Transgressões escrita por Lucas C


Capítulo 10
Nublado


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal!
Estou sentindo a falta de vocês... Só o Mike comentou na última semana.
Bem, espero que vocês não tenham me abandonado.

Boa leitura!



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NUBLADO

Um estreito feixe de luz incomodou os olhos de Kennedy, mas ele se recusou a abri-los. Sua visão parecia sensível, sua cabeça latejava e ele sentia uma sede inexplicável, mas ele estava com preguiça de mais para se levantar ou fazer qualquer outra coisa. Decidiu focar seus sentidos em outras coisas para esquecer aquilo que o afligia. Prestou mais atenção no corpo macio ao qual estava abraçado e o cheiro bom que exalava. Uma fragrância refrescante que o fazia lembrar-se de um dia ensolarado de praia. Ou a cama macia em que se encontrava.

Com suas mãos passou os dedos pela lateral do corpo até chegar à região da cintura. Ele não sabia o porquê, mas ele ainda usava roupas enquanto a pessoa ao seu lado estava usando apenas uma pequena fração de tecido. Ele gostou daquilo. Tornaria as coisas mais fáceis se ele decidisse tentar fazer algo a mais. Os dedos deslizaram novamente sentindo a maciez daquela pele.

— Vai com calma, garota... – ele ouviu uma voz murmurar. Uma voz grave demais para o seu gosto.

Simultaneamente, as duas pessoas abriram os olhos olhando quem estava ao seu lado e quando perceberam quem era, a única opção que lhe restaram era gritar. Gritaram de susto e se afastaram o mais rápido que podiam um do outro.

— Que porra foi essa?! – Kennedy reclamou.

Seus olhos ainda estavam incomodados com o excesso de luz que entrava pelas persianas mal fechadas, mas mesmo assim pode se localizar. Estava em quarto conhecido até demais. Há então ele estava dormindo de conchinha com o melhor amigo no quarto do pardo.

— Sei lá! Você que veio com essas suas mãos de moça. – Pedro se justificou.

— Eu deveria te denunciar por assédio. – Kennedy reclamou enquanto procurava sua camisa em algum lugar

— O tarado aqui é você! – disse enquanto se apressava em vestir uma calça. — Eu que deveria estar procurando um advogado.

— Saiba que eu não tenho pretensão alguma com você, então acho que isso não será necessário – ele respondeu finalmente terminando de vestir a camisa. — Eu já posso me virar ou você ainda está seminu? Não quero ter nenhuma visão do inferno.

— Você parecia estar gostando há alguns momentos atrás – zombou Pedro ­— Pode sim. Já estou devidamente vestido.

Eles estavam horríveis. Olheiras enormes e azuladas, cabelos desgrenhados, um mau hálito horroroso, cara de sono e roupas muito amarrotadas.

— O que estou fazendo aqui? Eu deveria estar na minha própria casa. – ele perguntou. Sua mente estava terrivelmente nublada.

— Eu também acho, mas a minha cabeça está doendo demais para me lembrar de qualquer coisa.

— Pelo menos, eu estou vivo e aparentemente são e salvo – Kennedy falou se dirigindo ao banheiro do quarto de Pedro.

Ele abriu o tubo de pasta de dente e colocou a substância tricolor no dedo indicador e fez uma escovação meia-boca. Colocou água na boca e bochechou para pelo menos remover o bafo de onça com que estava. Assim que saiu, Pedro entrou e trancou a porta.

— Que horas são hein? – perguntou Kennedy.

— Não faço ideia. Olha no celular aí...

Kennedy procurar seu telefone pelo quarto inteiro até finalmente encontrá-lo no próprio bolso da calça. Deu um tapa na própria testa pela estupidez de não checar os bolsos primeiros. Descobriu que ele ainda estava com a chave de casa, ou seja, não tinha perdido nada.

— Duas da tarde... Caramba! – o rapaz exclamou surpreso.

— Cara, fala baixo. Minha cabeça tá doendo.

Antes que ele pudesse pedir desculpas, ouviu os barulhos repugnantes do amigo vomitando na privada.

— Precisa que eu segure o seu cabelo, miga? – Kennedy perguntou zombeteiro.

— Vai se... – ele nem chegou a completar porque outra onda de vômito veio.

Depois de um tempo, Pedro saiu apresentável pelo menos e com um hálito tão forte que Kennedy achou que ele tivesse bebido todo o vidro de enxaguante bucal. Eles deixaram o quarto e seguiram para a cozinha. Kenny se sentou à mesa e deitou a cabeça sobre o tampo de vidro. Pedro estava bebendo água como se tivesse passado uma temporada no deserto do Saara sem cantil algum.

— Olha quem está aqui! Como foi a noite, pombinhos?

Pela voz, Kennedy soube que aquele era Enrico, o irmão mais velho de Pedro. Eram oito anos de diferença. Ele já tinha terminado a faculdade e cuidava dos negócios da família e estava pensando em seguir carreira política. Os irmãos eram parecidos, mas Enrico era menos encorpado e tinha a pele mais clara e Pedro tinha olhos castanho-claros quase cor de mel, enquanto os de Enrico eram negros como a noite. Contudo, ao contrário de Pedro, Enrico era um pé no saco. Ficava implicando com o irmão mais novo por tudo e volta e meia eles discutiam. Algumas vezes brigavam feio com direito a socos e chutes. Da última vez, a mesinha de centro da sala de televisão acabou destruída.

Com a pergunta que ele fez, foi impossível que Pedro e Kennedy não se olhassem estranhando aquela indagação. Kennedy até se levantou para observar melhor os dois. O mesmo pensamento passava pela mente dos dois: “Será que ele viu alguma coisa?”. O castanho decidiu tatear o terreno com cuidado.

— Pombinhos? – ele indagou arqueando a sobrancelha.

Enrico deu um sorriso maroto e logo estava soltando uma gargalhada. Parecia ser uma piada muito engraçada, mas a expressão dos outros dois rapazes continuou a mesma: O que diabos está acontecendo aqui?

— Vocês tinham que ter visto vocês mesmos. Chegaram aqui bêbados e zonzos, um abraçado ao outro dizendo o quanto amavam um ao outro e nunca iam se separar. E o branquelo ainda disse que não podia confiar em garotas. Não sei qual dos seus amigos veio dirigindo pra vocês, mas deveriam agradecer. Foi uma cena bem divertida.

Os meninos reviraram os olhos como resposta. Enrico pegou uma maçã na fruteira e deu uma sonora mordida e voltou a falar. Kennedy só conseguia reparar na saliva e nos pedaços de maçã saindo da boca dele.

— Vocês até que fazem um casal fofo. – ele falou apertando a bochecha do irmão que deu um tapa na mão dele — Vocês dormiram na mesma cama?

— Sim

— Não – eles responderam ao mesmo tempo.

Ele gargalhou mais uma vez.

— A empregada já foi embora, mas deixou o almoço pronto. Não que eu me importe contigo, mas mamãe me pediu para informar.

Enrico saiu e Kennedy e Pedro respiram aliviados.

— Não dizem que as pessoas amadurecem quando saem da faculdade? – Kennedy perguntou para Pedro.

— Acho que ser um idiota está na essência dele.

— Eu preciso de glicose – respondeu com a cabeça afundada na mesa novamente.

— Deve ter algum chocolate por aqui – o mulato mexeu nos armários e entregou um barrinha para o amigo e pegou uma para si mesmo.

Eles começaram a comer silenciosamente.

— Seu irmão disse que eu falei que não se pode confiar em mulheres?

— Sei lá... Acho que foi.

De repente, Kennedy se lembrou. Uma inundação de memórias da noite passada invadiu sua mente tão rapidamente que ele sentiu uma dor de cabeça dos infernos.

— Ai! – ele massageou as têmporas levemente — Eu preciso de um copo de água – ele disse se levantando com cuidado.

— Você se lembrou, não foi?

— Sim. Agora eu lembrei porque bebi tanto e falei aquilo.

— Desembucha.

— Jessika. Eu fui ver se ela estava bem ou se queria alguma coisa e lá estava ela toda sorridente com um babaca com violão e de repente ela o beijou. E antes ela tinha vindo com aquele papo de... – ele começou a fazer uma falha imitação da voz dela — Eu não quero um relacionamento ou algo do tipo. Vamos ser só amigos ou coisa parecida

— É como se você tivesse entrado na friendzone, antes mesmo de chegar perto dela. – Pedro disse lambendo os dedos sujos de chocolate — Que bosta!

— Aí eu dancei com uma desconhecida, a beijei e levei uns tapas na cara... Eu acho. Depois disso, tudo o que vem na minha mente é fumaça branca doce e vários copos de bebida.

— Acho que eu estava junto com você na parte da bebedeira. Ver Melanie com aquele babaca loiro me deixou puto da vida.

— Eu percebi – Kennedy disse e depois soltou uma risadinha — Na verdade, acho que todo mundo percebeu. Parecia que você ia saltar em cima do pescoço do Thor falsificado e tentar matá-lo com as próprias mãos.

Pedro soltou uma risada debochada mostrando que não gostou da piadinha.

— Mas, você sabe que a culpa é sua, não é? Você deveria ter ficado com Melanie antes e pronto. Você não estaria nessa situação.

— Será que dá pra gente não falar por um momento? Estou cansado de ouvir qualquer som – ele se levantou e Kennedy o seguiu.

Pedro foi para a área da piscina e se deitou numa espreguiçadeira coberta por um guarda-sol enorme. Kennedy se sentou na espreguiçadeira ao lado e ficou observando o amigo.

— Então? A gente só vai ficar aqui... Olhando a água da piscina mexendo?

Pedro soltou um barulho esquisito que Kennedy interpretou como “Dá pra ficar quieto?”. Ele ficou esperando alguma outra reação, mas nada veio. E ele decidiu dar o tão desejado silêncio de Pedro... Mas não por muito tempo...

— Sério? Não vamos fazer mais nada?

Pedro fuzilou Kennedy com o olhar mais mortal que tinha. Quase tão ameaçador quanto o lançado a Dante na noite passada.

— Você não vai parar de falar até eu fazer o que você quer, não é? – o mulato perguntou com um misto de tédio e raiva. O outro apenas assentiu. — Fala logo então.

— Eu estive pensando em ir à casa daquela amiga de Carlota que eu te falei. Você vem comigo?

— Contanto que não seja agora, eu vou pra onde você quiser se me deixar em paz.

— Tudo bem. Te amo – Kennedy abraçou Pedro que o empurrou.

— Já chega de intimidade por hoje.

Kennedy riu e saiu andando para a saída, caminho que ele já conhecia bem, enquanto ligava para o pai dele vir lhe buscar. Poderia parecer estranho para alguns, mas a amizade entre ele e Pedro era assim. Não se importavam em demonstrar carinho um pelo outro, mas também entendiam que algumas pessoas maldosas pensariam sobre aquilo. Eles não tinham nenhuma segunda intenção pelo outro. Era só amizade. Outra coisa que era comum a eles, é que não andavam juntos o tempo todo. Eles sabiam que se ficassem unidos por muito tempo e se vendo todos os dias, iam começar a enjoar da cara do outro e discutir. Eles davam tempo um ao outro. Eles conseguiam perfeitamente viver suas vidas separadamente e depois se unirem como se nada houvesse acontecido. E preferiam assim. Ninguém ficava enjoado nem distanciado. Eles encontraram um equilíbrio.

***

— Você ligou para ela avisando que íamos vir?

— Eu liguei, só não sei se a pessoa deu o recado.

Era fim de tarde e o céu parecia um verdadeiro espetáculo. Azul, rosa e lilás brincavam no firmamento colorindo toda a sua extensão. Quase dava para ser ver Aurora passando em sua carruagem pintando tudo com os seus róseos dedos. A frente de Pedro e Kennedy estava uma casa bem arrumada situada em um bairro de classe média antigo. A residência parecia bem conservada, mesmo que o pequeno jardim estivesse um pouco maltratado. Eles notaram que o pequeno portão de metal estava destrancado e resolveram entrar na propriedade.

Eles seguiram o caminho de concreto que dava até a casa em si e Pedro bateu na porta ritmicamente nem soando forte demais, nem fraco demais. O suficiente para ser ouvido. Eles esperaram alguma reação. Algum chamado, algum grito ou alguém na porta, mas nada veio. Kennedy estava ficando impaciente com tudo aquilo e queria resolver aquilo o mais rápido possível. Ele já ia bater na porta novamente, quando a porta pareceu abrir sozinha. Antes que ele pudesse perguntar se estava tendo alucinações ou se casa era mal assombrada, um ser pequeno saiu de trás da porta.

Ele não era exatamente um anão, mas era um garoto baixo. Embora ele parecesse ter doze anos pelo tamanho, dava para ver que ele era bem mais velho já que alguns fios negros de barba podiam ser notados em sua pele alva. Além de baixinho, o rapaz possuía olhos castanho-esverdeados e um penteado rebelde. Um lado da cabeça era raspado e os fios lisos, longos e negros com pontas repicadas caíam para o outro lado com leveza. Ele também tinha um piercing discreto na sobrancelha direita, um no nariz e dois pequenos abaixo dos lábios.

— Não contratamos nenhum gigolô, obrigado – ele disse com cara de tédio já fechando a porta.

Enquanto Kennedy estava preocupado se as roupas que ele usava eram de alguma maneira indecente, Pedro foi mais rápido e colocou o pé entre a porta e o batente impedindo que ela fosse fechada.

— Você não entendeu. Nós viemos falar com Elena. – ele disse então deu o seu melhor sorriso e deu uma piscadinha com o olho esquerdo — Por que não a chama, por favor?

— Vó, tem uns caras esquisitos aqui na porta. – ele gritou para o interior da casa — Você chamou algum amigo para ir com você nas suas festinhas?

— Eu não chamei ninguém! – uma voz feminina gritou lá de dentro e continuou murmurando coisas que os rapazes não entenderam. Kennedy supôs que a voz fosse de Elena, uma das amigas de Carlota, mas não poderia afirmar com certeza já que nunca a encontrara.

— Viu. Nada para vocês aqui – o roqueiro falou e Pedro impediu que ele fechasse a porta outra vez.

— Você não está entendendo. Nós realmente precisamos falar com a sua avó.

— É sobre a Carlota – Kennedy completou sussurrando.

Assim que a voz de Kennedy saiu de sua boca, ele viu um pequeno felino aparecer também. O gatinho correu em sua direção e “escalou” as pernas do garoto até chegar ao peito dele onde fincou as unhas em sua blusa.

­— Pingo, então foi aqui que você se meteu, não é? – ele acariciou o antigo gato da vizinha que estava desaparecido. Parece que ele tinha encontrado um lugar para ficar.

O garoto sumiu e logo a voz feminina voltou dizendo:

— Perdoem o Micael. Ele é meio antissocial. – e então ela surgiu.

Elena aparecia em muitas fotos, mas a maioria delas foi tirada há algum tempo. A mulher que apareceu na porta os assustou. Era bem mais nova do que ele imaginava. Provavelmente nos seus sessenta anos, mas com cara de quarenta e oito. Ela vestia uma calça de vinil preta, uma regata de uma banda de rock que Kennedy já ouvira falar, sandálias de salto alto e um colete de couro também preto. Os cabelos eram loiros, encaracolados e curtos. Uma grande tatuagem de rosas adornava o braço dela.

— Pelo jeito que o Pingo veio correndo para você, este belo rapaz aqui só pode ser o Kennedy. – ela disse sorrindo em aprovação.

— Você me conhece? – ele indagou surpreso.

— Claro. Carlota me falou de você. Entrem, entrem.

Mesmo um pouco acanhados, eles entraram. A decoração da sala era tão inusitada que era impossível para Kennedy não ficar uns bons minutos admirando-a. Era como se um show de rock e um mosteiro budista tivessem explodido ali dentro. Ao mesmo que ele via pôsteres, estantes repletas de discos, ele também via símbolos orientais, estatuetas e uma espécie de altar. Fleetwood Mac tocava ao fundo. Elena se sentou numa poltrona e cruzou as pernas encarando os rapazes, que por sua vez se sentaram no sofá de dois lugares. Eles estavam de frente para Elena, mas não se sentiam intimidados, mesmo que ela tivesse um olhar intenso.

— Então... O que os trouxeram aqui?

— Bem, Carlota... – Kennedy falou calmo. Pela expressão em seu rosto, Elena não parecia estar muito a fim de conversar sobre o assunto.

— Uma morte realmente trágica! Ninguém deveria sofrer daquele jeito.

Os rapazes concordaram com a cabeça.

— E ninguém deveria sofrer por aquilo e ainda ficar no esquecimento – Pedro disse e Kennedy se espantou um pouco com a atitude dele. Chamou o amigo mais como um apoio moral e ele estava se desenvolvendo mais do que o esperado. — É por isso que estamos tentando descobrir quem fez tal barbaridade com Dona Carlota e garantir que ele pague por isso.

— Vocês não deveriam deixar isso para a polícia? – ela questionou — Isso pode ser perigoso.

— Sabemos disso, mas as investigações da polícia não fizeram muitos avanços e andam estagnadas. Precisamos saber que fez isso – Kennedy disse determinado.

— E o que os fazem pensar que dois adolescentes irão conseguir?

— Dom Pedro II foi imperador aos quinze anos e acalmou os conflitos do reino... – Kennedy falou em tom baixo um pouco envergonhado por estar respondendo uma mulher mais velha.

— Nós sabemos que é uma tarefa árdua e difícil, mas queremos tentar ainda assim – Pedro disse empregando seu charme através do olhar inofensivo e do sorriso estampado no rosto.

— E o que eu tenho a ver com aquela mulher? – ela perguntou ríspida com certo desdém na voz.

— Aconteceu algo entre você e Carlota? – Kennedy indagou de imediato.

Elena suspirou, descruzou as pernas e cruzou de novo. Passou a mão pelos cabelos e voltou a olhar os rapazes.

— Eu descobri a pouco tempo que Carlota fez algo errado, que traiu a minha confiança. Ela não era nenhuma santa, eu sei disso, mas o que ela fez me magoou muito. Sei que dizem que é feio ficar falando mal dos mortos, mas eu não me importo. Ainda não a perdoei.

— E o que ela fez?

— Isso não é da sua conta – ela disse tentando ser o mais educada possível — Mais alguma coisa em que eu possa ajudar?

— Você sabe se Carlota tinha algum inimigo, algum desafeto?

— Talvez. Ela falava o que bem entendia e isso às vezes incomodava. Dizem que ela conhecia alguns segredos de pessoas importantes na cidade. As opções são largas.

A conversa não durou por muito tempo. Kennedy e Pedro até tentaram fazer algumas outras perguntas que pudesse ajudá-los, mas as respostas de Elena eram sempre esquivas e repletas de incerteza. Os garotos trocaram um olhar e encerraram a conversação. Aquilo não os levaria a nada. Pelo menos, não hoje.

Eles se despediram e saíram da casa com uma sensação de desapontamento nos corações. O tempo havia fechado e estava nublado tornando tudo mais escuro e triste. Talvez outro dia... Talvez outro dia...

***

Melanie estava deitada em sua cama ainda se recuperando de tudo o que tinha acontecido nas últimas horas. Ela estava se sentindo bem, já que aquele copo de bebida no quarto de hóspedes foi o único álcool que bebeu a festa inteira. Parecia que uma explosão de sentimentos ocorria a cada momento dentro de si e ela sentia que tinha de extravasar de alguma maneira. Pegou o diário dela que estava na gaveta do criado mudo branco ao lado de sua cama e abri com cuidado com o pequeno cadeado dele. Ela sabia que se alguém quisesse ler, não precisaria de muito esforço para romper o frágil cadeado, mas ela gostava daquilo ainda assim. Fazia parte de toda a mágica. Ela pegou sua caneta favorita e começou a escrever em seu diário com páginas coloridas:

“Querido diário,

Eu sempre fiquei me perguntando como seria a minha primeira vez. Seria com Pedro ou um cara tão bonito quanto o Jared Leto? Ele me daria flores, brindaríamos com champanhe, escutaríamos música clássica? Ele me levaria para jantar antes de irmos juntos? Onde seria? Na minha casa, na casa dele, numa casa de campo ou um chalé na praia? Eu fiquei sonhando os mínimos detalhes de tudo que ocorreria na noite mágica e tudo sairia perfeitamente planejado.

Mas, a realidade não é como a fantasia, infelizmente. Muitas vezes não tem jantar, não tem flores, não tem champanhe, um chalé na praia, às vezes nem mesmo uma cama... Você deve estar se perguntando como aconteceu comigo, não é? Provavelmente é o que pensaria depois de ler o que eu acabei de escrever. Mas, saiba que estou do mesmo jeito que ontem... Virgem.

Você deve estar me achando uma estúpida por não ter feito sexo com o cara mais desejado do colégio e talvez eu seja. Porém, não era aquilo que eu imaginava. Não queria que acontecesse com um cara que eu conheci há pouco tempo na casa de uma garota que eu nem gosto muito. Eu nem sei qual o cantor favorito dele ou qual a viagem dos sonhos dele!

Você pode me chamar de boba ou de estúpida. Eu não ligo. Não ligo mesmo. Por que eu acredito que as coisas não devem ser feitas no impulso, pelo menos não todas as coisas. Eu não queria abrir mão de tudo o que sonhei para me “livrar do peso”. Não é um peso. Não tenho vergonha de ser virgem. Pelo menos, não como antigamente. É o meu corpo e eu decido quando usá-lo e como usá-lo. E não importa se vai demorar, irá acontecer quando eu decidir que a hora é certa. E graças a Deus, Dante compreendeu isso muito bem.

Infelizmente, as coisas não acontecem assim com todo mundo. Não aconteceu desse jeito com Serena. Como o próprio nome dela dizia, ela era uma menina doce e calma. Para ela, não teve prazer. Não teve amor. Não teve conforto. Foi tudo horrível e assustador. Lembro muito bem dela das missas, do balé e de quando ela vinha na papelaria de mamãe de vez em quando. Eu poderia dizer que éramos amigas. Ela era tão romântica quanto eu e vivíamos falando sobre os livros que líamos na biblioteca. E o que aconteceu com ela foi o seguinte...

Ela estava voltando da festa bêbada porque uma amiga disse que era legal ser como os outros. Acabou se perdendo e um homem que ninguém sabe quem é a atacou. A primeira vez dela foi a última. Ela morreu. Asfixiada no meio de um matagal desconhecido. O corpo dela poderia ter levado semanas para ser encontrado. Talvez nunca fosse encontrado. O bandido nem enterrou o corpo dela direito e ela foi achado por um fazendeiro que andava por aquelas estradas.

O dia ficou nublado como se fosse uma forma de mostrar o seu pesar por Serena.

Eu realmente não queria te encher com essas palavras tão tristes contando um caso tão feio, contudo não posso negligenciar o mundo a minha volta. Coisas ruins acontecem o tempo todo. Algumas pessoas só estão nos lugares errados nas horas erradas. Não vou culpar o destino, porque não acho que a culpa foi dele e sim do criminoso. Mas, agora eu tenho certeza de algo. Eu quero lutar contra esse mal e encontrar a verdade.

Melanie fechou o diário, prendeu o cabelo num coque arrumado, vestiu um vestido preto e calçou os tamancos. Ela estava pronta para o velório.


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Notas finais do capítulo

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