Untitled escrita por Blue Butterfly


Capítulo 1
One-shot




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Tudo parecia errado e fora do lugar para Jane naquela noite. Tudo, absolutamente tudo. O jeito sedutor daquela paisagem africana que a colocava quase que em transe, fazendo-a esquecer dos perigos escondidos até mesmo em cantos remotos. O jeito como vento passava pelas folhas da árvores fazendo-as farfalhar desarmoniosamente. O murmúrio de algo a distância - era um sibilar de uma cobra? - que lhe dava calafrios. E, especialmente, o jeito como a voz de Maura havia soado tão gutural e em pânico.

Aquilo não tinha sido uma boa idéia. Tinha sido, de fato, uma idéia absolutamente péssima e incorreta. Mas Maura sempre a convencia, de alguma forma. Se salada verde faz bem, ela iria acabar comendo folhas. Se uma corrida matinal acelera seu metabolismo e faz você se sentir mais disposta, lá estaria Jane correndo pelas manhãs com Maura. Se viajar para a África para resolver um caso é uma-ótima-coisa-para-se-fazer-porque-afinal-nós-nunca-viajamos-juntas, Jane acabaria entrando num avião para um país onde tigres são criados como gatos.

O primeiro dia tinha sido cansativo, mas um tanto quanto agradável - tirando o calor que estava deixando tanto ela, quanto Maura, irritadas. Mas o céu estrelado a noite havia compensado o sol escaldante do dia. E Maura sorrindo e seus olhos verdes brilhando para ela, como se fosse o dia mais feliz de sua vida, ah, isso tinha valeria a viagem toda. Ou foi o que ela pensou.

Porque algo ainda estava errado. Ela só não conseguia nomear - ainda. Mas algo estava lá, se escondendo em becos escuros, fazendo os cabelos de sua nuca se arrepiarem. Algo dizia que ela e Maura pousaram exatamente onde precisavam para resolver o caso, mas algo dentro de seu coração gritava, esperneava, para que saíssem de lá o mais rápido possível.

Sua intuição estava correta.

'MAURA!' O grito de Jane cortou o ar da noite e em seguida se dissipou la fora na escuridão, resultando num silêncio ensurdecedor, numa pausa do tempo, onde ela encontrou dois pares de olhos claros olhando para ela: os olhos assustados de Maura, e os olhos ameaçadores do tigre. Arfando, Jane acabara de entrar por um buraco na parede - onde deveria ter tido uma porta ali, no passado - e estudou a cena surreal e inimaginável que estava na sua frente.

Um tigre de um lado do quarto, dentes à mostra, furioso, escancarando sua boca, exibindo presas brancas e afiadas, encurralando sua caça que era... Maura. A mulher tinha as costas apertadas contra a parede como se desejando atravessá-la como meio de escape, arranhões marcando sua testa e seus braços - para o desespero de Jane que se perguntou se o animal já tinha tentado uma investida contra ela . Entre eles, roupas coloridas que Jane imaginou pertencer a um palhaço se esparramavam no chão, as cores desprezando todo o perigo da situação e colorindo uma área que, se Jane não fizesse algo a respeito logo, poderia ser colorida futuramente por uma única cor: vermelho sangue.

Relutando - por medo de não alcançar Maura antes, e não por causa do tigre - ela avançou a passos lentos, a arma apontada para a cabeça do animal. O felino balançou a cauda em desafio e afofou as patas no chão. Jane temia não conseguir chegar até Maura antes da investida que o animal estava prestes a fazer.

'Não se atreva, sua besta.' A voz rouca soou rouca por causa da tensão. O animal mostrou os dentes de novo. 'Maura, anda até mim, devagar.'

Jane esperou por um momento e pelo cantos dos olhos viu que a loira não havia se mexido nem um pouco. Se ela não tinha escutado ou se estava paralisada de medo é algo que Jane jamais iria saber. O tigre abaixou a parte dianteira do corpo estudando cuidadosamente Maura, talvez calculando a distância. Jane não sabia o porquê mas havia sido ignorada. Quando a loira se encolheu um pouco mais, ela finalmente entendeu: ele queria uma presa, um alvo fácil, algo que pegaria em uma patada. A pata do animal... Era praticamente maior do que o peito de Maura. Uma investida e ela estaria morta.

'Covarde.' Ela murmurou entre dentes, o ódio crescendo dentro do peito. De jeito nenhum que ela permitiria que aquilo machucasse Maura. Ela não queria matar o tigre - era belíssimo, de fato, e ela se viu mais uma vez indignada pela beleza dissimulada de algo daquela cidade.

Belo e fatal.

Então somos dois, ela pensou enquanto adiantava a passos firmes em direção a Maura, arma firme nas mãos. Quando o tigre finalmente reconheceu a presença de Jane no quarto, tudo aconteceu demasiadamente rápido.

Furioso, o animal não perdeu mais um segundo e pulou para cima de Maura. Impulsiva, Jane pulou em sua frente e disparou uma, duas, três, quatro vezes. O animal caiu com um baque no chão ao mesmo tempo em que Maura desabou, sucumbindo ao medo.

Jane sentia o coração batendo fortemente no peito em protesto à loucura que acabara de fazer. O sangue pulsava tão forte que ela o ouvia nos ouvidos. Atônita, ela olhava o animal no chão, ali em seus pés, e as pernas de Maura entre suas pernas. Ela precisou de um minuto para reagir.

Maura.

Ela se virou e agachou no chão. A mulher tinha uma mão a boca, os olhos molhados de lágrimas e o olhar fixo no corpo à sua frente. A morena segurou seu rosto com as duas mãos, no mesmo instante Maura levou a mão da boca ao peito.

Ela não respirava.

'Maura. Olha pra mim. Hey!' Jane segurou-lhe os ombros e chacoalhou levemente, Maura só desviou o olhar do tigre porque Jane estava agora em sua frente. 'Maura, querida, tá tudo bem. Respira, Maur. Ok?'

A loira pegou uma golfada de ar, como se estivesse prestes a mergulhar e balançou a cabeça em positivo, para alívio de Jane. A morena nunca a tinha visto tão assustada. Nem com Hoyt, nem com Dennis.

Não, ela não poderia estar mais assustada. Elas já tinham chegado longe de mais para acabarem mortas ali. Maura sabia que Jane agiria por impulso, que ela não pensaria duas vezes antes de se colocar entrar ela e o animal. Mas elas já tinham chegado até ali e não seria justo, não agora, que Jane se arriscasse por ela. Não seria justo que ela terminasse morta. Nenhuma delas poderia terminar morta. Porque Maura estava tão perto de conseguir o que queria, e muito mais do que a morte, o que mais lhe causava arrepios era o fato de perder a chance de, finalmente, provar de algo que ela sabia que existia, que era possível:

'Jane.' Ela disse entre arfadas. Suas mãos agarrando os braços da detetive, tentando se afirmar em algo palpável enquanto sua mente dava voltas e voltas.

'Tudo bem, Maur.' Jane passou os braços em volta do corpo quase desfalecido da loira e puxou-a contra si e sentiu seu próprio corpo tremendo agora que a onda de adrenalina havia passado. Mas, 'tudo bem', ela sussurrou de novo pra reafirmar Maura e, dessa vez, a si mesma.

Jane apertou um pouco mais seus braços em volta de Maura e depositou um beijo em sua cabeça. Foi só quando Maura recuou sob seu toque que Jane lembrou de que ela estava machucada. 'Desculpa.' Ela começou, mas Maura segurou com força em sua jaqueta para mantê-la no lugar.

'Por favor.' Ela suplicou num sussurrou. O coração de Jane se partiu. Ela queria acabar com isso agora, porque odiava ver Maura assim.

'Querida...' Ela segurou o queixo de Maura e ergue seu rosto para ela. 'Tá tudo bem.' E plantou um novo beijo no meio de sua testa, longe dos arranhões. 'Juro. Tá tudo bem.' Seu polegar agora acariciava-lhe a bochecha enquanto seus dedos roçavam o cabelo loira atrás da orelha. 'Okay?' Jane ofereceu o que ela esperava ser um sorriso.

'Okay.' Maura murmurou, seus olhos verdes grudados nos marrons de Jane. A loira levou a sua própria mão em cima da de Jane, e segurou levemente, trazendo-a aos seus lábios e beijando a palma. 'Okay.' Ela repetiu, porque sua detetive estava ali com ela e o momento de terror havia passado, e embora ela mal estivesse sentindo as pernas ainda, ela tinha certeza de que tudo estava no lugar. Inclusive ela nos braços de Jane.

'Tudo bem.' Jane disse novamente, esperando que a cada nova vez Maura se sentisse mais segura e ela mais aliviada, porque se fosse encarar os fatos, bom, o número de sorte delas era equivalentemente igual ao número de azar do tigre: Oitenta centímetros um do outro. Dessa vez ela pousou sua testa gentilmente na da loira e naturalmente beijou-lhe os lábios, como se tivesse feito isso várias vezes antes. Um gesto natural, uma prova para Maura de que ela estava viva, de que ambas estavam, provando uma à outra a lucidez daquele momento. E não pareceu errado, nem estranho, e Maura beijou-lhe de volta. E então 'tudo bem' escapou-lhe dos lábios da loira quando elas se afastaram, e Jane teve certeza de que as duas palavras englobavam muito mais do que aquela situação quando braços apertaram sua cintura.

'Como conseguiu esses arranhões?' Jane colocou uma mexa de cabelo loiro atrás da orelha de Maura, seu outro braço apoiando as costas da loira enquanto mantinha seu corpo junto ao dela.

'Eu... cai.' Ela abaixou a cabeça, envergonhada.

'O que?' Jane perguntou e quase não conseguiu segurar o riso.

'Eu vi o tigre e fui me afastar e cai...'

'Oh, Maur...' Jane beijou seus lábios de novo. 'É melhor a gente limpar isso, não acha? Antes que você contraia aquela bactéria comedora de carne.'

Os olhos de Maura se arregalaram. 'Você acha que eu possa ter...?'

'Não,' Jane riu, 'não contraiu, Maura.'

'Oh...' Ela levantou as sobrancelhas em entendimento.

'Vamos sair daqui? Acho que a gente já teve demais por hoje. Tanto que não quero ir naquele safári de amanhã.'

'Mas, Jane!' Maura protestou enquanto Jane a ajudava a levantar.

'Não, Maur. Sem mais tigres ou leões ou qualquer outro felino. E só pra constar? Me recuso ser uma velhinha com gatos.' Jane agitou as mãos em protesto.

'Acho que você não vai precisar ser.' Maura disse enquanto beijava a detetive novamente.

A morena não disse nada, apenas sorriu em meio ao beijo e segurou Maura perto de si. Quando se afastaram haviam promessas dentro dos olhos das duas. Maura acariciou o rosto de Jane, os dedos passeando entre a bochecha para pararem aos lábios. Ela mal podia acreditar. Elas haviam se beijado, finalmente. O momento que Maura havia por tanto esperado, agora só confirmava o que ela sabia: Jane gostava dela na mesma medida de que ela gostava de Jane. Talvez o momento tivesse motivado Jane ao beijo, mas Maura sabia que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria. Sabia em cada momento que Jane segurava seu olhar, em cada vez que se comunicavam por um olhar. E pra alguém que nunca teve medo da morte, Maura temia não viver tudo o que planejava ao lado de Jane.

Foi quando a morena arrumou o peso do corpo sobre outro pé que Maura pôde vislumbrar por uma última vez o animal morto.

'Ele tá realmente...?' Ela começou mas Jane, acompanhando seu olhar, logo a cortou.

'Bom, eu vou precisar examiná-lo no necrotério. Você sabe como funciona. Entretanto, posso formular uma teoria sobre a causa de morte: duas balas direto na cabela.' Jane disse numa cópia perfeita de Dr. Isles e Maura riu.

E no meio de toda aquela estranheza, roupas coloridas ao chão, um tigre morto aos pés, um lugar empoeirado e nada, nada parecido com elas, uma coisa fazia sentido. Uma coisa parecia certa pela primeira vez desde que deixaram Boston: O jeito como as mãos de Maura encaixavam tão bem no pescoço e nuca de Jane; o jeito como os braços encontravam seu lugar naturalmente nas costas de Maura; o jeito como lábios rosados e macios se encontravam e se provavam, ultrapassando limites de amizade e embarcando em algo novo, desconhecido, excitante. Doce. Doce como nunca havia sido e como jamais deixaria de ser.


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