De Repente Um Conto De Fadas escrita por Rosyta Alonso


Capítulo 2
Capitulo 25 e 26


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura



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Ficamos na sala de música até que o almoço foi anunciado. O German não estava à mesa. Olga e mais dois empregados apareceram com os braços repletos de bandejas e travessas.

— Oh! Senhorita Violetta! Mandei avisar seu irmão que o almoço seria servido, mas ele disse que não sairá do quarto até que termine o que está fazendo. — sua voz agoniada. — Ele nem tomou o café hoje! Estou preocupada que ele esteja doente!

A Violetta ficou alarmada. Assim como eu.

Ele não estava bem? Estaria realmente doente? Tinha algum remédio naquele lugar atrasado? Mas ele pareceu tão normal e bem disposto quando nos vimos pela manhã!

— Eu vou chamá-lo — eu disse, apressada. Os olhos das três mulheres me observavam. — Talvez consiga convencê-lo a comer alguma coisa para não deixá-las tão preocupadas.

— Por favor, faça isso. — Villu me disse.

Fui para o corredor quase correndo, mas tive que voltar quando estava na metade.

— Err... Eu não sei onde é o quarto dele—. Falei desconcertada

Três portas à esquerda do meu. — Violetta se levantou, — Se quiser, posso ir até lá com você.

— Não precisa! Sei chegar lá. Acho que talvez uma amiga possa argumentar de forma mais persuasiva que própria irmã. — sorri amarelo. Minha desculpa soou esfarrapada até pra mim.

Sai apressada para o corredor que levava até a sala principal. Eu só conseguiria encontrar o quarto da Violetta se partisse dali. Apressei o passo, enquanto pensamentos desagradáveis teimavam em entrar em minha cabeça. Ele estava doente? Mas parecia tão normal de manhã. Corado e saudável e lindo e forte e cheiroso e... Talvez estivesse mal e não tenha dito nada para não me preocupar. O German não parecia ser um daqueles homens resmungões que precisam de morfina quando uma unha do pé encrava.

Encontrei o quarto da Violetta. Contei três portas à esquerda. Bati. Não ouvi som de passos ou resposta. Bati novamente, ficando impaciente.

Senti um pouco de alívio quando ouvi passos e, depois a voz abafada do German.

— Senhora Olga, eu já lhe disse que não estou... — ele abriu a porta e me viu. — Com fome. — terminou confuso

— Oi.

Analisei atentamente sua fisionomia Ele não parecia doente. Pelo contrário, parecia esbanjar saúde com seu cabelo desarrumado, uma mancha de tinta rosa em sua testa. Não vestia o casaco habitual apenas uma camisa branca os dois primeiros botões desabotoados permitiam entrever os pelos negros de seu peito. As mangas enroladas até a altura dos cotovelos e pequenas pintas coloridas decoravam todo o redor. Nunca o vi mais lindo!

— Está tudo bem com você? —consegui falar, depois de recuperar o fôlego.

— Mas é claro que está. Por que não estaria? — sua testa se enrugou.

Vestido daquele jeito, com camisa e calças escuras, ele parecia um rapaz comum não por sua aparência, German era lindo demais para ser considerado comum, mas comum como um rapaz do século vinte e um. Qualquer homem ainda usava camisas e calças.

— A Olga pensou que você estivesse doente. Ficamos preocupadas e eu vim até aqui para ver se você estava bem. E, caso estivesse bem, te arrastar até a mesa e obrigá-lo a comer.

Ele bufou.

— A Senhora Olga sempre se preocupa desnecessariamente. Eu estou bem, apenas quero terminar o que estou fazendo e depois vou comer.

— Está pintando?

Estou. — respondeu exasperado. — Minha governanta não sabe manter a boca fechada.

— Ela não fez por mal. Posso ver?

— Não! — disse ele, um pouco alto demais. Assustei-me com sua reação exagerada ao meu pedido simples. — Quero dizer, ainda não. Não está pronto.

— Ah! — exclamei frustrada. — Então, vamos almoçar?

— Eu pretendia terminar o que estou fazendo primeiro.

— Oh! — murmurei infeliz. — Vou até a vila com sua irmã e Camila para pegar os vestidos esta tarde.

— Estão prontos? Que ótima notícia. Assim, não terá nem uma desculpa para não dançar comigo no baile. — ele sorriu mal maliciosamente e meu coração disparou.

— Não quero desapontá-lo mas provavelmente não sei dançar o tipo de dança que você conhece — recuei um comecei a voltar para a sala. — Te vejo depois então. — dei de ombros. Não pude evitar ficar decepcionada.

— Espere. — sua voz um pouco mais alta. — Me dê apenas um minuto.

— Mudou de ideia?

— Sim. — ele abriu a porta do quarto. — Apenas preciso me livrar de toda esta tinta primeiro — me mostrou mãos coloridas e entrou fechando a porta outra vez.

Esperei no corredor, observando alguns quadros, brincando com uma das flores do imenso buquê no vaso sobre um aparador. Depois de um curto período, German saiu do quarto mais alinhado, seu cabelo estava levemente úmido, uma camisa limpa embaixo do casaco.

— Assim está melhor— disse ao se aproximar.

—Não sei se eu concordo... gostei muito de vê-lo mais desalinhado. Muito mesmo!

— Perdoe-me, o que disse? — ele franziu a testa. A mancha rosa ainda estava ali.

Mordi o lábio para não rir.

— Sua testa está rosa. Se a Olga te visse agora, iria pensar que é algum tipo novo de doença que faz as pessoas mudarem de cor.

— Onde? — perguntou levando a mão a testa.

Bem aqui. — toquei sua testa e friccionei levemente, mas a tinta não saiu. — Acho que terá que lavar com sabão, a tinta está seca.

Rápido como o bote de uma cobra, seus braços me envolveram e, de repente, eu estava colada a ele. Tentei empurrá-lo para me livrar do abraço, mas German era mais forte que eu.

— Agora, senhorita, me diga exatamente quanto! — e sorriu.

Tentei mover suas mão de minha cintura, mas não consegui mover nem mesmo um de seus dedos.

— Pare de brincadeiras, German. Alguém pode nos ver. — Pedi inquieta.

Seu sorriso se alargou.

— A soltarei assim que me disser o quanto. — seus olhos brilhavam como duas estrelas negras, o sorriso de fazer meu coração parar de bater.

— Quanto o que? — perguntei exaurida. Se Violetta viesse procurar por ele e nos visse agarrados daquele jeito, depois de tudo o que contei a ela...

— O quanto gosta de mim! — disse divertido. — Você me disse que gosta e que eu nem imagino o quanto!

— German! Me solte e pare de brincadeira. — estava ficando com medo. Meu corpo começava a perder o controle outra vez. E estávamos sozinhos no corredor cheio de portas e com quartos cheios de camas. — Violeta pode aparecer...

— Então, me conte! — pediu com a voz intensa e suplicante. A diversão em seus olhos foi substituída por alguma emoção que não pude ler. — Por favor, me diga.

— Não digo até que me solte! —proferi desesperada. Minha pele pinicava, meu nariz cheio do aroma de sua pele (tão masculino) turvava meus pensamentos.

—Angie. — ele sussurrou, se inclinando rapidamente para me beijar.

Tentei detê-lo, mas seu súbito ataque me pegou de surpresa e não consegui afastá-lo a tempo. Obviamente, quando sua boca encontrou a minha, meu corpo reagiu imediatamente e minhas boas intenções caíram por terra. E lá estava eu, outra vez, agarrada a ele de forma nada educada, sem me importar se o mundo fosse acabar ou se alguém nos veria. Parecia que a cada vez que ele me beijava, uma nova parte de mim despertava. Eu era inteiramente nova, uma outra pessoa, uma pessoa mais feliz e completa.

Não sei bem como acabei presa entre ele e a parede, os botões do vestido cravados em minhas costas, mas fiquei extremamente satisfeita. Suas mãos deixaram minha cintura e deslizaram por meu corpo, subindo e descendo por minhas costas, rodeando a lateral do meu quadril, descendo até minhas coxas. Instintivamente, levantei minhas pernas e as prendi em seu quadril. Ele me apertou ainda mais contra a parede fria. Tudo ao meu redor começou a girar enquanto seus lábios brincavam em meu pescoço.

— German. — arfei, trazendo sua boca de volta para minha.

Minhas mãos — por vontade própria — desvendavam a musculatura firme de seu peito, sua barriga chata, seus ombros largos. O calor que irradiava dele me queimava, me deixando completamente maluca e eu queria desesperadamente que sua camisa se desintegrasse. Ele encontrou um caminho por dentro de minha saia, sua mão subiu lentamente pela lateral de minha coxa e apertei ainda mais minhas pernas em seu quadril, o trazendo para mais perto.

Presa a ele daquela forma, eu não tinha para onde escapar. Eu não quis escapar! Desci minhas mãos por sua barriga, procurando pelo botão, e acabei encontrando outra coisa. Uma coisa muito maior que um botão! — German gemeu.

Seus beijos se tornaram mais sérios, ainda mais urgentes e fiquei feliz demais quando ele tentou alcançar os botões em minhas costas.

— Rã-Rã...

De repente, o German me soltou. Escorreguei pela parede e acabei no chão, com a parte de trás da saia enrolada na cabeça.

— Ah! Desculpe-me, Angie. Digo, senhorita Angeles. — senti suas mãos tentando me desembrulhar. Sua voz estranha.

— German... — tentei me desenrolar do tecido. — O que...

— Desculpe-me, senhor, — quando pude ver alguma coisa, vi apenas as costas de um homem mais velho. O mordomo. Ramalho, me lembrei. — Não tive a intenção de intenção de interrompê-los. Vim avisá-lo que as bebidas para o baile acabaram ser entregues. Pensei que gostaria de conferir a qualidade como é seu costume.

Ai, droga!

Droga! Droga! Droga!

— Err.. Eu... Vou num minuto, Ramalho. — German não sabia bem o que fazer: se me acudia ou se levava o homem dali. — Apenas vou... ajudar a senhorita Angeles chegar até a sala e me encontro com você na adega.

Ainda de costas, o homem disse:

— Sim, senhor. — e se retirou rapidamente.

German estendeu as mãos para me ajudar a ficar de pé. Aceitei sua ajuda sem hesitar.

Você está bem? — perguntou preocupado. Suas mãos separaram as mechas de cabelo que cobriam meu rosto.

Não, eu quis dizer. Não estou bem. Não estarei bem até que me beije outra vez!

— Ótima! — ofeguei.

Arrumei o vestido e passei as mãos pelos cabelos, tentando me recompor. Estava claro que esse tipo de coisa — German e eu sozinhos em qualquer lugar — não estava dando certo.

— Você acha que ele vai contar pra alguém? — perguntei preocupada com a Violetta.

Ele tocou delicadamente uma mecha de cabelo que teimava em cair nos meus olhos e a colocou atrás da orelha.

— Não se preocupe com isso. O Ramalho é muito discreto. Faz parte de seu trabalho ser discreto. — e sorriu.

Afastei-me um pouco dele.

— Não quero te causar problemas— recuei um pouco mais.

— E não causou. Se me lembro bem, fui eu quem começou isso. — ele me observava atentamente. — Por que está se afastando como se eu fosse perigoso?

A distância agora era de alguns passos.

— Por que dessa forma, poderemos conversar civilizadamente sem acabar... Do jeito que acabou agora pouco. — falei envergonhada.

Ele riu.

— Acho que tem razão. — correu uma das mãos em seus cabelos negros. — Creio que precisamos conversar sobre o que está acontecendo entre nós dois. Você não pode mais fugir do que sente.

— Eu sei, — concordei, pensando na conversa que tinha tido com Camila na sala de música. Ele precisava saber da minha história, toda a história, para poder entender que eu não era livre para decidir nada. — Preciso te explicar muita coisa. Mas não agora, a Violetta está me esperando e você tem que veras bebidas...

Eu estava presa à parede outra vez. Dessa vez, apenas pela parede. Ele não pareceu satisfeito em adiar a conversa.

— Outra hora, então, — disse, solenemente — Vou acompanhá-la até a sala de jantar para que Violetta não se preocupe mais. — ofereceu-me seu braço.

Sacudi a cabeça. Suas sobrancelhas arquearam.

— Você vai daí— indiquei a outra parede— E eu vou daqui. Essa casa tem muitos corredores iguais a este, — esclareci meio sem graça.

Ele sorriu,

— Não vou atacá-la, Angie.

— Mas talvez eu te ataque. — sorri também. — Melhor não arriscar!

Ele assentiu, ainda sorrindo. Andamos alguns passos em silencio. Eu espiava seu rosto de vez em quando e sempre encontrava seus olhos me observando. Depois de um tempo, German resolveu falar.

— Então irá até a vila esta tarde? — perguntou casualmente.

— Vou. Acho que Violetta não me deu outra opção.

— Pode ficar aqui comigo se quiser. — ele se aproximou

— Já prometi que iria — menti. Era melhor evitar a tentação de ter a casa só para nós dois outra vez.

Ele continuou andando, colocou as mãos no bolso e se aproximou um pouco mais.

—Talvez depois do jantar possamos conversar. — sua voz mais baixa me causou calafrios.

— Talvez. Ou amanhã durante o dia, num lugar onde não tenha portas nem paredes. — com certeza, seria mais prudente se, pelo menos, não tivéssemos a facilidade de tantos quartos ao alcance das mãos.

Ele se aproximou mais, as mãos ainda dentro dos bolsos, mas nossos cotovelos se tocavam. De repente, um pensamento desagradável encheu minha cabeça. Eu parei e o puxei pelo braço fazendo com que ficasse de frente para mim.

— German, preciso te dizer uma coisa!

— Diga!

Observei seu rosto atentamente.

— Você já sabe que eu... dormi com alguns homens. Não muitos, — me apressei, ainda observando sua reação. — Mas alguns.

Seus olhos ficaram tristes. Não era bem o que eu estava esperando.

— Por acaso, você não estaria imaginando que eu me comporto com todos os homens que encontro pela frente da mesma forma que ando me comportando com você, estaria?

Seu rosto escureceu, como uma tempestade de verão.

— Acha que estou querendo me aproveitar de você pelo fato de saber que já foi de outro homem? — rosnou, trincando os dentes.

— Conheço muitos tipos de homens. Não seria uma surpresa se fosse assim, afinal.

Ele agarrou meu braço com força — mas não a ponto de me machucar —, me impedindo de sair do seu campo de visão.

— Não sei que tipo de homem você conhece, mas eu não sou um aproveitador! Você é tão cega assim, Angie? — a fúria e o desespero em sua voz me deixou alarmada. — Não pode ver o que eu sinto por você? Eu jamais a trataria de forma tão desonrosa se eu não estivesse tão.., tão...

Ele parou e sacudiu a cabeça, depois soltou meu braço e recuou. Eu fiquei paralisada, de medo, de espanto e de ansiedade também. Queria que ele concluísse. Se eu não estivesse tão... Apaixonado? Assim como eu estava?

— Desculpe-me. Parece que não estou sendo muito claro com você. E nem posso culpá-la por não entender o que eu sinto. Não depois de tê-la tratado de forma tão abominável. — ele me encarou, a raiva ainda em seus olhos, mas agora se misturava com angústia. — Realmente, precisamos ter uma conversa definitiva!

Concordei com a cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa. Ele se virou para o corredor, andou apenas um passo e depois voltou rapidamente até onde eu estava, ainda estarrecida e grudada no chão.

— Perdoe-me, Angie. — ele disse, tocando o local em meu braço onde sua mão esteve agarrada até alguns segundos atrás.

—Tudo bem, — sussurrei — Não me machucou, nem nada disso, German sorriu tristonho.

—Não estou me saindo muito bem. Mas essa é a primeira vez que me apaixono. — e sorriu timidamente.

Senti um tremor percorrer cada centímetro de meu corpo. A emoção que me dominou me deixou entorpecida. E, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, antes mesmo de poder piscar, suas mãos se encaixaram em meu queixo e seus lábios pressionaram os meus delicadamente. Então me soltou, cedo demais pro meu gosto, e suspirou.

— Até depois.

Ele estava apaixonado por mim! Por mim!

Ele me queria tanto quanto eu o queria e, assim como eu, era a primeira vez. Tentei recuperar o fôlego pra poder dizer que eu também estava louca por ele, contudo, não consegui responder a tempo. Quando finalmente o ar voltou aos meus pulmões, German já tinha desaparecido no corredor.

Ele estava apaixonado por mim!

A alegria era tanta que eu queria sair gritando para os quatros cantos. Respirei fundo algumas vezes para me recompor, meu sorriso imenso e involuntário se espalhou em meu rosto.

Ele estava apaixonado por mim!

Não conseguia parar de repetir as palavras, meu coração quase explodindo de tanta felicidade. Um novo tipo de felicidade, muito mais intensa, prazerosa, importante e maravilhosa!

BSS. BSS. BSS.

O zumbido fraco, quase um sussurro, mas que eu conhecia bem, ecoou no corredor.

Disparei para o quarto, quase derrubando a porta ao entrar. Corri para o celular. Minha mão tremia.

Fase três: completa.

Bem vinda ao novo nível Esteja preparada.

Ah! Não!Ah! Não!

Não agora! Não agora que o German...

Estava apaixonado por mim!

Horror, dor e medo me invadiram de uma só vez. O que foi que eu fiz? Iria magoá-lo tanto! E eu sabia disso! Sempre soube disso! E por que novo nível? Eu nem sabia o que tinha feito para acabar o nível anterior!Já não sabia mais o que eu queria de verdade. Mas tinha certeza do que eu não queria. E eu não queria machucar o German. Não sabia ao certo o que "esteja preparada" significava, mas minha intuição me dizia que era minha volta para casa. Um bolo no estômago me impediu de respirar, me agachei perto da poltrona abraçando os joelhos e deixei que as lágrimas corressem livremente, enquanto uma dor profunda e cortante atingia meu coração.

Você está bem, Angie? - Violetta perguntou enquanto o cocheiro colocavaas caixas dos vestidos sobre o teto da carruagem.

— Claro. Por que não estaria? — só porque finalmente me apaixonei perdidamente por um cara incrível, que também estava apaixonado por mim e eu sabia que o magoaria muito em breve sem que eu pudesse fazer nada para impedir isso? Ou por que eu não sabia mais onde era o meu lugar? Porque, quando estava com o German, já me sentia como se estivesse em casa. Isso era motivo para não estar bem? Motivo algum!

— Você está triste! — constatou. — Nunca a vi assim antes. Será que posso ajudar com alg...

— Villu, valeu. Mas eu tô numa boa. É só... sei lá. Eu tô meio ansiosa com o baile. — menti.

Ela não se enganou.

— Foi meu irmão, não foi? Ele fez alguma coisa que a importunou...

— Villu, o German é o cara mais sensacional que eu já conheci. Ele não me importunou. Eu é que fiz tudo errado. — sacudi a cabeça, desamparada.

—Você?

— Sim, eu. Baguncei a vida dele!

— Não é verdade. E eu nunca o vi tão feliz quanto agora!

— Por enquanto. — sussurrei desamparada.

Violetta não disse nada. Camila finalmente se juntou a nós duas, após conversar animadamente com a costureira sobre novo vestido. A viagem de volta foi silenciosa, mas a Violetta me observou o tempo todo, às vezes com curiosidade às vezes com pena.

Assim que cheguei da vila, fui procurar por German. Tinha que conversar com ele. Tinha que avisá-lo que não poderia mais aceitar seus beijos, suas carícias e seu afeto, porque eu teria que voltar pra casa.

Procurei por toda a casa, me perdendo inúmeras vezes em cômodos até então desconhecidos, mas ele não estava em parte alguma. olga não sabia dizer se ele tinha saído ou não. Procurei, então, a única pessoa que eu não queria ver tão cedo.

Ramalho.

Engolindo a vergonha de ter sido flagrada de forma pouco decorosa com seu patrão, acabei encontrando o senhor de rosto fino e amistoso na sala de jantar, lustrando talheres. Imaginei que ele pensasse que eu fosse um tipo de garota muito comum no meu tempo. Uma piriguete. O que não estaria muito errado, dada a forma como eu vinha me comportando.

— Ramalho, boa tarde. Quer dizer, já é quase noite— um sorriso amarelo. — Estou procurando por G... Senhor Castillo. Sabe onde posso encontrá-lo?

— O patrão foi até a cidade, senhorita Angeles. Creio que precisou buscar algo importante para o baile. — seus olhos não me censuravam. Eram amigáveis.

Remexi nas colheres e facas que ele polia tão minuciosamente. Havia dezenas delas. Talvez centenas.

— Para sábado? — perguntei, erguendo uma peça.

— Sim, senhorita Angeles. Amanhã será um dia conturbado. Teremos todos os preparativos do banquete e ainda os serviços diários. — ele polia rapidamente, demonstrando toda a experiência que tinha.

— Eu posso te ajudar. — ofereci

— De maneira alguma, senhorita, isso é trabalho para os criados e não para as damas. — repreendeu, sem me olhar nos olhos.

— Ah! Ramalho, por favor! Estou nervosa e sem nada para fazer. Olga só falta cuspir fogo quando chego perto da cozinha. Me deixe ajudá-lo. Se eu estiver atrapalhando, você me manda embora que eu vou quietinha. Por favor! — implorei.

Os olhos ligeiramente enrugados analisaram meu rosto.

Por um tempo. Acreditei que a expressão desesperada que eu devia ter na cara o convenceu, pois, sem dizer nada, ele se levantou e foi até o guarda-louças para pegar outra flanela — ou pelo menos parecia flanela.

Observei como ele fazia primeiro, depois tentei copiar os movimentos, mas sem a mesma rapidez. Lustramos os talheres em silêncio por um longo tempo, havia uma pilha imensa esperando polimento.

— A senhorita é uma criatura estranha. — ele disse do nada, sorrindo um pouco.

— Quem, eu? — pensei um pouco no assunto. — Prefiro quase normal.

Sua gargalhada encheu a sala.

— Como preferir!

Lustrei mais alguns talheres, enquanto o Ramalho terminava com vários deles.

— Por que acha isso? — não pude resistir.

— Você não é como as outras jovens. Não se importa em trabalhar, nem com vestidos ou em dizer o que pensa. — ele disse de forma doce, nem um pouco reprovador.

— É porque não sou daqui, lembra? — eu o cutuquei com o cotovelo. — E trabalho faz muito tempo. Ficar sem ter nada para fazer está me deixando neurótica.

Ele riu outra vez.

Eu não sabia como entrar no assunto. Depois de meditar sobre a questão, resolvi que falar de uma vez era a melhor saída.

—Ramalho, sobre o que você viu hoje...

— Mas eu não vi nada, senhorita — ele me interrompeu. — Sou muito bem instruído para saber que o que vi não foi nada. Apenas um abraço amigável.

Muito amigável, realmente!

— Eu só queria que soubesse que eu não fico por aí... — senti minhas bochechas arderem.

— É claro que não! Eu jamais pensaria tal coisa a seu respeito. — ele me encarava com olhos sinceros. Ou estava sendo franco ou realmente era um ator formidável.

— Obrigada. — sussurrei.

— Disponha.

Lustramos mais alguns talheres em silêncio. Não um silêncio constrangedor, mas aquele tipo de silêncio de trabalho, de concentração.

— Eu gosto dele de verdade. — soltei, depois de um tempo.

Ele sorriu sem tirar os olhos da prataria.

— Notei isso há algum tempo, minha cara.

— Notou? Eu mesma só percebi há poucos dias! — Se bem que eu estava ali há poucos dias...

— Ouso dizer que desde a primeira vez que a conheci. A velhice tem suas vantagens. Já vi muitas jovens apaixonadas. — sorriu conspiratoriamente e piscou um dos olhos.

— Por ele? — instiguei.

Ele concordou com a cabeça.

Eu podia imaginar. Gentil, inteligente, lindo, charmoso, delicado, divertido, pegada forte e parecia ser rico não que isso me importasse. Quem não cairia de amores pelo German?

— Mas esta é a primeira vez que ele retribui. — Ramalho acrescentou.

Suas palavras doíam e curavam ao mesmo tempo meu coração machucado. Era incrível que, mesmo submergida na confusão de sentimentos em que eu estava, ainda conseguisse sentir prazer com aquela simples expressão.

— Sabe se ele volta logo? — não podia mais adiar a conversa. Contaria tudo a ele. Tudo. Não me importava se ele risse ou me pusesse para fora de sua casa. Ele tinha o direito de saber tudo, saber o motivo que me impedia de ficar com ele, ficar ali.

— Não sei. Mas creio que pode demorar um pouco. A cidade fica distante daqui. Lembra-se da viagem até o teatro, não lembra?

Ah! Aquela cidade. Era longe, de fato, quando não se tinha um veiculo movido a gasolina.

Terminamos a prataria perto da hora do jantar, German ainda não tinha dado as caras. Eu não estava no clima para ouvir as conversas fúteis da Camila ainda que ela estivesse me tratando com mais amabilidade — sobre fitas, chapéus, baile e Lady Catarina, então fui paro o quarto, mas pedi ao Ramalho que me avisasse assim que German retornasse. Depois do banho — vestida muito confortavelmente com a camisa manchada de tinta —, fiquei na janela do quarto esperando por ele, mas era impossível avistar qualquer coisa na noite sem lua.

Sentei-me na cama e peguei meu romance esfrangalhado para passar o tempo. Levantei-me algumas vezes para olhar inutilmente pela janela, só para ter o que fazer. Li muitas páginas e quando dei por mim, o sol batia em meu rosto, me despertando. Puxei o livro que estava sob a barriga, os cantos estavam começando a machucar minhas costelas. Uma nova orelha se formou na contracapa. Esse era um dos motivos do livro estar no estado penoso em que se encontrava: às vezes, eu acabava adormecendo sem guardá-lo apropriadamente. O outro motivo era deixá-lo jogado dentro da bolsa.

Vesti-me e sai para procurar pelo German. Eu tinha que contar tudo a ele antes que o maldito celular me mostrasse outra mensagem. A próxima podia ser tipo: perdeu, perdeu! E me mandar de volta para o presente.

Encontrei um verdadeiro caos na cozinha. A grande mesa de madeira estava abarrotada de frutas, verduras, vidros, panelas, temperos, ovos, sacos de tecido — de farinha ou açúcar, ou talvez fosse os dois. Muitas pessoas corriam de um lado para o outro, exatamente como quando há um terremoto e ninguém nunca sabe para onde ir. Observei a bagunça e não achei o que procurava. Fui até a sala de jantar. Violetta e Camila estavam a mesa.

— Bom dia. — saudei.

— Bom dia. — Villu me disse, sorrindo.

— Bom dia, senhorita Angie. Já tomou seu café? — Camila indagou.

Aparentemente, ela ainda se esforçava para ser mais agradável comigo. Que bom! Ela subiu no meu conceito simplesmente por se preocupar com meus amigos, exatamente o mesmo motivo que a fazia ser tão cordial comigo agora.

— Não, ainda não comi. — puxei a cadeira e me sentei.

Peguei um pedaço de pão e comecei esfarelar com os dedos enquanto as observava. As duas agiam como sempre, então German já teria retornado a essa altura ou Violetta estaria se descabelando por causa do irmão desaparecido, e não sentada ali comendo tão calmamente.

— Onde está o German? — indaguei depois de alguns segundos.

As duas trocaram um olhar conspiratório e sorriram.

— Que foi? — perguntei confusa.

— Ele está no estábulo. Ainda tentando convencer Storm a não derrubá-lo — disse Villu, tentando não rir. — a Cami e eu estávamos discutindo há minutos atrás quanto tempo levaria para que você perguntasse por ele.

As duas riram.

Fiquei constrangida e um pouco furiosa. Levantei-me de uma vez, deixando a comida de lado, e saí em direção ao estábulo. Parei quando cheguei à porta.

— E quem acertou? — perguntei.

— Eu! —Cami disse com um sorriso enorme. —Não fique com raiva, senhorita. Mas é impossível não notar o que está escrito em seus olhos.

— Você o ama! — Violetta exclamou maravilhada, como se isso fosse uma notícia boa.

Eu apenas abaixei a cabeça e saí da sala apressadamente. Esperava que estivessem enganadas. Esperava que ele não conseguisse ler meus olhos tão facilmente.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.

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