De Repente Um Conto De Fadas escrita por Rosyta Alonso


Capítulo 7
Capitulo 31


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura



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Assim que entramos na sala, todas as cabeças se viraram para nos observar.
Corei um pouco e procurei por rostos conhecidos. Encontrei a Villu, com um imenso sorriso, me olhando maravilhada. Estava parecida com uma princesa, tão delicada e encantadora com seu vestido marfim, que realçava ainda mais seus cabelos loiros. Também encontrei a Cami, que não sorriu, mas também não me olhou de forma gélida. Fez um leve aceno com a cabeça e voltou a conversar com uma garota. Diferente da Villu, a Cami gostava de coisas mais extravagantes, e seu vestido dourado e cheio de pedras era extremamente exótico.
—Tá todo mundo olhando pra mim! — cochichei para German.
— E por que não estariam? Não creio que algum deles já tenha visto uma jovem mais bela e encantadora tão de perto.
— Pare de brincar, German! — ralhei baixinho.
— Não estou brincado. — o rosto sério, os olhos traziam o mesmo brilho da noite passada. Meu coração deu um solavanco. Tentei me distrair para não acabar arrastando German por uma das dezenas de salas vazias.
Observei a sala abarrotada e fiquei desconfortável. Não gostava daquele tipo de reunião social, sempre me sentia excluída. Imaginei que estar num século que não era o meu não tornaria as coisas mais fáceis para mim.
O German se esforçou para me deixar à vontade, me conduziu pela sala até onde estava Violetta e imediatamente me apresentou as pessoas com quem ela conversava animadamente. Tentei guardar alguns dos nomes, parecia importante para o German que seus amigos me conhecessem. Esforcei-me muito para não envergonhá-lo dizendo besteiras e gírias. Por experiência, me limitei a perguntas educadas. Como vai você? Linda noite, não? Na verdade, estava linda apenas dentro de casa, parecia que vinha chuva pesada ainda naquela noite.
Admirei os vestidos brilhantes e cheios de plumas — tão diferentes do meu — e me perguntei se a tal gaiola era mesmo tão desconfortável quanto parecia. Nenhuma das mulheres pareciam incomodadas e, a julgar pelo diâmetro das saias, elas seguramente usavam a gaiola. Pensei que estivessem tão habituadas a ela que nem se importavam mais.
A sala imensa estava praticamente vazia de mobília. Sobraram apenas algumas cadeiras, um sofá pequeno e uma mesa grande com muita coisa sobre ela: castiçais, os talheres que ajudei a polir, taças de cristal, pratos e muita comida. Vários tipos de carne assada, batatas e legumes, bolos delicadamente decorados, frutas e pães se espalhavam sobre a mesa. Uma tigela contendo um líquido rosa e pedaços de alguma coisa me chamou a atenção. Descobri mais tarde que se tratava de um ponche, feito com vinho tinto, conhaque e maçã picada. Eu ainda preferia chope, mas o ponche até que era bom.
Uma pequena banda no canto da sala afinava os instrumentos.
Conversei um pouco com a família Ferro. A mãe da Priscilla não pareceu muito feliz ao me ver usando um bonito vestido. Priscilla, contudo, foi mais educada e elogiou o trabalho de madame Georgette, mas seu rosto estava triste e eu sabia o motivo. Não importava onde ou com quem o German estivesse, ele simplesmente não tirava os olhos de mim. Não fui a única que notou isso.
Senti-me mal por Priscilla, mas também por mim. Nenhuma de nós duas conseguiria o que queria. Ela pertencia àquele século e queria o German, mas não o tinha. Eu tinha o German, mas não pertencia àquele tempo.
Talvez, quando eu fosse embora, ela pudesse consolá-lo. Quem sabe ele não acaba se apaixonando por ela e me esquece pra sempre...
Meu coração afundou no peito.
A banda — ou seria pequena orquestra? — começou uma música animada. O violino vibrante contagiou as pessoas, que se puseram em fila, homens de um lado, mulheres de outro. Fiquei olhando com incredulidade, esperando que alguém gritasse: Óia a cobra! É mentira! Mas é claro, ninguém fez isso.
A dança era familiar, meio parecida com a quadrilha que eu conhecia, só que séria, sem brincadeiras. Fiquei observando como homens e mulheres sabiam todos os passos, sem errar nada, como num balé. Imaginei que ensinassem isso no colégio.
Vi Violetta dançando com um carinha a quem fui apresentada mais cedo. Talvez seu nome fosse León, mas eu não tinha certeza. Ela parecia radiante e o rapaz não tirava os olhos dela.
Uma mão quente e grande tocou meu ombro. Senti um arrepio subir por minhas costas. Eu sabia dizer exatamente quem era o dono daquela mão antes mesmo de me virar.
— Me daria a honra da próxima dança, senhorita? — German perguntou sorrindo.
O rosto da Priscilla desmoronou, mas ele não notou. Eu não queria magoar ninguém, nem mesmo a Priscilla, que mal vi duas ou três vezes na vida, mas seus olhos tristes me encheram de culpa. Só que eu também o amava, e não tinha culpa disso, aconteceu naturalmente, sem que eu me desse conta, e agora era tarde demais para voltar atrás. A culpa era daquela vendedora-macumbeira que me mandou para aquele século sem bilhete de volta. E agora eu interferia cada vez mais na vida das pessoas dali.
O conflito interno já estava me deixando maluca.
Não seria possível simplesmente ser feliz sem magoar ninguém, sem me sentir culpada?
— German, eu não sei dançar assim! — fiquei apavorada com a ideia e muito desconfortável com o olhar de fúria que Senhora Ferro me lançou quando, sem pensar, o chamei pelo nome.
— A próxima dança será uma valsa, — explicou carinhoso um sorriso nos lábios perfeitos. — Acho que se sairá bem nessa, é bem simples.
Mordi o lábio. Queria muito ficar perto dele outra vez, mas ainda estava esperando que Santiago aparecesse. Já estava impaciente com sua demora. Se era para resolver tudo logo, eu não queria mais esperar. Queria saber tudo para poder seguir com minha vida e aproveitar o tempo que tivesse ao lado do German.
Encontrei seus olhos negros suplicantes e não pude dizer não a ele.
— Tá bom! Mas já vou logo avisando que eu não sei dançar valsa. Tenho certeza que vou acabar esmagando seu pé.
Ele riu abertamente.
— Creio que sobreviverei a isso!
Eu ri também.
Quando a quadrilha acabou, German pegou minha mão e colocou gentilmente em seu braço, parecendo muito orgulhoso de me conduzir até o centro da sala, como se eu fosse a pessoa mais especial do mundo. Sacudi a cabeça, sorrindo. German era incrível demais para ser real!
Rapidamente, a sala se encheu de casais para a valsa. Quando a música recomeçou vi os casais flutuando pela sala. Entrei em pânico.
— Basta me seguir, Angie. Veja? — ele tentou me conduzir. Tentei seguir seus passos e, como havia prometido, acabei pisando no seu pé.
— Desculpe, German. — senti meu rosto esquentar.
— Não se preocupe. Agora relaxe e sinta a música. — tentei relaxar. Suas mãos em minhas costas nuas me acalmavam um pouco.
— A valsa é uma dança muito íntima. — ele me puxou delicadamente para mais perto. — Significa deslizar, girar. Imagine que estamos sozinhos aqui, apenas você e eu. Relaxe e confie em mim. — sua voz rouca e baixa me trouxe a recordação de outros momentos íntimos. Momentos em que confiei nele cegamente. Arrepiei-me com a lembrança e, quando ele sorriu para mim com ternura, com paixão, soltei todas as minhas amarras e deixei que ele me guiasse, sem me importar com mais nada.
Ainda esmaguei seu pé mais uma ou duas vezes, mas acabei pegando o jeito depois de um tempo. Provavelmente, não flutuava como as outras mulheres, mas estava começando a me divertir muito. Rodopiamos pela sala algumas vezes.
— Quem dera Storm cedesse às minhas súplicas assim tão facilmente! — ele disse depois de alguns giros.
— Está me comparando a um cavalo? — fingi estar ofendida.
— Não com um cavalo. Com Storm. — ele sorriu. — Acho que vocês dois tem a mesma expressão nos olhos. A mesma liberdade cravada na alma.
— Liberdade! — zombei. — Minha alma já não me pertence mais. Como posso ser livre?
Ele me apertou um pouco mais, seus olhos negros queimando nos meus. Eu tinha certeza de que os outros casais não dançavam tão colados quanto German e eu, mas não falei nada. Estava adorando poder ficar novamente sob seus braços protetores.
— Você disse que tinha desistido de montá-lo, mas ontem estava tentando outra vez. Por que? — voltei ao assunto. German perturbava meu raciocínio apenas com o olhar.
Ele hesitou um pouco. Havia algo que o constrangia.
— Não pode me dizer? — pedi.
— E que eu... Parece ridículo, mas pensei que, se eu fosse capaz de montá-lo, de vencê-lo... Talvez pudesse descobrir uma forma de fazer o mesmo com você.
Minha testa se enrugou. Uma batida dolorosa em meu coração me deixou sem ar. Não gostei disso.
— Você quer me vencer?
— Não! — ele se apressou. O horror cruzou seu rosto. — Não! Não! Claro que não! Acho que não me expressei corretamente... Storm sempre foi um objetivo, eu queria ser capaz de montá-lo, vencê-lo, como eu disse. Mas logo que a conheci... Meus objetivos mudaram, não as dificuldades. Depois entendi que, assim como ele, você não se deixa dominar, se prender... — Seus olhos ficaram muito intensos. — Eu queria encontrar uma forma de prendê-la a mim para sempre, Angie! Que nunca mais se fosse, que eu fosse capaz de mantê-la aqui. — ele me abraçou mais forte.
— German... — eu comecei, sem saber o que dizer.
— Não se preocupe, você já me disse muitas vezes que não pode ficar. No entanto, não posso deixar de desejar fervorosamente que isso aconteça ainda assim. — o sorriso triste em seus lábios colocou um nó em minha garganta.
— Eu também — me ouvi sussurrando.
Ele ficou surpreso com minha resposta. Muito surpreso. Mas não tão surpreso quanto eu. O que eu estava dizendo? Eu ficaria ali se tivesse a chance?
A dança acabou e todos começaram a aplaudir e, nem ele nem eu tocamos no assunto outra vez.o German e Vilu se revezavam em entreter todos os convidados e eu era alvo constante de seus conhecidos. Alguns se aproximavam por pura curiosidade e, mesmo eu tentando muito me comportar educadamente, a diferença entre as outras mulheres e eu era gritante. Como Lady Catarina tão cortesmente apontou.
— Senhorita Angeles, estou admirada com sua ousadia. — ela disse, o rosto pálido me analisava. — Faz muito tempo que não encontro uma jovem que não teme ser alvo da sociedade.
— Alvo? Alvo de que?
— Ora, minha cara, é preciso muita coragem para se vestir de forma tão original. Nem toda mulher tem a sua ousadia. — e examinava curiosamente minha saia de volume modesto.
— Bom, não é ousadia. É calor mesmo. Esses vestidos já são sufocantes o bastante. Acho muito engraçado as mulheres daqui usarem tanta roupa. — principalmente num lugar sem ar condicionado ou mesmo um ventilador portátil. — Tipo a moda cebola!
Lady Catarina se engasgou com seu ponche.
— Moda o que?
— Cebola. Camadas e mais camadas de roupa. — expliquei.
Ela me olhou incrédula. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, seu filho, Sebastian aquele para quem Camila estava se desmanchando em sorrisos — interrompeu,
— Mamãe, será que se importaria em me apresentar tão formosa dama? — disse ele, me encarando de um jeito pouco lisonjeiro.
— Você já foi apresentado a ela, Sebastian. Logo que chegamos. — Lady Catarina parecia zangada.
— Oh! Quanta indelicadeza, a minha. Perdoe-me, senhorita, mas com tantas jovens encantadoras reunidas nesta sala, fica difícil lembrar-me de todos os nomes. Não tenho como me desculpar por esquecer o nome de tão bela flor! — ele esboçou o que pensei ser um sorriso sedutor.
— Não tem problema. Eu também tenho dificuldades para guardar nomes.
Pobre Cami! Era por isso que ela esperava? Um loiro sem graça com problemas de pele e que, aparentemente, era o maior xavequeiro?
Mais tarde, finalmente, Santiago apareceu. E o German logo se apressou em cumprimentá-lo e eu o segui.
— Desculpe-me pelo atraso, Senhor Castillo. Cheguei há menos de uma hora na vila. Mal tive tempo de alimentar o cavalo. — ele disse a German, mas seus olhos estavam em mim o tempo todo.
— Não está atrasado, Senhor Santiago. O baile mal começou. O German pareceu desconfortável com o modo com que Santiago me olhava. Pra dizer a verdade, eu também não gostei muito da forma com que seus olhos se prendiam em meu decote de vez em quando. German o apresentou a algumas pessoas e eu não saí do seu lado. Depois de um tempo, porém, ele foi convocado pela Senhora Almeida — muito irritada — a ajudá-la a encontrar uma faca para cortar o assado. Aparentemente, esqueceram de colocar a faca na mesa.
— Se me derem licença. — e me atirou um olhar de cautela.
— Claro! — eu disse, confirmando que estava tudo bem.
— Certamente, Senhor Castillo. — Santiago pareceu entusiasmado. Não pude dizer se era pelo assado que observava ou por ficar sozinho comigo. O German pareceu relutante em me deixar sozinha com o estranho, mas depois de hesitar por um segundo, se desculpou e saiu à procura do Ramalho. Eu fiquei bem ali, ao lado de Santiago.
Se ele tinha alguma pista, eu precisava saber. E se sabia como voltar, eu também precisava saber. Apesar da confusão emocional em que eu me encontrava, essa era uma informação que eu não podia deixar passar. Mesmo que não tivesse mais certeza se realmente queria voltar pra casa. Porque eu já me sentia em casa.
— E então? — comecei meio insegura. —Já descobriu como voltar? — fui direto ao ponto. Não havia motivos para rodeios.
—Sim. — ele me fitava daquela forma esquisita outra vez. — Amanhã, se nada sair errado, eu estarei a caminho de casa.
— Amanhã? — Tão depressa?
Ele assentiu.
— Então... — era melhor saber logo, para que eu pudesse... Me preparar. — Do que precisa?
Ele olhou em volta para se certificar de que ninguém nos ouvisse.
— Vejo que ainda tem interesse nesse assunto.
— Claro que eu tenho! E você sabe bem o porquê. — ergui uma sobrancelha sugestivamente.
Ele assentiu outra vez, um pequeno sorriso nos lábios.
— Então... — instiguei para que ele abrisse a boca e falasse de uma vez. Se eu iria embora no dia seguinte..,
Meu estômago se revirou e não consegui respirar direito a dor rasgou meu peito.
— Creio que seria mais adequado se discutíssemos sobre isso em um lugar mais reservado. — murmurou.
— Claro, — estava tão atordoada que minha cabeça parecia estar cheia de minhocas devoradoras de cérebro. — Vamos até a sala de leitura.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.



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