Talvez tenha sido insolação escrita por ally_albarn


Capítulo 4
Minha imaginação não era assim..




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Cheguei em casa, tomei um banho e fui jantar. Na mesa, meu pai, por trás de seus óculos, estava vidrado na televisão. Minha mãe comia enquanto cuidava do meu irmão mais novo de cinco anos, que já sabia comer sozinho, embora ainda gostasse de fazer um pouco de sujeira.

– Mãe, você se lembra de um menino que costumava brincar comigo na praia, na casa do vô?

– Sim, lembro de vários amigos que você fez durante nossos veraneios, querida.

– Mas você se lembra do Dimitri?

– Dimitri...

– É, aquele primeiro que eu fiquei amiga... de cabelo escuro... que fazia os buracos na beira da praia..

– Teresa, lembro que você todo o ano levava mais de dois dias para ir brincar com seus amigos, pois ficava muito envergonhada quando chegávamos, mas não lembro especificamente do nome de nenhum deles. Tinha os filhos dos Lakers, a filha dos Kamura..

– Não, não é de nenhum deles.. Na verdade eu não me lembro dos pais dele...

– Assim fica difícil de te ajudar minha filha – E voltou sua atenção para meu irmão.

Aquela noite fora longa. Comecei a pensar em todos os conhecidos dali. A maioria das crianças eu conhecia seus pais, havia estado no pátio de um e de outro durante os dias de veraneio. Porém, Dimitri só lembrava de vê-lo na beira da praia. Não sabia quem eram seus pais, ao menos se eles estavam ali. Não vinha em minha memória nenhuma imagem dele correndo até alguém, sentado de baixo de um guarda-sol, como eu tinha das outras crianças. Sempre que pensava nele, era sozinho, cavando a areia, rindo e correndo pela beira da água.

Refletindo, peguei no sono. Tive pesadelos, e mesmo acordando e dormindo novamente, eu os tinha. Em muitos momentos cheguei a acreditar que Dimitri não existia, que era apenas fruto da minha imaginação. Algum tipo de mecanismo de proteção que minha infantilidade criou para que me fizesse bem em momentos ruins. Acordei aturdida com o despertador.

O dia seguinte foi horrível. Fui para a aula corcunda, como se durante oito horas um trator houvesse rolado pelo meu corpo de cima a baixo.

– O que aconteceu contigo Tess?

– Nada, só tive dificuldades pra dormir durante a noite – respondi às meninas preocupadas.

Passei a aula inteira refletindo:

“ Dimitri existiu. Não pode ter sido apenas imaginação minha. Tá certo que já tive muitos amigos imaginários, mas... eles eram bichinhos coloridos, com cara de boneca, coisas que toda criança imagina e não um menino comum que gosta de fazer buracos na areia... E se ele fosse morador de rua? Será que ele dormia no canto de quiosques, e pedia comida para os donos ou comia escondido o resto que os clientes deixavam na mesa?”

– Abram na página 574! – Ouvi a professora dizer.

Era aula de biologia, e, folheando o livro, coincidentemente passei por uma imagem de um siri. Parei para observar e, repentinamente, uma lembrança em minha memória surgiu.

Era um siri. Eu o encarava, no início de uma duna de areia. Ele estava parado, e eu o fascinava. Uma mistura de medo e de curiosidade me deixavam paralisada em frente ao ser marinho que encarava de volta com seus olhos negros, que lembravam...

– Agora que terminamos a lição, por favor, façam os exercícios do final da página. – A professora terminou e sentou em sua mesa.

Meu olhar divagou dela para Yoan. Ele segurava o rosto, com o braço apoiado na mesa, com o lápis na outra mão e escrevendo no caderno.

Então, uma mão estendida apareceu no meu campo de visão. “Você não vem?” Dizia a voz de Dimitri, no meio da duna, me chamando para subi-la com ele. Eu segurei sua mão e o segui, ignorando o siri que andou de lado para longe de nós.

“Ele não é imaginário. Disso eu tenho certeza.”


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo vai pegar fogo! Auhauhaua aguardem!!