melhor expressão, observando ao redor como se procurasse algo para se entreter naquela noite. Caminhou sem dificuldade pela turba, notando o movimento ritmado que faziam para dar-lhe passagem, assim como os servos do castelo em dia de visitas diplomáticas. Nunca achara graça naquele comportamento servil de seus criados, mas naquele momento era cômico.

Amotinou-se no bar e sentou-se num banco alto, bem em frente ao simpático barman, que fazia as bebidas tão rápido que parecia que o mundo ao redor dele se movia devagar demais. O que provavelmente era verdade.

– Noite animada! – sorriu para ele quando teve-lhe a atenção. – É alguma comemoração?

– Não necessariamente, senhorita. – rugas se formaram no canto de seus olhos escuros, expressando a felicidade do sorriso marrom em seu rosto. – Mas é um dia especial para mim.

– Seja lá o que for, meus parabéns! – sorriu com ele, como se o conhecesse de longa data. – O que temos para hoje?

– Viajantes, comerciantes, soldados... De tudo um pouco, eu diria.

– E de qual deles alguém como eu poderia ter alguns trocados?

– Depende do que pretende, moça. – ele suspirou decepcionado. – Você é bonita, pode fazer qualquer um aqui lhe dar o que quiser.

– Sou uma boa garota, senhor. – ela sorriu com malícia, arrancando o entendimento do homem. – Mas eu gosto de fazer coisas más com quem merece.

– Nesse caso... – ele riu, preparando uma bebida. – Sente-se e espere um pouco. Sua diversão chegará logo.

– Do jeito que eu gosto?

– Grandes, burros, barulhentos e violentos. – ele segredou. – Aspirantes.

– No ponto! – sorriu agradecida para o homem e virou em seu banquinho, observando a multidão.

Avistou num canto discreto, Leo e Liss sentados contra a parede, comendo a saborosa comida de Burm. Era a coisa mais divina dali, ganhando até das bebidas premiadas. Mas nunca tinha estado ali para saber daquelas coisas. Alguma parte de seu cérebro lembrava vividamente do gosto da comida, da ardência das bebidas e da atmosfera descontraída que aquele lugar tinha. Podia jurar que nunca tinha estado ali, mas não tinha absoluta certeza. Afinal, não sabia que tipo de feitiço Anami lhe lançara e não era a primeira vez que se lembrava de coisas que nunca viveu.

Um vulto negro lhe chamou atenção ao aparecer sorrateiro na soleira da porta aberta. Parara alguns segundos, analisando o local, e depois sumiu de vista num borrão negro. Kira acompanhou sua trajetória com o canto dos olhos, antes de vê-lo parar no balcão ao seu lado, espalmando a mão grande sobre o tampo enquanto inclinava o corpanzil para frente, chamando a atenção de Burm.

Era alto, forte com sua musculatura definida – não exagerada – aparente apesar das vestes pesadas. Seu rosto estava encoberto pelo capuz surrado, mas ainda se podia distinguir as sombras de suas feições e o brilho prateado do monóculo que usava no olho direito.

– Lá em cima, por favor. – Burm lhe falou, apontando para a escadaria ao fundo. – Que bom que veio, doutor.

O vulto-homem assentiu uma vez e, lançando um olhar afiado e analítico para a bela moça ao seu lado, voltou à sua forma incorpórea e deslizou habilmente pela turba, antes de atingir as escadas e subi-las apressado.

– Doutor? – perguntou de relance.

– Minha neta está para nascer. – ele sorriu radiante.

– Como disse: parabéns!

Um estrondo se fez ouvir do lado de fora, antecipando um bombardeio de vozes barulhentas e risos irritantes. Medo e revolta foram sentidos dos clientes no local e Kira se preparou para a bomba que irromperia a porta em alguns segundos. Um grupo de hominídeos grandes e peludos, armados e protegidos com as cores dos Aspirantes, entrou de sola no bar, fazendo mais barulho do que o necessário. Muitos dos outros clientes deram passagem ao grupo e, após pagarem o que deviam, saíram do bar antes que tivessem problemas. Outros se limitaram a ignorar tal massa enfadonha.

Leo e Lissa se empenharam em se manter na incógnita e felizmente nenhum daqueles Aspirantes notara os emblemas das capas. Na verdade, ninguém nunca notava.

– Burm! – aquele que parecia ser o líder do bando gritou ao socar uma mesa. – Pode começar com a cerveja! Rápido, que estamos sedentos!

Viu de relance o homem suspirar antes de começar a preparar o pedido daqueles brutamontes, mais devagar que das outras vezes. Kira observou-os por algum tempo, antes de decidir como agiria contra eles. Eram brutos, barulhentos, egocêntricos e burros, muito burros. A toda hora eles se socavam, faziam nojeiras ou brincadeiras imbecis uns com os outros, como animais irracionais. O gorila-mor parecia ter um pouco mais de consciência e não parou de olhá-la nem um minuto sequer.

Sorriu satisfeita, dando inicio à operação. Tinha que reunir todo o dinheiro deles de uma vez e de modo prático, mas sem se expor demais. Ou se divertir de menos.

– Ora, ora. Parece que o céu existe, afinal! – ele falou depois de se aproximar. – Quer beber com a gente, doçura?

– Muito gentil de sua parte, mas acho que não devo... – recusou manhosa, enrolando os dedos nas madeixas prateadas, parecendo mais sensual do que pretendia.

– Que é isso! Não faça doce! – ele sorriu vitorioso, agarrando sua mão com força. Droga... Aquilo ia ficar marcado.

– Que aperto forte você tem! – controlou a voz e fingiu um sorriso maravilhado, correndo os dedos pelos músculos saltados. – Ai, ai...

– Então gosta de força? – um dos outros caras perguntou ao se levantar, exibindo o corpanzil e recebendo um olhar assassino do líder.

– Sim! Homens fortes me deixam doida! Principalmente os brutos... – ela sorriu maliciosa, dando-lhe uma piscadela. – Mas tenho tantas opções aqui que fiquei indecisa.

– Não precisa ficar, Gracinha. Sou o mais forte daqui. – o Gorilão puxou-lhe o rosto e exibiu os músculos exageradamente saltados.

– Mesmo?

– Corta essa! – um cara do outro lado do bar se levantou e arrancou a camisa, exibindo a musculatura luzidia. – Sou muito mais que esse macaco de zoológico aí.

– Cale a boca, verme! – o rugido do Gorilão ecoou pelo bar enquanto se colocava em guarda, pronto para atacar quem quer que fosse.

– Rapazes, acalmem-se! Assim vocês me deixarão mais indecisa! – ela ofegou, abanando a mão contra o rosto.

– Não há outra opção! Eu sou o seu cara. – o homem da camiseta falou soberbo, puxando-a com firmeza e acariciou seu rosto com os dedos. – Vou te levar à loucura.

– O caramba que vai! – o Gorilão rugiu, empurrando o cara. – Ela é minha!

– Podemos resolver isso de outra maneira? – ela pediu, se interpondo entre os dois. – Talvez com uma competiçãozinha amistosa?

– É? E o que quer que eu faça para te provar de uma vez que sou eu quem vai ficar por cima? – o Gorilão perguntou, pegando seu rosto com brutalidade. Tomara que sua cura natural não deixasse as marcas daquele porco em sua pele.

– Braço de ferro? – sorriu sedutora, livrando-se daquele toque com sutileza. – Assim não terei dúvida nenhuma.

– Ótimo! – ele gritou, puxando-a pela cintura. – Braço de ferro! Quem de vocês vermes acha que pode me desafiar?

– Vou te fazer engolir os dentes! – o cara da camiseta falou, puxando-a para seus braços. – Eu vou ganhar!

– É só pela garota? – um do grupo do gorila perguntou desanimado. – Podiam apostar uns trocados no meio.

– Dinheiro e diversão? Não podia ficar melhor! – outro cara riu, jogando algumas moedas sobre uma mesa maciça. – Espero que saiba usar bem a boca, Moça. Gosto que engula.

– Só para o vencedor. – sorriu-lhe com uma piscadela, notando o volume crescente em sua braguilha. – Me surpreendam.

Com um urro, os homens se dirigiram à mesa e jogaram em uma bolsa moedas e joias que serviriam de pagamento para a aposta. Uma bolsa não foi o suficiente para alocar o volume monetário, antes que Kira pudesse contar, quatro bolsas cheias se amontoavam a seus pés enquanto a quinta ia pela metade em cima da mesa.

Viu, pelo canto dos olhos, Leo gesticular indagativo, perguntando o que estava fazendo. Jogou o cabelo por sobre o ombro e ignorou-o, focando-se na pequena briga sobre as regras da disputa.

– O perdedor sai. – falou com firmeza, mal esperando para aquilo acabar logo. – Sem trapaças! Estarei de olho!

Com um “hoy” absurdamente alto, a primeira dupla se posicionou e começou a métrica de força. Burm assistia tudo de longe, à parte daquela sandice. Um a um, os perdedores raivosos se arrastavam para um canto, lambendo as feridas do ego machucado antes de ir embora com o rabo entre as pernas. Aos que ficaram, algumas mulheres se ofereciam para compensar o prêmio perdido e não podiam reclamar de rejeição.

Na hora em que o Gorilão sentou-se à mesa, ninguém teve força para detoná-lo. Realmente, o cara tinha força bruta respeitável, mas só isso. Kira precisava admitir que se fosse fraca e caísse nas mãos dele, sairia quebrada na melhor das hipóteses. Isso se fosse fraca.

Uma grande tensão se instalou quando os três foram se enfrentar. O primeiro a tentar desbancar o Gorilão foi o cara da camiseta, não tão alto, mas igualmente musculoso. Os dois se prepararam, trocando ameaças e insultos, e começaram. Três ou quatro minutos depois o Gorilão havia batido o braço do outro contra a mesa, jogando-o no chão no processo.

O outro cara riu com desprezo e sentou-se, confiante de que ganharia. Foi a mais demorada que já tinha visto até ali. Exatos quinze minutos se passaram antes de ser derrubado também.

Os urros e vitória eram estrondosos, enquanto ele se exibia e tirava onda com os perdedores. Por um momento, Kira observou o vencedor com desgosto disfarçado. Não pôde deixar de imaginar o que aconteceria se permitisse que ele a possuísse e não reprimiu os arrepios de repúdio que sentiu.

Memórias repulsivas britaram em sua mente.

– E agora, ao meu prêmio! – ele a puxou com violência, enterrando a cabeça peluda em seu ombro, enquanto tentava tirar-lhe a roupa.

– Calma! – pediu controlada, tentando não sair do personagem. – Posso testar sua força?

– Já vai ver na cama, garota. – ele grasnou impaciente. – Venha logo.

– Só quero ter certeza, querido! Me deixe ter uma partida com você! – pediu manhosa, desenhando círculos sobre o peito dele. – Se você ganhar, terá o pacote completo.

– Feito!

– Se eu ganhar...

– Gracinha, se você ganhar vai ter o que quer. Se ganhar, coisa que não vai acontecer. Mas vamos brincar, já que quer tanto. Assim não torra mais a minha paciência.

Kira não disse nada. Com um sorrisinho, viu-o jogar-se na cadeira e esperá-la impaciente com a mão em riste. Sentou-se na cadeira oposta com delicadeza e preparou o braço, pousando a mão na dele e sentindo-o apertar mais que o necessário.

Os minutos passaram enquanto as chacotas começavam e ela esperava que ele fizesse o movimento. Quando ela começou a sentir os movimentos do braço dele, sorriu encorajadora, sem se mexer. O braço dele tremia e as veias em seu músculo saltavam a cada tentativa que ele fazia de tentar derrubá-la. E não podia descrever o prazer que estava sentindo.

– Pode começar, querido. – falou solícita, vendo o suor escorrer por aquela cabeçorra. – Não precisa ser cavalheiro e me deixar vencer. Vamos!

– Va... dia... – ele grunhiu.

Suor escorria por seu rosto e podia ver as veias do pescoço quase estourarem tamanha a força que ele fazia. As chacotas e risadinhas dos observadores começaram a morrer a partir dos grunhidos que aquele brutamonte dava. A perplexidade geral era quase cômica, se não fosse a aura assassina que começou a pairar sobre a multidão.

– Vai mesmo me deixar ganhar? Que decepção! – ela suspirou debochada. Com um simples movimento do braço delgado, bateu a mão dele à mesa e empurrou-o para trás, fazendo-o rolar pelo chão. – Fico comigo mesma e o dinheiro. Obrigada.

O silêncio reinava no local, cortado apenas pelos resmungos do ferido. Juntou cada sacola e meteu-as dentro da capa, onde disfarçara um bolso dimensional, jogou os cabelos para trás e, com um aceno, se dirigiu à saída, vendo todos aqueles rostos encararem-na com expressões variadas.

– Vadia! – ouviu do gorilão atrás de si antes de um zumbido se fazer notar.

Girou rapidamente e apanhou o machado que ele atirara pela lâmina. Antes que pudesse reagir adequadamente, os comparsas dele se jogaram sobre ela, tentando derrubá-la a esmo. E foi quando atirou um deles sobre um desavisado que a verdadeira diversão começou.

Brigas de bar em geral eram um tanto sangrentas, mas nunca deixava de se divertir. Era quase ritualístico ver todos empenhados em acertar a cara um do outro e encarava aquilo como um rito de passagem em sua vida de guerreira. Já havia causado um rebuliço semelhante uma outra vez, mas nada se comparava à diversão que estava ali.

– Parem, por favor! Minha filha está em trabalho de parto! – Burm gritava desesperado em meio ao rebuliço.

E se o dono se empenhava em tentar pará-los, então a festa tinha chegado ao fim, infelizmente. Com uma última exibição de poder, incapacitou o gorilão e mandou-o ao chão, liberando um barulho estrondoso e um tremor ameaçador. Uma dose de silêncio se fez notar entre os brigões, quando se voltaram para ela com olhos assustados.

– Bem, chega por hoje. – falou autoritária. – Todos, para fora!

Um muxoxo geral se fez ouvir e o tilintar de armas foi alto o bastante para preocupá-la. Se começassem a sacá-las, não ia prestar.

O gorilão se levantou cambaleante e furioso, sendo amparado pelos companheiros.

– Vadia... – ele rosnou tentando alcançá-la.

O soco veio lento e previsível, já sem forças para sustentar uma luta, ainda mais com ela. Com um suspiro, Kira amparou o golpe e, valendo-se de toda sua força, jogou-o porta afora, fazendo-o rolar pela terra, assustando montarias e desavisados.

– Eu disse: FORA! – ela gritou, apontando para a porta.

Murmúrios e reclamações se seguiram de todos antes de saírem pela porta e tomarem seu rumo. Pôde ver pela multidão o gorilão ser levado pelos companheiros, ainda gritando e tentando voltar para brigar mais. Poucos minutos depois o local estava vazio, nem mesmo os mais fortes se limitaram a ficar. Kira suspirou aliviada e recostou-se ao balcão, onde Burm observava os prejuízos com preocupação.

– A última briga que tive aqui foi causada pela Princesa Destino quando ainda estava noiva do Príncipe dos Vampiros. – ele comentou, recolhendo cacos de vidro do chão. – Deve estar no sangue.

– Ou na criação. – ela riu, tirando uma bolsa de moedas da capa. – Por seu prejuízo.

– Há muito mais aí do que preciso.

– Mas deve cobrir qualquer tipo de dano. Seja moral ou material. Além do mais, a pequenina vai precisar muito. – ela sorriu. – Vou limpar para você.

– Agradecido, Milady. – ele baixou a cabeça e pousou a mão sobre o coração. Era a reverência da lealdade.

Ela sorriu encabulada e concentrou-se em sua tarefa. Pouco a pouco as mesas e cadeiras tombadas voltavam ao lugar, como se nunca tivessem se movido naquela noite, enquanto o vidro estilhaçado se fundiu novamente em novos e belos formatos.

– Por Chronos! – Burm exclamou, apanhando entre os dedos uma delicada rosa de vidro. – A senhorita é incrível!

– O... Obrigada... – Kira ofegou cansada, escorando-se pesadamente ao balcão. Realmente, magia não era seu forte e seria muito difícil esconder isso dos primos se continuasse abusando daquele jeito.

Sem Taiga, magia era uma prática mortal.

De repente, Kira enrijeceu e a adrenalina – aquela que a dominava toda vez que estava perto de alguém poderoso – pulsou em suas veias, deixando-a exaustivamente alerta e vigilante. Uma presença forte se fez notar no cômodo, ganhando poder e importância à medida que se aproximava. Não era um oponente que pudesse enfrentar facilmente, principalmente naquele estado.

O cara parou atrás dela e estendeu o braço com a mão aberta. O tempo parecia se mover devagar enquanto a tensão aterradora tomava o ambiente. Ela virou-se rapidamente e, instintivamente, agarrou aquela mão, desviando sua rota antes que a tocasse. De repente, todo o cansaço que ela sentia se esvaiu e um vigor impressionante a preencheu totalmente como não acontecia há anos. A tensão se transformou em estática e se converteu em uma onda de energia, que varreu tudo ao redor dos dois, jogando as longas madeixas para trás e fazendo cair o capuz do “doutor”, revelando claramente suas faces.

Era lindo. O rosto marcante e másculo estava emoldurado por cabelos lisos e escuros, que caíam fofos até os ombros. A barba por fazer dava-lhe um charme perigosamente tentador junto à boca fina e convidativa. Mas o foco de sua atenção eram os olhos: amendoados, de cílios cheios, fixos, penetrantes e bicolores. O esquerdo era esverdeado, brilhante como esmeraldas brutas. O direito, que se via atrás do monóculo prateado, parecia ser marrom com aquela sombra o encobrindo, mas se prestasse bem atenção, perceberia sua cor real: vermelho.

Tão vermelho quanto o sangue que corria em suas veias.

– Não se atreva, se quiser continuar com ambas as mãos ligadas aos pulsos. – ela avisou depois de empurrá-lo. – Podia ter te matado.

– Seria interessante vê-la tentar. – ele sorriu irônico, observando-a de cima abaixo com um toque de seriedade. – mas duvido que consiga nesse estado.

– E então, doutor? – Burm perguntou aflito. – Como elas estão?

– Vá vê-las, vovô. – o médico sorriu orgulhoso, mostrando o caminho até a escada com um gesto. – Parabéns.

Burm não esperou, seguiu apressado para as escadas e subiu-as de duas em duas, murmurando o nome da filha e da neta como um mantra de boa sorte.

O médico sorriu antes de voltar-se para a moça. Ia falar-lhe que curaria suas feridas caso não tivesse uma boa cura natural e lhe daria jeito nas cicatrizes que marcaram a pele de sua perna. Mas ela sumira, aproveitara sua distração e desaparecera noite afora.

Suspirou tristemente e voltou-se para o andar de cima. Tinha trabalho a fazer antes de voltar para casa, já que tinha quem ainda precisasse dele.

Era uma pena, mas não podia salvar todo mundo.


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Notas finais do capítulo

Edição feita em 25/04



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