A Rainha dos Lobos escrita por Akiel


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Música desse capítulo: A Nearly Peaceful Place (The Witcher 2 OST)



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A Rainha dos Lobos

Capítulo I

O toque da chuva sobre a pele é gelado e aumenta a frieza sentida por se estar nesse lugar. Para qualquer direção que se olhe há somente destruição. Casas são apenas ruínas, quebradas e espalhadas pela terra. Até mesmo as árvores, altas e grossas, exibem as marcas da desolação em seus troncos. Sobre o chão, a grama é manchada pelo vermelho do sangue derramado. Apesar da chuva, o líquido vermelho ainda marca os corpos abandonados. Mortos. Tanta morte.

O olhar escuro é dirigido ao cinzento céu e um pesado suspiro escapa por entre os lábios entreabertos. Por que os Caçadores não podem se contentar com a parte do mundo que cabe a eles? É realmente necessário que eles invadam outros territórios e destruam toda e qualquer criatura que se recusar a se ajoelhar perante eles? A rainha abaixa o rosto e inclina a cabeça para a esquerda, escutando baixos soluços em meio ao sussurrar da chuva. Com um movimento da mão, ela indica a lateral de uma casa para seus soldados.

Com passos lentos e cuidadosos, os soldados se aproximam da construção, também ouvindo o baixo soluçar. Eles localizam a origem do som embaixo de uma larga viga caída e apoiada no que restou de uma parede. Um dos soldados se abaixa e, através da abertura deixada pelo ângulo de inclinação da viga, procura por alguém. Sob a escuridão da noite e do próprio esconderijo, o rapaz não consegue distinguir a face da pessoa que se esconde, sendo apenas capaz de reconhecê-la como humana. Um membro dos Feiticeiros, provavelmente. A terra destruída pertencia a eles, afinal.

A rainha se aproxima e coloca a mão no ombro de seu soldado, sinalizando para que ele se afaste. Assim que o rapaz se levanta e dá alguns passos para trás, a soberana se ajoelha sobre a grama e olha através da abertura. Um sorriso se desenha nos lábios vermelhos e ela estende a mão, chamando aquela se esconde. O movimento acaba por assustar e fazer com que a pessoa se encolha ainda mais em seu precário esconderijo, a ação fazendo a viga tremer e deslizar um pouco. Os soldados são rápidos e logo seguram a madeira, levantando-a e jogando-a para longe de qualquer pessoa.

A desmontagem do esconderijo revela uma jovem mulher vestida com as vestes comuns as feiticeiras, um longo vestido branco de mangas longas, no momento, manchado pelo marrom da terra e pelo vermelho do sangue. A rainha se aproxima, tocando o queixo da jovem encolhida e forçando-a a levantar o rosto e mostrar a face clara marcada por arranhões e cortes ainda abertos. O longo e liso cabelo negro se encontra bagunçado e os olhos escuros se encontram avermelhados pelo choro.

– Você não tem o que temer. Nós não iremos machucá-la. – a soberana diz em um tom suave – Eu sou Giselle, Rainha dos Lobos. Qual é o seu nome?

Demora alguns segundos para que a feiticeira ferida responda, o olhar apenas observando a face da rainha, procurando por sinais de alerta e perigo. Não encontrando nenhum, a jovem engole o choro e responde em um tom de voz quebrado e apenas um pouco acima daquele de um sussurro:

– Sou Janaína.

Nesse momento, o bater das asas de um dragão é ouvido ecoando juntamente com o som de um trovão. Alertas, os soldados desembainham suas espadas e assumem posturas de defesa. Enquanto um se aproxima da rainha, o outro se afasta um pouco, circulando a área em busca de qualquer pista que possa mostrar a presença próxima de um caçador.

– Nós precisamos ir. – o soldado mais afastado diz, os dedos brancos segurando o cabo da espada com força e os olhos escuros e atentos observando cada detalhe e movimento ao redor deles.

– Venha conosco, Janaína. – a soberana pede estendendo a mão e a oferecendo para a feiticeira – Não há mais nada aqui para você.

Respirando fundo, mas ainda assim trêmula, a jovem feiticeira aceita a mão estendida e, com a ajuda de Giselle, se levanta. A chuva é gelada e queima a pele de Janaína. Lágrimas escondidas pelo choro do céu escorrem pele face machucada e o coração da feiticeira dói ao ver a destruição de seu lar e a morte de tantos que ela conhecia. Ao sentir uma mão repousar em seu ombro, Janaína olha para o lado, encontrando o olhar compreensivo da rainha dos lobos.

– Vamos. – a soberana diz com firmeza na voz, os dedos deslizando até o pulso da feiticeira e guiando-a em direção ao interior da floresta.

Com um último olhar para a vila destruída, a feiticeira aceita ser levada para longe de casa.

xXxXxXx

O som da tempestade ecoa entre as paredes de pedra, o barulho do choque das gotas d’água contra o teto revestido de madeira é tranquilizante, se transformando em uma baixa e suave canção de ninar. O vento frio penetra por entre as frestas das janelas e faz tremular as chamas das tochas colocadas nos corredores e as velas nos quartos. Em um dos aposentos, uma rainha vela o sono de uma feiticeira. Os dedos da soberana contornam a face clara, as longas unhas, pintadas de preto, passando por cima dos machucados tratados. Uma mecha de cabelo negro é pega entre dois dedos e enrolada distraidamente. Não há nenhuma emoção clara na face de Giselle, apenas as sombras de pensamentos distantes e sombrios.

A rainha dos lobos abaixa o rosto encostando fracamente os lábios nos da feiticeira adormecida. Uma fraca e azulada luz deixa a boca de Giselle e toca a pele de Janaína, brincando sobre os lábios pálidos. Segundos se passam e a soberana se afasta, o movimento desfazendo a luz. Um estalido é ouvido vindo da entrada do quarto. O som faz com que a rainha levante da cama e dirija o olhar para a porta aberta, encontrando um de seus mais leais soldados. Há seriedade no rosto branco e fino e um mudo pedido de explicação nos olhos escuros. Nenhuma palavra deixa os lábios de Giselle, que decide esperar que o soldado seja o primeiro a se pronunciar.

– Isso é prudente? – o rapaz questiona indicando a feiticeira adormecida com um movimento da mão.

– Não há por que se preocupar, Juan. – a soberana responde se aproximando e tocando o queixo do rapaz com as pontas dos dedos. Giselle levanta o rosto para poder olhar nos olhos de seu soldado, seriedade, carinho e algo mais escondido em seu olhar, algo similar a melancolia – Janaína é uma feiticeira. Ela está tão conectada a Elrya quanto nós. – com essas palavras, a rainha afasta o toque que mantinha sobre o soldado e deixa o aposento.

– Ela é uma feiticeira, o que significa que ela é um alvo dos Caçadores. – outra voz, mais grossa e determinada, comenta.

– Não somos todos, Bruno? – a rainha rebate voltando seu olhar para o soldado que se manifestou – Os Caçadores insistem em esquecer o lugar que cabe a eles no mundo, caçando e destruindo, submetendo todos ao comando deles. – há raiva na voz de Giselle, embora o sentimento não permita que a imponência abandone o discurso da soberana.

– É por isso que devemos proteger os nossos. – Bruno afirma desencostando da parede do corredor e dando alguns passos em direção a rainha e Juan, a capa do negro uniforme balançando sob a força do movimento e da corrente de ar.

– Nós protegemos. – a soberana afirma com convicção, enfrentando o olhar de seu soldado – Nós protegemos os filhos de Elrya.

As palavras fazem com uma breve risada deixe os lábios do soldado.

– Os filhos de Elrya? – Bruno questiona com sarcasmo tingindo sua voz – Nós somos os últimos filhos de Elrya que possuem liberdade! Os Alryum são escravos nas mãos dos Caçadores, os Dragões foram domados e silenciados e agora os Feiticeiros foram capturados e, provavelmente, se tornarão tão escravos quanto os Alryum!

– E tudo isso não justifica salvar e proteger uma feiticeira, a última de sua linhagem a ter a chance de ser livre? – a rainha pergunta em um tom de voz mais baixo e suave.

A pergunta arranca um grunhido do soldado, que se vira, as mãos cobrindo os olhos. Compreensão e compaixão aparecem nos olhos de Giselle enquanto a soberana observa a frustração que domina a postura de Bruno, emanando do corpo do rapaz. A rainha se aproxima e toca os pulsos do soldado, forçando-o a abaixar as mãos e a revelar os olhos cheios de raiva má administrada. Com uma das mãos, Giselle toca a nuca de Bruno, mantendo o contato visual.

– Eu sei o que você está tentando dizer e fazer. – a rainha diz – Eu sei que você quer proteger os nossos, não assumindo nenhum risco que possa comprometer a liberdade da nossa linhagem. Entretanto, você tem que lembrar que, como filhos de Elrya, nós temos responsabilidade não só para com a nossa linhagem, mas para com todas as outras. – com o polegar, Giselle acaricia levemente a bochecha avermelhada do soldado, o tom de voz da rainha se tornando mais firme e convicto – Acredite em mim, nós não cairemos diante dos Caçadores.

Quando o soldado faz menção de responder, o som de passos ecoando pelo corredor captura a atenção de todos. Outro soldado se aproxima rapidamente, o uniforme sujo de terra e rasgado no peito e nos braços. Suor e chuva molham o curto cabelo negro e escorrem pelo rosto jovem acompanhados pela respiração descompassada que escapa por entre os lábios avermelhados.

– Caçadores estão rondando nossas terras, minha rainha. – o soldado reporta ao mesmo tempo que tentar controlar a respiração.

– Você acha que eles estão planejando um ataque? – Juan diz.

– Eles vão atacar. – Bruno afirma olhando para o companheiro – É só uma questão de tempo.

– Felipe? Os Caçadores cruzaram nossas fronteiras? – Giselle questiona mantendo uma postura calma e controlada.

– Não. – o soldado recém-chegado responde – Ainda não. – uma pausa – O que deseja que façamos?

– Nada. – Giselle responde – Deixem que rondem, que estudem nossas terras. Se o Rei dos Caçadores deseja que nosso lar se torne o túmulo de seus soldados, que assim seja.

xXxXxXx

O tilintar das correntes ecoa pelo amplo salão abafando fracamente o som dos murmúrios que correm por entre aqueles que estão presentes. Soldados com armaduras pretas e vermelhas seguram as correntes e puxam os homens e mulheres que elas prendem, forçando-os a se apresentarem perante o rei sentado em seu trono. Um puxão e todos os prisioneiros ajoelham, raiva e tristeza marcando as expressões nos rostos fracos, cansados e machucados. As brancas vestes dos feiticeiros estão manchadas de terra e sangue, mas esse detalhe parece não incomodar o rei, que se levanta com um sorriso nos lábios.

– Vejam! – o soberano exclama, os braços, protegidos pela armadura, abertos como se recepcionassem os recém-chegados – Os poderosos Feiticeiros, ajoelhados aos pés dos Caçadores! – a voz forte do rei ecoa pelo salão, os olhos azuis brilham com evidente satisfação e se focam no homem ajoelhado a frente de todos – Agora, só falta uma linhagem a se curvar.

As últimas palavras arrancam uma baixa risada do prisioneiro. A reação faz com que a pele branca do soberano seja tingida pelo vermelho da raiva e destaque o azul claro dos olhos e o cinza que colore a longa barba e o cabelo liso, preso em um rabo-de-cavalo.

– Como se atreve a zombar de minhas palavras, Eiran?! – o rei questiona com a raiva clara em sua voz.

– Você é um tolo se acredita que pode derrotar Giselle. – o prisioneiro responde com desafio na voz e no olhar dourado, o cabelo branco grudando no rosto devido à chuva e o suor – Ninguém pode fazer a Rainha dos Lobos se ajoelhar.

– Diziam a mesma coisa sobre os Dragões. – outra voz diz. O rei e o prisioneiro viram o rosto na direção do som, vendo um rapaz se aproximar. Não há armadura no corpo jovem, mas as vestes negras exibem o mesmo desenho de um dragão em vermelho no peito que há nas armaduras dos soldados. Fios de ouro caem sobre o rosto branco como uma cortina sobre os olhos azuis e são marcados pela fina coroa de prata que mostra a posição do rapaz – E nós os domamos. Agora, eles nos servem. Por que o mesmo não aconteceria com os Lobos?

– Príncipe Daniel. – Eiran chama com um tom de apelo em sua voz – Por favor, me diga que seu pai não o contaminou com a tolice que a ele domina.

– Já chega! – o rei grita, a mão colidindo com o rosto do prisioneiro em um tapa que corta a bochecha e deixa que o sangue escorra pela pele envelhecida – Você não vai mais insultar a mim ou a meu filho com suas palavras!

– Se você for, se você desafiar os Lobos, príncipe... – Eiran diz ignorando o rei e focando sua atenção no jovem Daniel – Você será o único que irá se ajoelhar.

– Isso é um aviso ou uma profecia, feiticeiro? – o príncipe questiona, desprezo aparecendo em sua voz ao pronunciar a última palavra.

– Um pouco dos dois. – o prisioneiro responde e, por algum motivo que o príncipe não consegue compreender, a força no olhar de Eiran faz com que um arrepio corra pelo corpo de Daniel e insegurança nasça no coração do rapaz.

xXxXxXx

– Você tem certeza do que está fazendo? – a pergunta deixa os lábios de Juan e faz com que um suspiro exasperado deixe a boca do amigo.

– Eu não vou agir. – Bruno responde sem parar de caminhar – Eu só quero ver o quão perto os Caçadores estão.

– Não confia em nossa rainha? – dessa vez, as palavras de Juan fazem o outro parar e se virar.

– Eu confio completamente. – há inquietação na voz de Bruno – Mas eu preciso fazer alguma coisa. E já que as ordens da nossa rainha me impedem de lutar, eu vou observar.

Sem dizer mais nada, Bruno vira as costas para o amigo, logo assumindo a forma de um lobo de pelos negros e olhos dourados e correndo em direção à fronteira que divide as terras dos Lobos das terras dos Caçadores. Juan respira fundo, usando as longas unhas para coçar a nuca. Poucos segundos são o que demora para que o soldado adquira a forma de um lobo de pelos de um vermelho intenso e escuro, próximo ao negro e olhos azuis e siga atrás do companheiro.

Distraídos, nenhum dos dois percebe que são observados. De uma das mais altas janelas de sua fortaleza, Giselle contempla seus mais poderosos e leais soldados, uma taça de vinho em sua mão e seu olhar tão nublado quanto o céu.


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Notas finais do capítulo

Por favor, deixem comentários. Críticas e sugestões são sempre bem vindas. Obrigada.