Ele Está de Volta escrita por ShadowReaper


Capítulo 1
O Navio




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Eu me lembro do momento em que acordei. Com os olhos pouco abertos, olhei para a janela, de onde vinha uma luz. Já tinha amanhecido. A cama me parecia menos macia do que costumava ser, e mais baixa também. Mas ignorei e voltei a dormir. Minutos depois, a porta se abre.

-Ah, Dona Ana Maria, que loucuras cometemos na cama de dois travesseiros! - falei.

-Mas o quê?

Olhei para cima. Não era a condessa de Villeneuve, e sim um homem forte e ranzinza, que logo me tirou do monte de rodos e vassouras derrubados em que estava dormindo e me tirou daquele pequeno quarto abafado.

-O senhor não sabe que é proibido entrar no almoxarifado?

-O quê? Mas eu não me lembro de ter entrado aí.

-Ai meu deus, já falei pra empresa proibir o álcool nos cruzeiros, mas ninguém me ouve né...

Olhei em volta. O piso era de madeira, e tinha água por todos os lados, então conclui que estava numa ilha. Porém estava em movimento, então era um navio. Mas era um navio muito estranho, principalmente pelo fato de não ter velas. Além disso era muito grande, diferente do Bargantim e do Corveta, com os quais estava acostumado. Além disso o clima estava um pouco frio, frio demais para ser dezembro. Então lembrei que podíamos estar no hemisfério norte ainda.

Agora a outra pergunta era como eu havia parado naquele navio. Teria bebido muito? Não, eu não bebo há muitos anos. Mas noite passada fui para a casa de Ana Maria de Abulquerque Villeneuve, uma de minhas amantes. Teria eu bebido naquela noite? Bem, se estava ali, ela deveria estar por perto, afinal ela não costuma me deixar sozinho. Outra coisa que queria saber é para onde esse navio vai, e como eu vou voltar. Tudo bem, pois uma pessoa de minha índole, A Ex-Vossa Majestade Imperial, Pedro II de Órleans e Bragança, O Segundo Imperador Brasileiro e O Primeiro Nascido no Brasil, Que Liderava A Quinta Maior Economia Do Mundo e A Monarquia Mais Duradoura Das Américas, com certeza seria reconhecida e bem-recebida em qualquer lugar que fosse. Mas antes de tudo, precisava de alguma informação. Vi um grupo de moças e resolvi perguntar à elas.

-Bom dia, para onde este navio vai?

-Je ne parle pas votre langue - disse uma delas, em francês.

Estranhei o fato dela não reconhecer minha figura magânima, o Imperador das Américas, mas logo pensei que por ser francesa elas não se importassem muito com a política brasileira.

-Je suis désolé, où le navire fera? - perguntei novamente.

-Rio de Janeiro, Brésil.

Então assustei. O que eu estava fazendo num navio indo para minha terra natal? Comecei a pensar. Há duas semanas já me encontrava nos aposentos de Ana Maria, coincidentemente no dia que viajei para lá Deodoro renunciou. Embora bastante caduco em seus últimos dias de governo, fazendo coisas como fechar o congresso e tudo mais, sempre foi um líder admirado, tanto pelo povo quanto pelos militares. Floriano Peixoto então assume a presidência da república. Desde então não tive mais notícias.

Mas é claro! Floriano foi um presidente muito fraco, o que causou várias revoltas que logo o depuseram. E enquanto estava fora alguém, provavelmente meu neto Dom Augusto, o comandante da marinha, veio para o Brasil e restaurou a monarquia, e ontem à noite foi à casa de Ana para me buscar, mas graças ao meu sono pesado eles me trouxeram dormindo mesmo. E por isso estou voltando ao Brasil para reassumir o trono, neste navio de última geração, com o conforto que todo imperador merece. Ah, mas eu sempre soube que o povo preferia a monarquia do que esta república ilegítima, feita por golpe de estado. A questão é como eu fui parar no almoxarifado.

Entrei no navio. Havia um grande saguão, cheio de luzes no teto e nas paredes, com várias pessoas mexendo em pequenas telas, de onde saíam outras luzes. Me perguntei de onde teriam surgido aparelhos que eu nunca tinha visto antes. Bem, provavelmente tecnologia inglesa. Mas logo que chegasse ao Brasil pediria ao senhor Gaspar Martins ou ao próprio Visconde de Ouro Preto que trouxesse essa tecnologia para o palácio.

Olhei para uma jovem moça que estava atrás de uma bancada. Ela tinha a pele parda, o cabelo negro e os olhos puxados. Constatei que era uma indígena. Ora, o que ela está fazendo aqui, se seu povo já não comprou as terras que eles estavam antes? Isto está muito errado. Se há índios vivendo entre nós e não em suas aldeias, devemos derrubá-las e vendê-las para fazendeiros. Assim o país prossegue sem ninguém ter o direito de reclamar. Então me aproximei da bancada, finalmente.

-Com licença, senhora.

Ela então olhou para o meu rosto e então para as minhas roupas, por alguns segundos, com o olhar de que estivesse procurando alguma coisa. Porém, não me reconheceu.

-Pois não?

-Em que dia chegaremos no Brasil?

-Em duas horas.

-O quê? - assustei. Seja lá que tecnologia era essa, precisávamos dela. Imagine, ir da Europa à América de navio em apenas duas horas! Conseguiríamos até executar O Projeto Secreto de Colonização Brasileira de Portugal Feito Por Dom Pedro I.

Me dei conta de que estava sem Isabel e Conde D'Eu não estavam comigo. Bem, deviam estar em outro navio, assim como meus avós fizeram em 1808. Então resolvi ler alguma coisa, olhei para uma penca de jornais e procurei um O País, e não encontrei. Bem, já devia ter acabado, então procurei um Gazeta de Notícias, outra vez sem sucesso. A penca estava cheia de jornais estranhos, dos quais nunca tinha ouvido falar. Até que então encontrei um chamado Folha de São Paulo. Um homem de camisa vermelha que estava do meu lado disse que não era confiável, mas peguei assim mesmo. Antes de tudo, li a data.

São Paulo, Brasil.

23 de Abril de 2016

Após ler a data, fiquei tonto e desmaiei. Teria eu ficado 125 anos desacordado? Não... Isso não pode estar certo. Aquele jornal devia estar errado. Acordo novamente em uma sala clara com as paredes brancas, em minha frente estavam duas pessoas de branco, uma com uma prancheta e um objeto estranho na mão, que estava usando para escrever, um com um cabo com uma trifurcação, estando duas nos seus ouvidos e uma em um objeto metálico que estava encostado no meu peito. Em seu avental estava escrito "Dr. Alisson Cesarini", logo ele devia ser um médico. Ao lado deles, uma jovem loira, com um uniforme de comissária de bordo, e o homem que havia me tirado do almoxarifado estava ao lado dela.

-Muito bem, senhor - disse o Doutor Cesarini - Está tudo bem, pode ir embora agora.

-O que houve? - perguntei, ainda com a cabeça doendo.

-Bem, parece que o senhor desmaiou - disse a comissária - Qual é seu nome?

-Pedro

-Eu quis dizer nome completo, vovô.

-Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Fr... - a comissária então me interrompeu e começou a olha um conjunto de folha de papel.

-Vejamos...Pedro Afonso...Pedro Barbosa...Pedro de Lima... É, nenhum Pedro de Alcântra - e então olhou para o homem ao seu lado - É esse o homem que encontraste no almoxarifado?

-Hã... Sim, foi ele mesmo.

-Puta que pariu Mateus - disse ela de novo - você tem que cuidar da segurança desse navio, já pensou se fosse um árabe indo pra Europa? - e então olhou pra mim de novo - E quanto a você, senhor, tem sorte de já termos chegado, caso contrário viraria comida de tubarão.

E então saí do navio, que já estava aportado há muito tempo. E ali eu estava, no Rio de Janeiro, novamente.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que Pedro II foi sepultado no Rio.



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