Transgressões escrita por Lucas C


Capítulo 9
Apenas Coincidências


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos! Aqui está o capítulo como eu prometi e ainda esta semana!
Ele ficou maior que os outros, espero que isso não seja um problema. Se for, avisem que nos próximos eu dividirei em duas partes.
Até lá embaixo ^.^



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APENAS COINCIDÊNCIAS

Jessika Wilbert estava nervosa. Ela se olhava na frente do espelho pela milésima vez sem ter certeza se estava vestida apropriadamente para o “evento”. Ela não conhecia tanto do Brasil assim e Melissa não foi clara o suficiente sobre o tipo de roupa que ela deveria usar.

A garota alemã encarou seu reflexo novamente no grande espelho do seu quarto. Seus cabelos loiros estavam soltos caindo em ondas sobre o busto, seu rosto estava suavemente maquiado dando um aspecto mais rosado às suas maçãs do rosto, o rímel e a sombra destacando seus olhos azuis tão claros que pareciam cinza e o batom rosa claro dando um pouco de cor aos lábios. Ela tinha optado por usar um short jeans com detalhes em renda, um par de saltos altos pretos, uma camisa de botões de musseline branca e um top branco por baixo desta. Ela usava anéis enfeitando os dedos longos, um par de brincos discretos e um colar com pingente de fada que trazia atenção ao seu colo.

— Será que está bom? – perguntou para ninguém em especial enquanto dava meio giro na frente do espelho — Talvez eu devesse tentar alguma outra coisa.

— Não precisa. Você está linda – comentou sua mãe que acabara de entrar.

— Eu não tinha te visto. Está aí há muito tempo?

— Não muito, tenho certeza que não precisa trocar de roupa. Está linda desse jeito. – Jessika sentiu sinceridade nas palavras de sua mãe.

— Obrigada

— Tenho certeza que vai chamar atenção de todos os garotos. – brincou Cíntia.

— Você sabe bem que o papai não me deixaria namorar e mesmo se deixasse, não sei se eu estou preparada isso. – confessou.

— Tudo bem, querida, não precisa se apressar nem se preocupar com isso. Só se divirta.

— Falando no papai... Onde ele está?

— Ele foi resolver uns problemas e já está voltando – sua mãe disse com uma expressão indecifrável. — Não se preocupe com nada.

Jessika já estava saindo quando sua mãe a chamou e ela retornou ao cômodo.

—Esse pingente não é de ouro de verdade, é?

— Não. É folheado. Foi o que eu ganhei do Louis.

— Não quero te assustar, mas andar por aí exibindo ouro no pescoço não é uma ideia muito boa.

Jessika assentiu e saiu. Passou na frente do quarto do irmão e viu a porta fechada. Pensou em bater e perguntar se ele iria para lá, porém mais cedo tinha deixado claro que não tinha muita pretensão de ir. Agora não se sentia à vontade de pedir para o irmão levá-la até a festa. Dante basicamente só fazia o que queria. Talvez por isso ele odiasse tanto o colégio. Ele provavelmente só não gostava de nenhum tipo de autoridade sobre ele. Jessika não tinha dúvidas que assim que ele completasse o ensino médio daria o pé na estrada e viveria livre do julgo dos pais.

Resolveu deixar o irmão quieto e concentrar-se em como chegar à festa. Segundo Melissa, elas não moravam tão longe assim uma da outra. Jessika tinha visto de longe a casa dela uma vez quando estava passando de carro com o pai, contudo nunca tinha entrado lá. Elas costumavam se encontrar no colégio ou a garota dos olhos cor de mel ia até sua casa. Porém Jessika não se importava em andar até lá. Sua mãe lhe dissera que pessoas não costumavam ser muito pontuais quando o quesito era festas, então ela estaria “elegantemente atrasada” como Cíntia disse. Jessika não entendia o porquê disso, no entanto não quis julgar a “tradição” dos outros.

Após descer as escadas e abrir o portão de sua casa, a garota teve uma surpresa. Kennedy e Pedro estavam saindo da casa do seu vizinho no exato momento. Jessika gostava de Pedro. Ele era um cara bem-humorado, alto astral e contava boas piadas.

— Oi Jessika! – Pedro foi o primeiro a acenar e o amigo seguiu o exemplo.

— Oi, garotos! – ela acenou de volta meio tímida.

Pedro atravessou a rua e a abraçou, depois deu um beijo em um dos lados de seu rosto. Jessika ainda não tinha se acostumado com isso, entretanto percebeu que naquele país todo mundo parecia gostar de “calor humano”. Pessoas que mal se conheciam se abraçavam quando acabavam de se conhecer e alguns ainda davam beijinhos. Até mesmo os homens que muitas vezes não são tão adeptos do excesso de carinho se abraçavam sem problemas no país, normalmente davam abraços “de lado” como naquelas fotos de time de futebol ou então se abraçavam do modo comum, todavia dando tapinhas de camaradagem nas costas um do outro. Na Europa, isso não era tão comum. Abraços só para os íntimos.

Kennedy apenas estendeu a mão e ela apertou de volta.

— Você está bem bonita – comentou Kennedy.

— Ah, obrigada – ela agradeceu torcendo para que as bochechas não ficassem ruborizadas. Depois da conversa que eles tiveram onde a loira esclareceu sua situação, um clima estranho tinha surgido entre os dois vizinhos e com o jantar as coisas pioraram. Pelo menos, eles estavam quites. Agora os dois não pareciam tão normais assim. Ela só não tinha certeza se isso era bom.

— Quer uma carona? – perguntou Pedro indicando a picape do pai — Estamos indo pra festa da Melissa.

Jessika ficou sem saber o que falar. Por um lado, ela não se sentia confortável de aceitar, por outro pensava na distância a qual não tinha certeza do tamanho que teria que percorrer a pé. Ela tentou falar alguma coisa, porém travou só saindo um “Errr” de sua boca.

— Vamos! Andar até lá pode ser cansativo. – Pedro disse sorridente.

Ainda assim, ela pensou em recusar. Acabou aceitando no fim das contas. Pedro entrou no carro e se sentou no banco do motorista. Jessika ficou em dúvida se deveria se sentar ao lado de Pedro ou atrás; como Kennedy se inclinou para o fundo, ela decidiu que iria na frente mesmo. O problema foi quando visualizou a altura do carro. Ela não se sentia totalmente segura andando de salto alto e o medo de um tombo surgiu.

— Quer que eu te ajude? – perguntou Kenny observando-a.

Relutante, ela aceitou. Com uma das mãos unida à dela, ele colocou a outra em suas costas para lhe dar firmeza e a ajudou a superar o obstáculo. Jessika agradeceu timidamente.

Mal o carro deu partida, Pedro colocou uma música para tocar. Os acordes começaram a ecoar no carro e Jessika se surpreendeu com a escolha do garoto. Antes que pudesse pensar em qualquer coisa uma frase saiu de sua boca com euforia.

It’s Britney, bitch – Jessika e Pedro gritaram em uníssono o começo de Gimme More.

Ela adorava música pop e Britney Spears era uma de suas cantoras favoritas, mesmo com todas as críticas contra ela. Jessika não ligava para isso, continuava amando suas músicas do mesmo jeito. Pedro se revelou um grande apreciador de música pop também e não levou muito tempo para os dois começarem a cantar no trajeto. Não que eles fossem exímios cantores, mas estavam se divertindo. Kennedy não ouvia tanto pop assim - costumava ouvir mais rock clássico e indie– acabou ficando de fora da diversão apenas observando os outros dois se divertindo.

Mama, I’m in love with a criminal and this type of love isn’t rational, it’s physical – eles cantavam quando chegaram à casa de Melissa. Só então Jessika tinha percebido o tamanho do trajeto. Tudo bem que eles tinham entrado numa rua errada durante o caminho, mas ainda assim Pedro tinha razão. Com tantas ladeiras e descidas no caminho, ela provavelmente estaria cansada e suada. Péssimo jeito de se chegar a uma festa.

Quando Jessika abriu a porta, Kennedy já estava do lado de fora a esperando. Ela agradeceu a ajuda. Normalmente, ela iria querer se mostrar independente, no entanto se mostrar independente e ter o pé torcido não iria adiantar de nada.

Ela olhou para os sapatos para ter certeza que não tinha acontecido nada e finalmente levantou o rosto. Só então ela se deu conta do quanto à casa de Melissa era grande. Provavelmente tinha o triplo do tamanho da sua. Não deveria ser nenhuma surpresa. O patriarca dos Ribeiro era um médico bem conhecido na região que tinha a própria clínica e ainda era o vice-prefeito da cidade. A mãe de Melissa era agrônoma e fazia consultoria para os maiores fazendeiros da região, entre eles o pai de Pedro.

A casa possuía um belo e bem cuidado jardim com uma variedade de flores surpreendentes, um espelho d’água e várias luminárias espalhadas pelo local. Jessika ficou encantada pelas rosas, jasmins, begônias e orquídeas. A fachada era moderna com janelas enormes. Possuía um conjunto de degraus de mármore e a varanda era muito bem decorada. Jessika definiria a casa de Melissa com uma daquelas casas de revista de arquitetura e decoração. Porém, a dona da casa provavelmente não queria que os convidados entrassem pela porta da frente. Havia um caminho feito com seixos adornando as laterais com piscas-piscas e mangueiras brilhantes indicando a direção onde os convidados deveriam seguir.

À medida que o trio avançava eles notaram que a festa seria na parte do fundo da casa. Tinha uma área bem ampla e uma piscina enorme. Um som bem alto de violão sendo dedilhado invadia seus ouvidos e muitas pessoas bebendo, conversando e dançando eram observados por eles. Jessika percebeu que o grupo de amigos bebendo cerveja tinha progredido bastante. Parecia uma festa de verdade, considerando toda a decoração colorida espalhada pela casa. A loira até se assustou quando viu duas longas mesas no gramado, uma repleta de comida e outra lotada de bebidas para os convidados. E ainda havia algumas caixas térmicas embaixo das mesas provavelmente com mais bebidas. Kennedy também parecia um pouco surpreso enquanto Pedro encarava tudo com a maior naturalidade.

— Vamos agitar essa festa! – gritou Pedro animado abraçando Kennedy e Jessika

***

Melanie balançava o pé impaciente enquanto olhava o ponteiro do relógio mudar de posição lentamente. Ela estava sentada à escrivaninha de sua alcova rabiscando o seu diário esperando o tempo passar. Estava irritada. Por que o tempo passava tão devagar quando se precisa que ele acelere? Ela sabia que provavelmente era coisa da cabeça dela, contudo não diminuía sua indignação.

A ruiva estava agoniada para que o tempo passasse rápido para que ela pudesse ir à festa. Quando ela aceitou a convite de Jessika ela tinha esquecido completamente do castigo, portanto não poderia sair de casa. Porém, Melanie pretendia burlar as regras, além do mais, elas foram feitas para serem quebradas. Só que para isso, precisaria que sua mãe fosse dormir. A novela já estava acabando então sua mãe provavelmente iria para cama logo depois disso.

Melanie estava usando uma longa camisola que escondia a roupa de festa. Tinha dito à mãe que estudaria um pouco e depois iria dormir porque tivera um dia cansativo. Sua mãe pareceu aceitar a desculpa da filha. Ela sempre ouvia dizer que filhos não conseguem mentir para as mães e ela estava com medo de que estivessem certos e ela, terrivelmente encrencada.

Prestando atenção nos sons ao seu redor, ela ouviu sua mãe se levantar e desligar televisão. Melanie desligou a luz do cômodo, deixando apenas o abajur ligado. Deitou-se na cama e se cobriu fingindo que estava dormindo. Fez o máximo de esforço para controlar sua respiração. Algum tempo depois, sua mãe abre a porta do quarto e ajeita o lençol da filha. Depois ouviu uma porta bater. Ela tinha certeza que sua mãe entrara no próprio aposento, pois a porta da suíte sempre rangia.

Ela fechou a porta e começou a se maquiar lentamente. Resolveu optar por uma maquiagem bem leve. O único destaque eram os seus olhos esverdeados. Ela desfez o coque frouxo e passou a pentear os cabelos da cor do fogo. Resolveu que deveria esperar um tempo até que a mãe pegasse no sono. A senhora Valentini tinha um sono pesado e não demorava a dormir, mas ela não queria correr riscos. Do jeito que a mãe era dramática, se a pegasse tentando fugir para uma festa faria um escândalo e a deixaria de castigo pelos próximos cinquenta anos.

Já havia passado quarenta minutos e ela decidiu que era tempo suficiente para sua mãe ter dormido. Removeu a longa camisola e arrumou a roupa. Ajeitou o cabelo, colocou os brincos e pegou o par de sandálias de saltos altos. Melanie abriu a sua janela apenas o suficiente para que alguém de sua estatura passasse. Ela estava feliz que sua janela não possuía grades como no quarto da irmã.

Seu plano seria passar as duas pernas pela janela, se apoiar na marquise para chegar até a árvore próxima e descer até o chão. Um plano realmente arriscado. No entanto, a ruiva possuía uma boa flexibilidade e aprendera a subir em árvores com os primos. Ela só ia precisar de coragem e sorte.

Ela respirou fundo. Era agora ou nunca. Sentiu medo por um momento, porém se lembrou da promessa que havia feito com Jessika e lembrou-se que ela queria ter algo a contar para os futuros netos, além de que ela lia poesias e dançava balé na juventude. Sentou-se na janela e já ia passar as pernas quando ouviu um barulho e virou o rosto rapidamente na direção. Sua expressão de susto foi indecifrável. Sua irmãzinha tinha acabado de entrar no quarto. Como Melanie poderia ter se esquecido de trancar a porta?

— Oi, Cacá – ela disse acompanhada de um sorriso amarelo.

— Mel, por que você está saindo pela janela com essas roupas? – ela perguntou sonolenta enquanto se aproximava da irmã. Ela usava um pijama cor de rosa, os cabelos castanho-claros estavam bagunçados e seus pés estavam sendo esquentados por pantufas de coelhinhos.

A ruiva parou. Sua irmã era uma criança que falava bastante e pedir para a sua irmã manter um segredo seria muito difícil. Sem contar que ela teria que dar uma boa explicação à garota. Melanie olhou outra vez para suas vestimentas. Usava botas pretas de cano curto, um short escuro justo, uma blusa vermelha-escuro semelhante a um corpete e braceletes iguais prateados. Então, uma ideia veio a sua mente.

— Cacá, se eu te contar um grande segredo você promete guardá-lo para sempre e não contar a ninguém? – perguntou lentamente.

— Qual? – ela questionou rapidamente.

— Eu preciso saber se posso confiar em você.

— Pode sim – ela disse com sua voz doce e infantil.

— Eu tenho uma vida dupla – Melanie começou — Eu posso parecer uma estudante normal que vai à escola de dia e faz aulas de balé à tarde, mas à noite... – ela abaixou o tom de voz deixando a irmã ainda mais curiosa — À noite, eu saio de fininho para combater o crime. Tem muitas pessoas más na cidade e é meu dever proteger as pessoas boas, como você e mamãe. Esse é um segredo só nosso. Ninguém pode saber.

— Nem a mamãe? – ela indagou.

— Principalmente a mamãe. Ela ficaria preocupada e não me deixaria sair mais. Agora eu tenho que ir. O dever me chama – ela disse colocando os punhos fechados na cintura fazendo uma pose heroica. Até a atmosfera parecia colaborar com ela já que uma brisa passou a soprar fazendo os cabelos rubros esvoaçarem completando a aura de super-heroína.

— Espera só um minutinho – a irmã saiu correndo quase tropeçando nas próprias pernas.

Melanie queria sair logo, no entanto tinha que convencer a irmã corretamente ou nada daria certo. Ela ouviu os passos e sua irmã voltou com algo nas mãos. Carine se aproximou e entregou uma máscara de brinquedo preta com lantejoulas brilhantes.

— Você tem uma identidade secreta... – Carine deu uma risadinha — Qual o seu nome de super-heroína?

— Eu sou a Gata da Noite. – ela disse confiante.

A irmãzinha dela ficou tão extasiada que nem se importou quando Melanie a levou de volta à cama. A ruiva voltou para seu quarto e trancou a porta. Colocou a máscara improvisada em cima da escrivaninha e riu se lembrando da irmã. Então finalmente fez sua fuga. Nada poderia impedi-la de chegar àquela festa.

***

Jessika se sentia um peixe fora d’água. Todos pareciam estar bem entrosados dançando, bebendo e se divertindo. Alguns ficavam mais na deles, outros eram mais agitados, mas todos pareciam estar alegres.

Ela observa tudo com curiosidade tentando absorver cada detalhe que via, seus ouvidos se abriram para os novos ritmos de músicas e as conversas ao seu redor. Seu corpo parecia ser chamado para a dança que ele ainda não conhecia, porém estava curioso para experimentar.

A loira olhou a mesa e reparou que estava repleta de guloseimas e comidas nada saudáveis. Ela não sentia vontade alguma de prová-las. Às vezes, pegava um pequeno pedaço de um doce ou um pouquinho de algum salgadinho. Nada parecia lhe agradar ali, com exceção de dois doces com nomes engraçados: paçoca e pé-de-moleque. Parecia que ela estava sempre em uma dieta severa, contudo era apenas seu estilo de vida. Seu corpo simplesmente não se dava muito bem com alimentos industrializados. Após uma procura, encontrou uma escassa quantidade de pequenos sanduíches naturais. Pegou um deles e provou. Tinha alguns ingredientes que ela não fazia ideia do que poderia ser, todavia era uma mistura bem interessante.

Continuou caminhando por ali e parou não muito longe da pista de dança improvisada. O gramado era pisoteado pelo grande grupo de jovens ludibriados pela música ou pelo álcool. Talvez os dois. Jessika não poderia afirmar com certeza.

Sentou-se num banco baixo localizado debaixo de uma árvore e ficou observando as pessoas dançarem um ritmo desconhecido. Seus pés balançavam segundo a batida da música. Pelas letras das músicas, ela identificou o estilo musical como arrocha ou algo do tipo. Com certeza não seria esse o tipo de música que estaria tocando na sua cidade natal.

Sentiu saudades de suas amigas e mandou uma mensagem para Emma. Depois se arrependeu do feito. Já passava das duas da madrugada em Frankfurt e ela poderia ter acordado a amiga. Ela se sentiu bem egoísta e ficou chateada por isso. Ela não estava cumprindo o pedido de sua mãe. Não estava se divertindo.

Um gritinho lhe chamou a atenção. Olhou na direção do som e se surpreendeu com o que via. Melanie estava chegando à festa acompanhada do seu irmão – o mesmo que disse que não ia vir ­– e os dois pareciam conversar animadamente. Não estavam de abraçados ou de mãos dadas, no entanto estavam bem próximos um do outro. Jessika sabia que o irmão tinha uma queda por ruivas, mas a amiga não era o tipo de garota que lhe chamava atenção normalmente. Todavia, ela tinha que admitir. Melanie estava deslumbrante. A ruiva sem os óculos e o uniforme largo se tornava bem mais interessante, com a roupa justa que ela usava então... O efeito era dobrado.

Jessika reparou nos olhares invejosos de algumas garotas e riu com tudo aquilo. Ela simplesmente não conseguia entender como seu irmão era tão disputado. Talvez fosse a relação fraternal entre eles que impedia isso. Ela conhecia tanto o lado bom quanto o lado ruim do seu irmão, ao contrário das outras pessoas que só viam o bad boy charmoso. Dante também sabia ser ciumento, excessivamente protetor e às vezes muito petulante. Ou talvez ele só fosse assim com ela.

Quando as coisas voltaram ao normal, ou seja, gente dançando, gritando, rindo, bebendo, se pegando e vomitando; Jessika resolveu entrar. Aquela seria uma boa hora de conversar com as meninas. Provavelmente Dante já teria deixado Melanie para lá. Embora fosse seu irmão, ela não o recomendaria para nenhuma amiga. Ele era desapegado demais na maioria das vezes. Ela nem se lembrava da última vez que ele ficou com uma mesma garota por mais de três dias. Jessika tentava entender o irmão, mas não conseguia. Talvez ele só ficasse entediado e por isso ficava trocando tanto de garotas ou ele tinha outros motivos internos para tal.

Jessika ouviu alguns gritos acontecendo e foi seguindo o barulho. Provavelmente Melissa estaria onde o barulho estivesse. Os ruídos a levaram até uma sala de jogos, que embora fosse dentro da casa era conectado ao fundo por uma porta de vidro que estava aberta. O lugar era amplo e bem iluminado. Uma mesa de totó, uma de sinuca e uma de pingue-pongue além de uma televisão gigantesca e um videogame novinho em folha acoplado. Era um lugar pequeno e modesto considerando o resto da casa e parecia ainda menor com tanta gente reunida ali.

Jessika procurou por suas novas amigas, porém elas pareciam um pouco ocupadas. Melissa estava dando atenção pra todo mundo e bebendo muito mais do que o recomendado e Melanie estava encantada demais pelo charme do seu irmão. Parecia que se ajustar na Vila dos Ajustados era mais difícil do que parecia. Talvez só os habitantes fossem ajustados àquilo e os forasteiros fossem excluídos disso. A loira saiu pela porta sem antes esbarrar num garoto que quase deu um banho de cerveja nela. Ela pegou um copinho colorido e pegou um pouco de um coquetel que estavam distribuindo. Não fazia ideia do que tinha ali dentro, entretanto ela gostou.

A loira estava quase voltando para o banquinho de antes, quando ouviu um som belo e melodioso ocultado pelas batidas fortes da música eletrônica. Seguindo com cuidado para não escorregar na grama um pouco úmida, Jessika desceu até a área da piscina. Havia um rapaz tocando violão e cantando com os pés mergulhados na água. Jessika se aproximou lentamente e olhou mais atentamente o homem a sua frente.

Ele tinha um porte atlético, era alto e possuía uma pele bem bronzeada, os cabelos eram cortados em estilo sidecut, portanto um dos lados da cabeça era raspado e nos outro os cabelos ondulados castanhos desciam até um pouco abaixo da orelha onde nas pontas formavam alguns ligeiros cachos. Usava uma calça jeans que estava dobrada até os joelhos para não molhar e uma regata clara que deixava a mostra parte de suas costas que revelavam uma tatuagem. Quando chegou mais perto, o rapaz finalmente a notou e se virou para ela. Jessika estava surpresa. O rapaz de violão era muito lindo. Um rosto alongado, nariz afilado, lábios medianos, olhos castanho-claros suavemente amendoados, mas intensos e um sorriso incrível. Provavelmente uns vinte e dois anos. Ao notá-la, ele parou de cantar e colocou o violão ao lado.

— Olá senhorita! A que devo a honra de sua presença? - ele perguntou fazendo uma mesura.

— Eu sou ouvi você tocando violão e vim conferir.

— Fico impressionado que tenha conseguido ouvir no meio dessa barulheira toda.

— Talvez meu ouvido seja seletivo para boa música. Nada contra quem goste, - ela girou o dedo indicando a música que tocava — Mas, música acústica faz mais o meu estilo.

— Obrigado pelo elogio, senhorita ­– agradeceu cordialmente e Jessika riu. — O que esse humilde bardo pode tocar para lhe agradar os ouvidos?

— Ah, eu não sei... Toque algo que você goste. – ela falou enquanto tirava os sapatos e se sentava à beira da piscina. Ela preferiu manter os pés fora da água.

— Seu pedido é uma ordem – ele disse brincalhão e começou a dedilhar o violão.

As notas aos poucos começaram a formar uma melodia conhecida para Jessika e ela sorriu animada com a música. Logo, ele começou a cantar com uma melodiosa voz de tenor: Além do arco-íris, pode ser que alguém veja em meus olhos o que eu não consigo ver...

Aquela versão de letra Jessika não conhecia, no entanto à medida que fazia a tradução via que era muito boa também. Na verdade, com a voz que ele tinha, qualquer coisa iria parecer cantada por um coral de anjos. Quando ele terminou, ela bateu palmas euforicamente.

— Muito obrigado. Muito obrigado – ele fez uma mesura desengonçada.

— Nem me lembro da última vez que ouvi uma voz tão bela. É tão doce e suave... É como mel.

— Obrigado, mas nem é tudo isso – ele agradeceu com ligeira timidez no rosto.

— Você ‘tá brincando, né?! É simplesmente incrível! Você realmente deveria investir em uma carreira profissional.

— Me desculpe, princesa, porém falar é bem mais fácil do que fazer acontecer. Ser famoso não é pra qualquer um.

— Olhe isso pelo lado bom. Se você fácil não teria graça – ela deu uma piscadinha — Além do mais, os melhores músicos passaram por várias dificuldades ao longo do caminho. Se for o seu sonho, você tem que ir atrás dele.

— Estou em busca de um patrocinador, enquanto isso eu vou seguindo a minha vida e cantando pra ser feliz nessa cidadezinha. – ele voltou a dedilhar o violão tocando uma melodia qualquer — Falando em cidadezinha, você não é daqui, certo? – indagou.

— Cheguei há pouco tempo na cidade.

— Se morasse aqui, eu com certeza já conheceria uma mulher de tamanha beleza.

Jessika ficou vermelha e não soube o que responder. Ficou surpresa pelo fato de ele trata-la como mulher e não como uma adolescente boba como a maioria das pessoas fazia. Sem saber por que, ela não queria que ele a visse tão envergonhada. Não queria abalar a aura de maturidade que ela estava adquirindo, então fez um pedido.

— Por que você não busca umas bebidas? Por favor.

— Eu vou, mas não saia daí – ele disse mirando os olhos claros dela — Estou falando sério. Não saia daí ou eu ficarei muito magoado. – ele disse fazendo um biquinho e fingindo tristeza.

Aquele desconhecido era tão legal e fofo. Talvez Jessika estivesse errada, mas parecia que ela tinha encontrado um lugar em que ela se adequava. Ou para ser mais exato, uma pessoa com quem ela se identificava. Era um pouco cedo para dizer e seu julgamento estava claramente afetado pela voz angelical, contudo ele parecia ser uma ótima companhia.

Todavia, o jeito dele lhe lembrava de Louis. Louis era educado, brincalhão e comunicativo. Sabia encantar. Conquistou Jessika facilmente. Foi o primeiro namorado dela. O primeiro beijo. Um amor de infância fofo e belo. Mas ela ainda não conseguia esquecer como eles eram um pouco parecidos. Na verdade, até algumas características físicas eram semelhantes. Eles tinham os mesmos olhos castanho-claros. Mas, marrom era a cor mais comum de olhos... E qual seria a possibilidade de que um brasileiro tivesse algum parentesco com o seu primeiro namorado já morto na Alemanha?

Louis sofrera um acidente de carro quando voltava de uma viagem com a família. A pista estava coberta por neve e gelo e o carro em que ele estava perdeu o controle e caiu de uma ribanceira. Nem Louis, nem seus pais adotivos sobreviveram. Esse era um dos motivos que ela ficou tão aterrorizada quando Kennedy se aproximou demais dela. Para ela era tudo muito recente. Mas não era tão recente assim, já fazia mais de dois anos da morte dele e ainda assim ela não conseguia se imaginar com outros garotos. Talvez fosse amor, mas ela não tinha certeza. Poderia ser medo de se apegar alguém e sofrer se o perdesse que a aterrorizasse mais.

Antes que os olhos marejassem, o rapaz bronzeado apareceu com dois copos na mão. Jessika disse a si mesma que deveria deixar Louis para lá. Aquilo não lhe traria benefício algum. Ela agradeceu quando recebeu o copo e deu um gole. Era uma bebida leve e ela gostou disso. Não queria chegar bêbada em casa ou seu pai iria lhe encher a paciência. Ela chutou suco de laranja com cidra.

— Então, senhorita, o que está achando da festa?

— Só de me ver longe dela acho que dá pra adivinhar que não estou achando das melhores.

— Quando não se é um festeiro, nem sempre agrada.

— Eu sei bem disso. – ela deu mais um gole e então olhou no fundo dos olhos dele — E você, é do tipo festeiro?

— Às vezes. Depende do meu humor e festas são bons lugares pra divulgar a minha música.

— Por que não faz isso agora? – ela sugeriu.

— Eu? Cantar? – ele indagou surpreso.

— É! Qual o problema?

— Eu não sei... – ele tentou se esquivar — Não sei se toco o tipo de coisa que eles gostam. – apontou com a cabeça para onde a festa estava mais agitada.

— Você só vai saber se você tentar. – Jessika disse sorrindo.

Ele ficou parado por um tempo a encarando e ela o olhou como se dizendo “Por que você não foi pra lá ainda?”.

Ele riu e se levantou bruscamente quase molhando a loira que tentou se proteger dos respingos com as mãos. Ela riu também e ele a ajudou a se levantar estendendo a mão e juntos subiram o caminho até onde estava a mesa de som. A música que tocava no momento era uma romântica de sertanejo e havia alguns poucos casais dançando. Jessika se perguntou onde estavam os outros, mas seu novo amigo não se importou com isso e acoplou o fio ao seu violão e começou a tocar e cantar. A música era desconhecida para a alemã, porém tinha uma bela letra. Ela ficou perto do rapaz observando-o encantar a todos com sua voz.

***

Uma pequena bola branca viajando a toda velocidade cortando o vento e seguindo como um cometa até perder lentamente a força e começar a ter seu corpo atraído pela gravidade até esbarrar em uma barreira vermelha e finalmente afogar-se num mar amarelo com bolhas subindo e estourando à superfície.

— Vira! Vira! Vira! – um grupo gritava euforicamente.

O copo de meio litro pela metade foi virado e a cerveja gelada escorreu pela garganta de Pedro. Aquele já era o sexto copo e isso mostrava que ele estava em clara desvantagem considerando que seu adversário tinha tomado apenas três.

Melanie nunca tinha visto ninguém jogando cerveja-pongue antes, apenas em filmes e a experiência estava se mostrando bem divertida. Na verdade, qualquer jogo envolvendo álcool era engraçado por que a cada dose se tornava mais difícil para quem participava. Pedro já estava tendo dificuldades de acertar os copos do outro lado da mesa e Dante só ria diante do desempenho do oponente. Ele parecia até imune ao álcool. Já era o terceiro jogo dele e não errava uma, mesmo depois de algumas doses. Ela ouvia dizer que pessoas têm diferentes níveis de tolerância ao álcool. Dante era do tipo resistente. Com aquele corpo ele parecia resistente a bastante coisa, na verdade. Uma longa caminhada, uma luta de boxe, horas seguidas de sexo...

Melanie tentava parar de pensar indecências, porém não conseguia. Ela era uma virgem ansiosa para descobrir o que as outras garotas tanto comentavam sobre e aparentemente tinha encontrado o “par perfeito”. O destino finalmente estava colaborando com ela, depois de tanto sofrimento. Não sabia o que Dante tinha visto nela, mas ela não estava nem aí. Ele parecia achá-la atraente e no momento aquilo bastava. De bônus, ele ainda estava fazendo um ótimo trabalho causando um ciúme imenso em Pedro. Depois de alguns copos, o mulato se tornava tão claro quanto um espelho. Seu desafeto pelo alemão era quase palpável. Melanie até que gostava daquilo. E só para lhe provocar, ela fica incentivando e torcendo para Dante toda vez que era sua vez de jogar. Uma vez chegou até a abraçar o loiro quando ele acertou mais uma vez.

Mais bolinhas voaram pela mesa e mais copos foram tomados... Por Pedro obviamente. Dante era uma fera naquele tipo exótico de esporte.

— E Dante Wilbert ganha novamente! – um garoto que estava dando uma de Galvão Bueno levanta a mão dele.

Já era a quarta partida dele, mas ao contrário das outras, ele comemorou bastante nessa. E Melanie o acompanhou. Ela também já tinha tomado alguns copos de bebida e não estava no seu estado normal. Ainda assim, se surpreendeu quando o alemão a beijou. Aquilo foi um choque para ela. Não estava esperando aquilo e só era o seu segundo beijo e ele estava sendo dado na frente de um monte de pessoas. Ela sentiu que Dante iria transformar o até então selinho em um beijo de novela e desviou o rosto o abraçando. Quando viu Pedro notou o seu olhar mortal. Se ele tivesse visão de raio laser como o Super-Homem, Dante e ela já estariam fritos.

O loiro começou a sair do cômodo e a puxou gentilmente pela mão.

— Aonde você vai, campeão? – perguntou o “narrador” em alto e bom som.

— Ganhar sempre não tem graça – ele riu e deu uma piscadinha. O coração de metade das garotas presentes se derreteu.

Eles saíram tendo vários olhares às suas costas. Dante saiu andando pelo meio da festa tendo os olhares de muitas garotas sobre ele. Ele cumprimentava com educação e distribuía sorrisos maliciosos, porém sem soltar a mão da garota ruiva que o acompanhava.

— Onde estamos indo? – Melanie indagou curiosa.

— Para um lugar mais reservado... Muita gente

Ela balançou a cabeça concordando. Melanie não só não esperaria que o lugar que ele estava se referindo era um dos quartos de hóspedes da casa que Melanie conhecia bem. E era justamente o que tinha uma cama de casal. Nervosismo explodia dentro si junto com as borboletas que se agitavam como loucas em seu estômago.

Ela esperava que ele começasse a fazer algo, mas ele apenas se deitou na cama de lado com o cotovelo apoiado na cama e a cabeça repousada na própria mão observando Melanie. Aquilo a deixou ainda mais nervosa e abriu uma garrafa que havia sido deixado no criado mudo servindo um copo para si. Ela tomou um gole sentindo uma espécie de fogo líquido queimar sua garganta. Ela nunca tinha bebido antes, nem tinha pretensão, mas por motivos que nem ela mesma sabia pareceu uma boa ideia no momento.

— Você é muito linda. Já te disseram isso antes? – ele disse a observando.

— Tirando a minha mãe, não muito. – ela falou sem graça olhando para baixo para desviar o olhar dele.

— O que tem de errado com os homens do Brasil? São... cegos? – ela achava bonitinho o jeito que ele franzia o cenho quando tentava se lembrar de alguma palavra.

— Eu não sei, Dante. – ela disse ainda encarando o próprio copo.

Ele se levantou da cama e se aproximou dela. Com o polegar direito levantou o rosto dela e fez com que ela o olhasse. Dessa vez, ela não desviou.

— Eles precisam aprender a valorizar uma mulher – ele disse enquanto ela parecia se afogar no azul de seus olhos.

Melanie, então, decidiu deixar suas preocupações para trás, o que Pedro estaria pensando dela, o que sua mãe acharia daquilo ou se era certo envolver-se com alguém que não conhecia tão bem. Ela se lembrou da conversa que tiveram durante todo o trajeto e o quanto ele fora gentil com ela. Aquela era uma noite para se divertir e ela pretendia se divertir com o loiro.

Dante tocou o rosto de Melanie com delicadeza. Ela enlaçou os braços atrás do pescoço dele e o beijou. E ele retribuiu.

***

O rapaz finalmente saiu do palco e as músicas de antes voltaram a tocar. O pequeno show tinha sido muito bom e o jovem músico foi aplaudido pela maioria. Ele tocou e cantou por um bom tempo, até deixar o palco. Imediatamente buscou por um copo d’água e Jessika se aproximou dele.

— Então, senhorita, este modesto espetáculo lhe agradou? – ele perguntou empregando charme em seu tom.

— Gostaria de saber o nome deste jovem e talentoso bardo – ela brincou respondendo da mesma maneira do que ele.

— Pode me chamar de príncipe encantado.

Jessika arqueou a sobrancelha não acreditando no que tinha ouvido.

— Estou brincando. Meu nome é Prince. – ele falou se dirigindo ao banco que Jessika se sentara no começo da festa.

— Prince? Tipo, príncipe, em inglês? – ela questionou desconfiada.

— É sério! – ele falou olhando diretamente nos olhos azuis-claros dela — Minha mãe era fã do cantor.

— É um nome inusitado... Mas você me parece tão talentoso quanto o ídolo que inspirou seu nome. – ela comentou.

— Muito obrigado pelos elogios. E eu posso ter a graça de saber o seu nome?

— Eu me chamo Jessika.

— Jessika... – ele repetiu olhando no fundo dos olhos dela. — Adoro a sonoridade de seu nome. Jessika... – ele repetiu novamente olhando para o lado se concentrando. — Eu tenho uma música para você!

Ele começou a dedilhar o violão e Jessika se aproximou um pouco mais dele. Então o rapaz começou a tocar mais animadamente e passou a cantar uma música que Jessika reconheceu como “Kiss” de Prince. Ela balançava ao ritmo da música e o rapaz a seguia na medida do possível. A voz dele era incrível e combinava com a música, embora cantasse num tom abaixo da original. A loira não se importou e achou maravilhoso do mesmo jeito. O fim da música estava se aproximando e ela notou a expressão de prazer que ele cantou o último verso: “I just want your extra time and your kiss”¹.

Prince sorriu e a olhou com ternura e Jessika retribuiu o olhar. Cuidadosamente apoiou as mãos na lateral do rosto dela e se aproximou. Ele tinha um hálito de menta fresca e seus lábios eram tentadores, assim como seus majestosos olhos. Por um momento, Jessika viu suas barreiras ruírem e uma sensação de liberdade e alívio a invadir. Ela pode sentir a maciez de seus lábios tocarem sua bochecha.

Mas, se ele queria o beijo dela e então ela daria. Jessika virou o rosto e encostou os lábios nos deles. Um ósculo lento e ao mesmo tempo, tórrido e arrebatador. Era ainda melhor que os de Louis. Mas, ele conseguia passar por todas as suas muralhas e fazê-la sentir-se liberta e desimpedida do mesmo jeito.

Louis... O mesmo garoto a quem se unira há algum tempo. O mesmo que morrera drasticamente num acidente grave numa estrada coberta por gelo. O mesmo que lhe prometera nunca lhe abandonar. O seu Louis. O seu único amante até então. Diversas lembranças lhe acometeram com vigor e velocidade, como uma chuva de flashes em sua mente... Sangue, marcas de pneu, um carro destruído, neve, metal retorcido, uma árvore derrubada, corpos estirados. Todas as imagens que ela alguma vira sobre os acidentes voltaram para lhe atormentar e ela se assustou.

Num impulso, acabou mordendo o lábio inferior de Prince com força demais a fazendo sentir uma pequena quantidade de líquido rubro, quente e metálico dançar sobre sua língua lhe enfurecendo o paladar. Um par de mãos juntas em um empurrão, uma golfada de ar tentando recuperar a lucidez e o fôlego, lábios avermelhados tremulando, olhos arregalados como verdadeiros orbes.

Ich kann nicht²... Eu não posso... – ela balbuciava enquanto se levantava rapidamente e corria pelo gramado empurrando qualquer um que estivesse a sua frente. Ela só queria correr. Correr o máximo que podia. Correr para qualquer lugar longe dali. Jessika só queria achar um lugar seguro onde as aflições do passado não poderiam lhe atingir.

— JESSIKA! – ela ainda podia o ouvir gritar atrás de si.

***

— Tô muito ferrada! – ela balbuciava para si mesma forçando suas pernas a andarem mais rápido.

Já tinha extrapolado (e muito) o seu horário de chegar em casa e provavelmente sua mãe iria arrancar-lhe o fígado de tanta fúria. Fora um sacrifício para conseguir permissão para ir àquela festa e agora estava quebrando o voto de confiança que recebera. Já temia quanto tempo teria que ficar ajoelhada em seu quarto orando para pagar por seus pecados.

— Tô muito ferrada! – ela continuava a dizer para si mesma.

Quanto mais pedia para andar mais rápido, mais suas pernas pareciam ficar pesadas. Suas pernas estavam parecendo uma mula que empacava se as pressionassem demais. Revoltada com a sua falta de preparo físico, a garota ouviu um ruído atrás de si. Virou o rosto rapidamente e viu a sombra de um homem.

Ela mudou de lado da rua e continuou a caminhar agora com os sentidos alerta. Cada vez que olhava para trás o homem parecia estar mais próximo de si e sua casa mais distante. Diante de uma situação de possível perigo, suas pernas pareceram voltar a funcionar normalmente e ela começou a andar tão rápido que quase corria. Mas, não adiantaria. O homem era bem maior do que ela, com pernas muito mais longas. Um passo dele equivalia por dois dela. Ela nunca odiou tanto ser baixinha. Virou a rua imaginando que era apenas paranoia sua. Não teria por que aquele homem a perseguir. Porém, ele continuava ali a seu encalço.

Ela trocou de lado e ele a copiou. Numa atitude desesperada, ela começou a correr para fugir daquele homem escondido entre as sombras que ela não conseguia visualizar com clareza. O homem aumentou o passo, ainda assim não passou a correr como a pessoa a sua frente. Enquanto virava a esquina sem nem saber para onde ia, virou o rosto para trás e pode ver de longe o sorriso do homem iluminado pela fraca luz do luar. Correu o máximo que pode, tentando fugir daquele ser misterioso que parecia estranhamente interessado nela.

As lágrimas vieram aos olhos e ela as deixou ir apenas correndo sem rumo. Fugia de algo que não conhecia para um lugar que não conhecia. A pobre garota acabou pegando o rumo errado. Agora se encontrava no meio de um matagal que ela não fazia de ideia como havia chegado lá. Se ela seguisse mais, iria acabar chegando à mata onde seria muito mais fácil se perder ou voltar e encarar o homem misterioso. Diante de tais circunstâncias, a mata parecia uma opção mais agradável.

Pegando fôlego e usando o restante de suas forças, ela correu como se a morte estivesse lhe perseguindo. Todavia, seu corpo a traiu no momento em que mais precisava dele. Um fraquejar aparentemente simples fez com que seu joelho contraísse sem necessidade e isso fez com que um pé se enrolasse ao outro a fazendo tropeçar e cair no chão. Sentiu o corpo bater contra o chão sujo e a grama que arranhava sua pele.

Antes que pudesse tentar se levantar, o homem misterioso estava sobre ela. Sentiu suas mãos grandes e quentes passando por sua perna e começar a brincar com os botões de seus shorts. Ela gritou com todo o ar restante implorando por ajuda, mas sua boca foi tapada pela mão do forte homem que lhe subjugava. Não demorou a sentir a dor lhe invadir e a garganta começar a fechar por causa das mãos que a apertavam. Ali ela estava. Deitada, indefesa, impotente contra um inimigo que não poderia deter. Um inimigo que não conhecia cujas únicas características que conhecia eram os aterrorizantes olhos escuros.

A garota errada, na hora errada, no lugar errado. Uma sequência de coincidências desastrosas que estavam custando sua vida.

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I just want your extra time and your kiss¹: Em inglês, eu só quero o seu tempo extra e seu beijo.

Ich kaan nitch²: Eu não posso, em alemão.


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Notas finais do capítulo

Primeiramente, quero agradecer a Cristal, a Gnoma e ao Mike que comentaram lindamente. Beijos e abraços para vocês, seus lindos! Também estou feliz porque tive mais um favorito. Eba!

E então o que acharam do capítulo?
Gostaram de ver as coisas pela visão da Jessika?

Elogios, críticas, sugestões ou qualquer outra coisa, podem mandar tudo nos comentários que eu respondo com o maior prazer.

Até mais!



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