Choose Your Pack escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 6
He Knows Too Much




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Puta que pariu.

Henrique.

Rafa o olhou e viu que seus olhos escuros fitavam o cadáver no chão. Diogo. Ele mal tivera tempo de lidar com a descoberta da morte do desagradável que nem sabia como reagir com ele estando ali.

— Espera – Henrique prosseguiu e os olhos escuros se arregalaram. – Esse é...

— Fique onde está – Andressa ameaçou com a Agulha. Quando tinha tido tempo para pega-la?

— Dessa – Rafa a socou no ombro e olhou o moreno. – Henrique, isso não é o que parece. Nós podemos explicar.

— Eu vi tudo – retrucou ele com os olhos semicerrados, e olhou para Eduardo. – Você ateou fogo sem usar nenhum isqueiro e os olhos de vocês não são normais – apontou para Érika e Erick.

— Temos que matá-lo – avisou o Alfa.

— Não temos não! – ele olhou Henrique. – Você está confuso.

O outro riu.

— Como você é idiota de achar que eu sou tão idiota assim. – ele apontou o cadáver de Diogo. – Eu sei o que eu vi! Eu o vi caindo!

— Sim! Mas não temos... Você deve ter visto o Capuz...

— O que vi desafia as leis de qualquer gravidade! – a voz dele tremeu. – Vocês não são humanos de jeito nenhum!

— Esper – Eduardo franziu o cenho e o encarou. – Ese é o Henrique?

— Sim – respondeu lentamente. – Por quê?

Eduardo parecia querer responder quando de repente olhou para frente de novo. Henrique corria.

— Ei! – Erick gritou e começou a andar. – Aonde pensa que vai?!

— Eu pego ele – avisou Érika já se adiantando.

— Não – Rafa exclamou e ergueu a mão. – Não vão atrás dele, por favor.

— Mas Caubói – Andressa pousou as mãos na cintura. – Não podemos o deixar ir embora assim! Ele sabe demais!

— Eu sei, eu sei – suspirou. – Mas deixem que eu resolva isso. Deixem que eu fale com ele.

— Ok – Eduardo deu dois passos para frente. – Você tem dezoito horas ou vamos fazer algo a respeito.

Ele assentiu e começou a correr por onde Henrique havia entrado na floresta.

***

Estava escuro por onde ele pisava e Rafa sentia os galhos arranhando sua pele onde ele tinha que se espremer para passar. À luz da lua ele conseguiu ver Henrique correndo e quase pensou em gritar seu nome, mas havia a possibilidade de o outro só correr ainda mais ao notá-lo.

Continuou seguindo ele até que percebeu uma parte do bosque que lembrava um desfiladeiro sem pedras nenhuma. Achava que conhecia Vallywood todinha, mas se pensasse bem suas memórias sobre sua infância eram turvas – mas afinal as de quem não eram?

Rafa só começou a perceber que estava perdendo o outro de vista quando seus olhos começaram a se perder e ele não sabia distinguir o que era arvore e o que era grama.

Para piorar, no meio da confusão, seu pensamento foi transportado de volta ao cadáver de Diogo. Ainda não tinha caído a ficha que o Capuz o havia matá-lo. E na confusão se deveria sentir luto ou não, perguntou a si mesmo porque aquilo havia acontecido.

O que Diogo tinha haver com tudo? Ele tinha irritado o Capuz? Então quer dizer que além de conhecer Rafa o Capuz conhecia Diogo também?

Mas aquelas perguntas eram tolas e egoístas da própria mente de Rafa e tão ocupado em fazê-las ele não tinha percebido outra coisa: Mais sangue em suas mãos.

Balu e Lucas antes, Diogo agora.

Quantas pessoas mais pagariam por ele ter entrado naquela vida?

Deu-se conta que Henrique tinha sumido mesmo e se lembrou do prazo de dezoito horas de Eduardo. Até agora não tinha pensado em como faria para encontrá-lo antes deles até lá. Talvez não tivesse ter ido atrás pra começo de conversa.

Mas então o que deveria fazer ao invés?

— Aonde ele foi?

Rafa congelou e antes que percebesse já tinha se jogado dentro de uma moita. A voz que havia dito aquilo parecia a de uma mulher e ele se perguntou se ela o tinha visto.

— Não deve estar longe – respondeu uma muito familiar. – Devemos fazer como o planejado?

— Lógico que sim! – gritou uma terceira voz. – Você tem um plano melhor?

Ele ousou abrir os olhos e se inclinar para um.

Não muito longe dali, três garotas andavam juntas sem muita pressa, mas pisando duro na grama. Reonheceu Leticia usando jeans e uma camiseta. Atrás dela, duas garotas fantasiadas a seguiam, uma Cisne Negro discreta e a outra ele não conseguiu ver – e era essa que tinha gritado.

— Eu tenho tudo melhor – retrucou Leticia. – Afinal de contas fui eu quem apagou as luzes.

— Você só as apagou – confirmou a Cisne Negro. – Porque a Vampira aqui estava ocupada demais com a Caçadora para só cortar alguns fios.

— E EU LÁ IA SABER QUE ELA ESTARIA LÁ? – retrucou. – POR QUE NÃO FOI VOCÊ IR SE ARRISCAR A APAGAR COM ELA LÁ DENTRO?

— Eu não podia me arriscar – ela parou de andar e encarou Leticia. – Nenhuma de nós podia com tantos deles ali. Por isso tudo foi feito às espreitas assim, não iamos conseguir lutar com todos ali. Seria muito sangue e seria o nosso.

Leticia havia apagado as luzes então, Rafa pensou, e estava trabalhando com Carolina e o Capuz como elas haviam suspeitado. Então espera... Uma daquelas era Carolina, certo? Mas quem era a outra? Seria o Capuz?

Não, não podia ser.

— Todas nós menos ele – Leticia respondeu de repente. – Aonde ele foi mesmo?

— Ainda esta lá – respondeu a que lembrava Carolina. – Precisa sumir com as provas antes que suspeitem.

— Então vai ser um trabalho bem dificil – disse a tal Vampira e parecia estar animada por algum motivo.

Espera mais um pouco... Ele ouviu direito? O Capuz estava lá aonde? Na festa? No bosque? Se fosse isso, Rafa precisava voltar agora mesmo pra lá.

Ele se mexeu e o movimento na moita foi alto.

Puta que pariu. Tudo estava fodido.

— Tem alguém aqui – declarou a Vampira em resposta a seu pensamento. – Eu posso sentir.

Droga. Rafa fechou os olhos e esperou com a barreira erguida.

— Temos que matar quem quer que seja – ele ouviu a outra dizer enquanto seus pés se moviam. – Se o Chefe souber que deixamos um vivo não vai nos deixar viver mais.

— Deixem pra lá – disse Leticia de repente.

— Do que está falando Bruxa? – gritou a Vampira.

O que ela estava fazendo? Questionou Rafa.

— Nós não precisamos nos preocupar com ele, é só o irmão mais novo do Rafa, Roger, deve estar bebado.

Roger? Leticia o conhecia tão bem assim?

— O pequeno Roger – A Vampira respirou fundo. – Vai ser um prazer cravar meus...

— Deixe ele pra lá, não temos nada contra ele – insistiu a Bruxa.

— Mesmo não tendo algo contra ele – disse a Vampira. – O Chefe não quer testemunhas.

— Testemunhas? – a voz de Leticia caçoou. – Ele mal está nos escutando. Veja bem, se matarmos ele só vamos dar mais corpos para o Chefe de vocês ter que cuidar. Acham que ele vai gostar de limpar mais uma bagunça nossa?

— A Bruxa está certa – a Cisne Negro parecia convencida. – Vamos deixar esse garoto pra lá e continuar com o plano.

— AHHHH, EU QUERO MATAR ALGUÉM! – reclamou a Vampira.

— Não se preocupe, nós acharemos algo pra você no caminho – Leticia olhou por sobre o ombro. – Mas agora precisamos dar o fora daqui.

— Vamos! – ordenou a Cisne Negro.

Depois de minutos Rafa teve coragem de levantar a cabeça e olhar mais uma vez. Não havia ninguém na mata e o único som era o de seu coração batendo rápido por achar que iria morrer.

Era impressão dele ou Leticia tinha mentido para salvar sua vida?

— Não entendi direito – Taffara mudou o peso um salto para o outro ao olhar para Vick. – Está insinuando que o Henrique tem algo a ver com isso tudo?

Vick franziu o cenho.

— O que? O apagão? – ela olhou para o escuro do lado de fora da casa. – Não sei. Talvez.

— Como assim talvez? — Taff guinchou. – Ele não faria uma coisa dessas.

— Não? – questionou a outra. – Você por acaso sabe quem ele é? Ou como ele ficou depois de dois anos fora? – deu de ombros. – Quem sabe que tipo de coisas ele andou fazendo? Talvez apagar as luzes de uma festa seja o novo passatempo.

Os olhos de Taffara fuzilaram Vick.

— Não tente comparar o Henrique a você e seus amigos mentirosos.

— Olha quem fala... Henrique praticamente inventou a mentira nessa cidade – retrucou. – Nós não somos os caras maus por aqui, Taff. Quando você vai entender isso?

A Rainha abaixou a cabeça pensativa e pela intensidade de sua expressão, Vick pensou que talvez ela fosse cair em sim finalmente. Henrique forjou a morte e fez com que ela os odiasse. E agora que ele tinha saido da tumba, eles poderiam todos baixar suas armas, certo?

Certo?

— Vá se foder Vick – bufou a outra.

Ou não.

— Eu não preciso de você ou de qualquer um tentando me dizer o que fazer!

— Essa vadia tá griando com você? – Camila Alves surgiu ao seu lado. Nem tinha notado que ela estava esperando por ela até agora.

Vadia? – Taffara repetiu secamente. – AO MENOS EU TINHA UM PAR E NÃO ME VISTO QUE NEM UMA LÉSBICA!

— ESCUTA AQUI VOCÊ NÃO VAI FALAR ASSIM COMIGO! – gritou a amiga baixinha. – E SE EU FOSSE LÉSBICA NÃO SERIA ALGO RUIM PORQUE A VICK SERIA O MEU PAR!

— E você pode mesmo ter vindo com o seu par – acrescentou Vick para Taffara num tom mais baixo. – Mas perdeu ele de vista, então... Baixa a bola.

Taffara grunhiu e se lançou para cima de Vick. Suas unhas pintadas em dourado teriam pegado seu cabelo de jeito se não fossem dois braços segurando a garota na hora.

Henrique as olhou com assombro e Vick o fitou. Apesar de estar segurando a ex-namorada, parecia pálido ao não fazer esforço nenhum. Usava o mesmo par de jeans e uma camiseta social com gravata cinzenta.

— Vamos embora – ele começou a reboca-la até o vestíbulo enquanto Taffara esperneava.

Onde ele estava antes?

Mas Vick não teve mais tempo pra fazer perguntas quando um homem louro desligou o som e mandou todos os convidados embora com sua voz grossa.

Ela e Camila Alves seguiram a multidão, mas Vick não desgrudou os olhos das costas de Henrique enquanto fazia uma descoberta. Ele tinha voltado de onde estava.

Diogo não.

9 horas depois

                - O que faremos com o corpo? – Fernando perguntou quando ele, Andressa e Eduardo voltaram ao bosque naquela manhã.

Com medo de que os donos verdadeiros da casa de Marta os vissem por ali, eles evacuaram rapidamente a àrea, deixando o corpo de Diogo lá.

E depois que o sol nasceu Fernando apareceu em suas duas pernas, o loiro conseguiu convencer seus dois parceiros a voltar e dar algum tipo de fim ao cadáver do garoto detestável.

— Vamos enterrá-lo – respondeu Eduardo de maneira decisiva. – Cavamos um lugar de terra abandonado e damos um fim ao corpo com fogo.

Andressa ao seu lado balançou a cabeça.

— Não consigo entender porque temos que nos dar tanto trabalho. Quando Lucas morreu, nós o deixamos lá abandonado e sozinho. E Lucas sim era uma boa pessoa.

— Diogo morreu em uma missão nossa, Dessa – explicou Fernando. – O que torna ele nossa responsabilidade.

— E existe uma diferença entre um corpo abandonado aqui na cidade e outro no deserto – acrescentou Eduardo. – Um deles é fácil de alguém encontrar.

Dessa o encarou com a boca aberta, sem acreditar.

— Está dizendo que deixamos o corpo de Lucas por incoveniencia?!

— Calma – o moreno defendeu. – Não disse isso... E, aliás, eu quase morri também naquele dia, lembra?

Andressa cruzou os braços  e olhou a frente sem nada ver. Pronto. Estava puta com ele.

— Onde foram os Lobos? – Fernando se virou para Edu em busca de um assunto menos proibido.

— Também não queriam ser visto. E Erick disse algo sobre tentar falar com Carla? Algo sobre eles tentarem se unir pra rastrear o Capuz.

— Você quis dizer Henrique – rebateu o loiro e Edu o encarou.

— Você acha que é aquele humano o Capuz que quase nos matou ontem?

— Eu não acho, tenho certeza – os olhos azuis do outro só focavam a frente, o queixo trincado.

— Mas ele apareceu segundos depois que o Capuz fugiu – Andressa voltou a falar.

— É, que estranho, né? – Fernando olhou de um para o outro. – Até parece que ele não sumiu de um lugar para o outro só para nos convencer que tinha ido embora e aparecer de novo com o papel de adolescente assustado!

— E por que ele voltaria se fosse ele? – Eduardo questionou. – Por que fingiria não saber o que estavamos fazendo aqui?

— Porque ele é esperto. Ele sabe que estamos de olho nele e quer sair da lista o mais rápido possível. Vai fazer com que Rafa o caçe só para ver se ele acredita ou não na mentira!

— Isso não faz bandido – Dessa roía a unha. – Por que se arriscar e voltar?

— Se eu fosse o Capuz, eu com certeza iria querer me certificar de que minha vítima morreu – Fernando apontou.

— Ele o enforcou. Numa arvore – Andressa o lembrou. – Quem quer mais provas do que isso?

— Okay, chega de teorias – Eduardo os apartou. – Estou adorando ver à dedicação de vocês dois com essa missão, mas vamos só nos focar em tirar o corpo daqui.

Eles andavam mais um pouco, mas não demorou muito para Andressa jogar o cabelo por sobre o ombro e encarar Fernando de novo.

— Você não está suspeitando dele só porque ele tem um passado com o Rafa, né?

— É o quê? – O loiro cuspiu.

— Não finja que não escutou – o sorriso dela era malicioso. – Eles devem ter tido algo.

— Por falar nisso – Eduardo se virou para namorada. – Eu notei que esse garoto não nos é muito estranho... Você se lembra – ele apontou para Fernando. – Quando viemos para cá no Natal retrasado enfrentar aquelas gemeas Bruxas, certo?

Fernando tinha um olhar confuso.

— Não muito – deu de ombros. – Por quê?

— Não se lembra? – Andressa guinchou. – Foi quando viemos junto com o Felipe!

Os olhos do loiro abaixaram.

— Dessa – Eduardo grunhiu. – Eu avisei...

— Esqueça – Fernando abanou a mão na frente do rosto. – O que tem isso?

— Ele é o garoto bebado que caiu em cima de você naquela noite. Estava bebado e tinha “caído”, certo?

— Verdade – o loiro assentiu. – E isso se liga muito com a história do Rafa.

— Então tudo aconteceu quando estavámos lá? – Andressa assoviou. – Uau! Estavámos mesmo destinados a nos encontrar!

Eduardo revirou os olhos.

— O que eu quis dizer é que talvez você esteja certo sobre sua teoria. Se for naquela mesma noite que tudo aconteceu... Talvez ele seja mesmo o Capuz.

— Yes, sabia! – comemorou Fernando.

Andressa estava prestes a discordar até que olhou à frente e sua testa se franziu.

— Espera – ela olhou de um lado ao outro. – Não foi aqui que estivemos ontem?

Eduardo estudou o terreno e confirmou, não sabendo bem onde ela queria chegar.

— Se for mesmo aqui – ela tocou a grande àrvore. – Então onde está o corpo?

Fernando seguiu o olhar dela e encarou a àrvore cinzenta. Seus olhos caçaram a corda ou o cadáver, mas só acharam o galho alto e a grama limpa. Onde estava o corpo de Diogo.

— Não – ele coçou a própria nuca. – Deve ter algo errado... Acho que estamos na àrvore errada.

— Não, não – Eduardo encarou o alto da àrvore. – Eu sei muito bem onde lutamos. Tem que estar aqui!

— Não está! – Dessa chutou a grama ao lado do tronco. – Não tem nada aqui!

— Isso é impossível! – Fernando guinchou. – Não tem como ele estar vivo e não tem como o corpo ter sumido! Estava bem aqui!

— Na verdade – o tom de Eduardo se controlou, mas seus olhos pareciam pertubados. – Tem um jeito sim de o corpo ter sumido.

Fernando seguiu seu olhar e viu a casa de Marta e entendeu do que ele estava falando.

— Outra pessoa chegou aqui antes.

         - O que ele te disse? – questionou Érika depois que Erick desligou o celular e fez uma expressão tensa.

Fernando havia ligado quando os dois voltavam par o loft depois de percorrerem todas as ruas próximas da casa de Marta. Mas nada de Carla no Burger King da avenida, nada de Carla na praça ou no parque, nada de Carla em lugar nenhum.

         Agora, Erick suspirava ao guardar o celular no bolso da frente da calça estranha do Max Steel.

         - Alguém moveu o corpo – ele respondeu.

         - O que? – Érika guinchou. – Como assim?

         - Ao que tudo indica – o Alfa continuou. – Pode ter sido o Capuz.

         - Mas... Isso não é possível – a loira ficou chocada. Já não bastava o encontro com o vilão na noite passada, agora ele também movia os corpos?

         Bom, pelo menos era inteligente.

         - É possível sim, porque aconteceu – Erick retrucou. – E agora eles estão mais preocupados porque o Rafa ainda não voltou para casa.

         - Pelo visto hoje vai ser um daqueles dias – ela bufou.

         Erick assentiu.

         - Vai mesmo.

         - Não vamos nos preocupar com mais coisas, já temos a Carla que sumiu por aí.

         - Sumiu? – o Lobo a encarou cético. – Por que fala como se fosse algo que te deixa sem sono?

         - Porque deixa – ela retrucou. – Olha me desculpa pelo que eu fiz ontem, mas eu só queria me divertir. Foi errado da minha parte?

         Erick só balançou a cabeça.

         - Não é a mim que você tem que pedir desculpas – retrucou.

         A loira fechou a cara. Eles não deixariam aquilo passar nunca, e o pior de tudo era que a única pessoa que ela havia decepcionado não a estava afineltando de hora em hora como eles.

         Os dois entraram no loft um de cada vez e ela escutou o coração de Erick dar uma leve paradinha. Ela seguiu seu olhar para a sala cozinha improvisada e viu Carla sentada em uma das cadeiras de ferro da mesinha.

         - Onde você foi? – Erick andou até ela. – Nós procuramos você em todo o lugar!

         Carla só levantou os olhos quando ele ficou em sua frente. Érika fungou e sentiu o cheiro de bebida. Não demorou muito para encontar um pequeno cantil jogado dentro da pia.

         - Eu estava bem aqui – ela declarou em uma voz baixa. – Procuraram por aqui?

         - Lógico que não – Érika respondeu. – Aqui é o último lugar que pensamos em procurar.

         Carla encarou a loira pela primeira vez naquele dia e por um segundo seu olhar inexpressivo parecia querer dizer alguma coisa. Será mesmo que Carla só podia estar brava por causa de ontem? Ou havia algo a mais?

         - Ficamos a madrugada toda rodando as ruas – Erick informou.

         - Se tivessem vindo mais cedo me encontrariam aqui – ela rebateu secamente.

         - Você não devia ter partido daquele jeito ontem! – Érika disse. – Aconteceu um monte de coisas e o Capuz conseguiu fazer uma vítima!

         Carla assentiu e um brilho tomou seus olhos.

         - Eu vou saber me desculpar adequadamente com Rafa quando estiver pronta.

         - Pronta pra quê? – Erick olhou de Carla para Érika. – Isso é alguma briga de garotas? – ele bufou. – Não me coloquem no meio, por favor, se for isso.

         - Não tem nenhuma briga – Carla retrucou e olhou para a loira. – Na verdade, não tem nada.

         Érika poupou saliva e subiu para o segundo andar.

         Já tinha confirmado o que queria.

         Carla sabia.

         - Marco! Acorda vai, Marco!

         Marco abriu os olhos e encontrou o teto do carro o encarando de volta. Ele coçou os olhos e encarou Gabriella, o cabelo lindo e sexy solto tirava seu fôlego, mas o olhar de raiva dela não era algo muito encorajador naquela manhã.

         - Eu tive um sonho tão bom – ele bocejou. – Eu entrava nesse carro e nós ficavámo – ele olhou para a camisa desabotoada de Gabi. – Aconteceu algo de mais ontem?

         Gabriella revirou os olhos, mas ele viu o leve ruor na pele bonita de seu rosto. Linda.

         - Nos beijamos – ela admitiu. – Mas não fizemos nada, além disso.

         - Ah – ele não soube bem o que pensar.

         - Ah— Gabriella repetiu. – Isso foi bom?

         Ele deu de ombros, mas se lembrou de que ela estava gritando agora pouco.

         - Por que me acordou?

         A Detetive o olhou como se dissesse “dãr”

         - Estamos no meu carro – ela olhou pela janela. – Pode se sentar, por favor?

         Quando ele geralmente acordava em casa, ficava uns quinze minutos na cama antes de decidir se deveria ou não voltar a dormir. Por isso não gostou do pedido. Mas como ela tinha perguntado com educação.

         Sentou-se no banco de trás e notou que Gabriella estava no lugar do motorista, que estava um pouco puxado para baixo. Isso decepcionou, achou que tinham dormido lado a lado.

         - Como você está se sentindo? – perguntou ela com cautela.

         - Bem – respondeu ele olhando a vizinhança bonita do lado de fora do carro. Ainda sim não moraria naquele lugar. – E você? – notou pelo rabo de olho que a camisa dela tinha um botão desabotoado.

         - Muito bem, também, mas acho que pra você não deve ter sido.

         - Por que acharia isso? – foi tristeza que ele detectou no tom de voz dela?

         - Bom, dormir comigo – ela disse. – Não deve ter sido uma coisa boa depois de ontem.

         - Porque eu dormi no banco de trás desconfortável? – ele riu. – Não se preocupe, valeu muito a pena.

         O olhar de Gabriella vacilou.

         - Marco...

         - Nem vem com Marco — ele bufou. – Ontem foi ótimo e nada do que você me disser vai mudar isso. Foi muito bom ver que você tem sentimentos por mim, foi mesmo.

         - Foi mesmo – Gabriella olhou o lado de fora da janela também, onde duas garotas adolescentes os encaravam. – Mas ai então acordamos para a realidade.

         Ai. Aquilo doeu, mas Marco sorriu ironicamente por fora para fingir que não.

         - Se acha que foi tão ruim assim, devíamos nos encontrar em outro lugar além da sua viatura da próxima vez – disse e sua garganta se fechou. Haveria próxima vez?

         Mas Gabriella parecia apenas pensativa.

         - Tenho um apartamento no centro – indicou.

         Marco sorriu.

         - É um convite, Gabriella Dias? – imitou seu tom de voz sério e ela sorriu.

         - Isso não é nada – ela respondeu. – Considere uma informação enquanto tentamos... Entender tudo isso que está acontecendo.

         Ele ergueu uma sobrancelha.

         - Com tudo isso, você quer dizer termos nos beijado e confessado nossos sentimentos um pelo o outro?

         Gabi sorriu.

         - Sim, isso – assentiu. – Mas temos que conversar sobre o que aconteceu, Marco, não podemos só nos entregar e pronto. Não tem como fazer isso e não pensar nas consequências.

         - Eu consigo me entregar e pronto – declarou ele.

         - Estou falando sério.

         - E eu também – ele aproximou o rosto do dela. – Eu quero você e é só isso que consigo pensar.

         Gabriella vacilou de novo e ele tocou seus lábios na deixa. Foi bom enquanto durou até ele sentir as mãos dela o empurrando pelos ombros e murmurar algo sobre as garotas na rua.

         - Eu não ligo pra elas – murchou ele – Ligo pra você.

         Os olhos castanhos dela brilharam.

         - Eu também. É que os outros não estão preparados.

         Que se foda, ele pensou, havia pessoas piores fazendo coisas cem vezes mais horríveis e eles se preocupando com o que os outros pensam sobre um beijo?

         Ele pensou no Capuz e de repente a realidade voltou como um soco. Não tinha sinal da irmã e dos outros desde o blecaute de ontem. O que será que havia acontecido depois disso?

         - Ei – Gabriella chamou sua atenção ao tocar seu pulso. Sentiu-se um pouco melhor, mas então viu que ela só tocava ali porque ninguém podia ver. – Passa lá em casa se quiser ok? Podemos conversar.

         Ele assentiu e ela rabiscou um post-it (que por alguma razão já estava ali no painel com uma caneta do lado) e o entregou a ele. Marco encarou o pedaço com um número de telefone e um endereço da rua dela.

         - Que horas te ligo?

         - Não liga – Gabriella começou a abrir a porta do lado do carona.

         - Eu pensei que quisesse conversar! – acusou ele.

         - E eu quero – a policial se virou sorrindo maliciosamente. – Mas eu é quem vou te ligar.

         Ele se sentiu agitado e um calor queimou suas pernas.

         - Agora sai - ela pigarreou e pegou os óculos no painel. – Vamos!

         - Okay, oficial – ele riu enquanto saía. Fechou a porta e a encarou. – Sabe você até fica melhor assim.

         - Assim como?

         - Com aparência de mais velha – ele riu. – É tipo bem a sua cara!

         - Cala boca, MARCOS ANTÔNIO!

         - Cala boca e me beija – ele retrucou.

         - Mais tarde – ela prometeu. – Tchau.

         Mal conseguiu responder quando ela acelerou.

         Marco não teria achado a despedida dela boa se no gramado vizinho ele não tivesse escutado Teenage Dream de fundo.

         E realmente, ele se sentia em um sonho adolescente.

         - Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens, aguarde após...

         — Não! – Rita gritou e apertou CANCELAR CHAMADA pela quinta vez.

         Com calma, ela discou o número de Brenda novamente e esperou que a caixa postal dissesse a mesma fala de antes do bipe.

         - Oi, Brenda – ela começou. – Sou eu, a Rita... De Cássia. Tudo bem com você? Eu sei que estou deixando recado, já que nas outras sete não deixei nenhum... É que acontece que eu preciso falar com você. Desculpe-me por ter contado sobre seu pai, não era um segredo meu pra contar... Mas enfim, quero que saiba que...

         O som abrupto a cortou e ela encarou o celular que dizia que a mensagem tinha acabado.

         Rita gemeu para o celular e o jogou no meio da mesa, sentindo os dedos doer. Mas não dava a mínima para os seus dedos. Só queria que Brenda não a ignorasse mais.

         Sabia que seria preciso mais que aquilo para fazer a nova amiga confiar nela de novo, mas ela o faria Havia aberto sua boca sobre um caso que não tinha nada haver com ela e agora mesmo uma família podia estar destruída porque ela decidiu isso.

         Bancar a sincera era dificil.

         Olhou a cafeteria e as pessoas reunidas ali: um jogador de futebol parecendo dedicado em seu computador, uma atraente ruiva postando uma foto no Twitter com a #NãoTáTranquiloMuitoMenosFavorável e uma moça não parando de chamar um tal de Vincius para ligar e buscar ela em casa.

         Será que uma daquelas pessoas já tinha destruído um lar ao contar alguma verdade?

         Mas apesar de sua desastrosa confissão, ela sabia que só estava adiando outro assunto: Roberto.

         Mesmo depois de as luzes acenderem e todos evacuarem a casa de Marta, ela não tinha conseguido encontrar o garoto que estava deitado ao seu lado no sofá.

         E agora se sentia culpada.

         Teria o namorado de Rafa acordado no meio do blecaute? Porque até antes disso ele estava ali, respirando profundamente.

         Será que Rita era tão desatenta assim e não sabia?

         Justo quando se fez a pergunta, a porta da cafeteria se abriu como em um estrondo fazendo com que ela pulasse em seu banco.

         Rafa, pálido como a neve, ainda vestido com sua fantasia improvisada da noite passada encarou o barman com suas olheiras. Ele parecia acabado.

         - Pode me dar um café? – pediu em uma voz rouca.

         - Eu posso te dar um analgésico – retrucou o cara do outro lado do balcão. – Aconteceu alguma coisa, amigão?

         - Não sou seu amigão – Rafa murmurou secamente. – Só me dê um Café.

         O barman disse um “ok” e se virou para o balcão. Rafa mal o encarou e Rita se levantou da mesa para socorrê-lo.

         - Ei, por onde você esteve?

         Rafa a notou ali e não pareceu muito mais tranquilo.

         - Em todo o lugar – afirmou num sussurro. – E nenhum sinal dele.

         - Dele? O Capuz?

         - Henrique – ele respondeu e então pareceu se lembrar de algo. – Espera você não está sabendo de nada, né?

         Rita foi um pouco para trás.

         - Não estou sabendo do quê? – ela se preparou para o pior.

         Rafa a levou de volta para a mesa e fez o resumo de tudo na noite passada. Ao que parece Erick sentiu um cheiro anormal logo depois do apagão decidiu seguir, os outros o seguiram até o bosque. E lá eles viram o Capuz fazer uma vítima e tentaram juntos, acabar com ele. E para fechar com chave de ouro Henrique havia surgido do nada alegando ter visto tudo.

         E depois de contar sobre o prazo de dezoito horas de Eduardo, Rita balançou a cabeça.

         - Uau – ela se recostou no banco. – Então ao que parece foi uma noite agirada, não? – ela suspirou. – E você o achou?

         - Estou tentando desde a meia-noite.

         - Já tentou na casa dele?

         - Não posso – ele balançou a cabeça. – Se Roberto me ver vai começar a fazer perguntas e me cobrar, e... Eu não estou com muita vontade de discutir hoje.

         - Entendo – Rita umedeceu os lábios.

         Rafa suspirou e parecia cheio de problemas na cabeça porque não parava de coça-la. Mas então franziu o cenho.

         - Você o deixou em casa?

         - Rafa me perdoa! – ela soltou sem se controlar. – Desculpa, DESCULPA, DESCULPA...

         - Rita – ele a tocou e olhou em volta da cafeteria enquanto as pessoas os encaravam. – O que aconteceu? Por que tá me pedindo desculpas?

         - Não levei Roberto pra casa ontem. Na hora em que as luzes voltaram eu olhei para o lado e ele não estava mais do meu lado. Desculpe-me, eu o perdi de vista e sou irresponsável.

         - Então espera, ele sumiu?

         - Sim e foi minha culpa!

         - Relaxa Rita – ele pegou suas mãos com as dele frias. – Não estou de culpando. Ele deve ter ido para casa, só isso.

         Ela agagou a mão dele de volta, tentando fazer o que ele pedia.

         - Sinto muito. Você está cheio de problemas e eu aqui não resolvendo nenhum deles.

         - Não é como se fosse sua obrigação – apontou ele. – Eu passo no Roberto depois pra me certificar de que tudo ocorreu bem. Mas, você está bem? Parece nervosa.

         Por algum motivo naquela semana ela queria confessar seus problemas, mas decidiu ser mais reservada.

         - Só algo na escola – tocou a própria nuca ao responder.

         - Problemas logo no primeiro dia? – Rafa parecia mesmo surpreso. – Que foi? Não consegue se enturmar? Não te culpo, os alunos dessa escola são uns bostinhas! Tirando eu, claro.

         - Não é nada disso – ela abanou a mão na frente do rosto. – Só minha baixa autoestima me atacando – mentiu.

         - Mas você é linda! – declarou Rafa.

         - Obrigada – Rita riu – Mas beleza não perdoa nada.

         - Nisso eu concordo – ele pigarreou. – A pessoa pode ser bonita, mas mesmo assim tem que pagar com seus erros.

         - O que quer dizer?

         Rafa parecia intenso ao olhar para ela de novo, mas então o barulho de seu celular recebendo uma chamada fez com que ele o pegasse e atendesse.

         - Alô? – uma pausa. – Sim... Não, ainda não – ele tinha os olhos confusos ao falar. – Por quê? – ele pareceu esperar a pessoa do outro lado da linha e fosse o que fosse a resposta, não pareceu deixá-lo mais feliz. – É o que?! – guinchou. – Não, não, fique por ai, já vamos encontrar vocês – mais uma pausa e ele a encarou. – Rita. É. Sim. Okay, tchau.

         Ele se levantou e Rita se prontificou a questionar com apenas o olhar.

         - Aconteceu uma coisa.

         - Meu Deus, mais alguém morreu?

         Rafa deixou o olhar vacilar e balançou a cabeça.

         - O Capuz pegou o corpo de Diogo.

         No sonho Roberto estava de novo naquela mesma noite de 14 de Dezembro, alguns dias antes do Natal. A estrada para a rua da escola Vallywood estava muito vazia, escura e perigosa para ele sair com um carro que não era dele. Mas ele precisava continuar dirigindo.

         Seu celular no banco do carona continuava vibrando e ele resistiu ao impulso de pegá-lo e dizer ao irmão mais velho que estava chegando. Henrique e ele mal se falavam então o fato de ele ter ligado pra ele estranhou muito a noite pacata de Roberto.

         Mas se era de ajuda que ele precisava ele não recusaria para o irmão mais velho. Então ele se esgueirou pela janela de seu quarto dividido com Neemias, o mais novo dos irmãos, na época e dera a volta na casa para entrar sorrateiramente na garagem para pegar o Subaru do pai. O pai sempre escondia as chaves dentro da própria garagem – Roberto ficava profundamente decepcionado com a falta de inteligência que, graças a Deus, nunca herdou do pai.

         Roberto estacionou o carro no meio-fio e tentou seguir as coordenadas que Henrique havia passado apressadamente antes dele sair. “Entre pelo estacionamento e siga a trilha que leva até o topo da montanha, mas vá por baixo, eu já apareço” “Vá por baixo, ouviu Roberto? Por baixo!”.

         Foi só quando chegou ao estacionamento escuro que ele se perguntou se o irmão não devia ao menos avisar que ele ia precisar de uma lanterna.

         Que porra Henrique estava fazendo ali naquele lugar?, Ele se perguntou na mesma hora em que escutou algumas vozes vindas da trilha.

         - Não toca em mim! – guincho a voz de um garoto de um garoto com voz meio afeminada.

         - Por quê? – questionava uma segunda voz chorosa.

         - Por quê? Você ainda me pergunta por quê?

         Passou-se um minuto de silêncio enquanto duas formas saíram da trilha. Quase que exatamente, Roberto correu atrás de um Volvo e se escondeu na parte detrás dele.

         - Rafa, me desculpa... – pedia a voz chorosa.

         - Desculpa não vai trazer ele de volta! – retrucou o que se chamava Rafa. Roberto espiou e viu um garoto de moletom verde e óculos chorar e soluçar ao lado de um garoto de cabelo castanho e olhos castanhos mutantes que parecia ignorá-lo com raiva. Olhos castanhos era bem o tipo de garoto por qual Roberto podia ficar admirando por horas na sala de aula, mas nunca dizer em voz alta para o cujo.

         Deu-se conta com um espanto que sabia quem era o garoto.

         Os dois seguiram caminho até a saida do estacionamento aberta por algum motivo e Roberto só saiu detrás do carro quando teve certeza que eles saíram dali.

         - Você veio.

         Roberto se virou para o começo da trilha e apertou os olhos para conseguir enxergar o irmão trotando em sua direção. Parecia bem arrumado com uma camisa azul-clara social e jeans escuros, mas havia sujeira em suas roupas e no seu tênis.

         - O que houve com sua perna?

         - Eu caí – respondeu o outro num tom vazio. – Me desculpe à demora, fiquei esperando que aqueles dois fossem embora.

         - Eles quem? E como assim você caiu? Eles te empurraram?

         - Não seja ridiculo – o irmão bufou. – Eu não deixaria ninguém me empurrar, Rob. Onde você deixou o carro?

         - Lá na frente. Consegue andar?

         Henrique respondeu sua pergunta jogando seu braço em seus ombros. Apesar de fazer apenas natação, não achou dificil carregar o peso do irmão.

         O que era dificil de acreditar era que ele estava sendo sincero.

         Já no carro o silêncio dele era decrépito enquanto Roberto focava os olhos na frente sem perguntar absolutamente nada. A verdade era que era que não necessitava perguntar coisa alguma, pois já tinha advinhado a metade sem que ele soubesse.

         Ao seu lado no banco do carona, Henrique o encarava e parecia esperar que ele dissesse algo.

         - Alguém suspeitou que você saiu? – perguntou ele.

         Roberto balançou a cabeça.

         - Não tinham do que suspeitar.

         Henrique franziu a testa.

         - Como assim?

         - Contei a eles que vim te buscar e só.

         O outro foi um pouco para trás.

         - Mas não contou tudo, certo?

         Roberto deu de ombros.

         - Contei o que você me disse: Que queria que eu viesse te buscar e que precisava da minha ajuda.

         - Rob, não! – o outro começou a balançar a cabeça. – Eles vão com certeza suspeitar e fazer perguntas sobre o que aconteceu!

         - Pode ter certeza que vão, Rick – retrucou usando o apelido do outro. – E se quer a minha ajuda para mentir, recomendo que me conte tudo o que aconteceu.

         O irmão mais velho suspirou e recostou a cabeça no banco. Acho que ele não diria nada até que olhou pelo rabo de olho.

         - Okay, eu te conto tudo – decidiu. – Neemias estava na cama antes de você sair?

         - Estava pendurando alguns CD’s na parede.

         - Garoto esperto – riu Henrique. – Parece até que sente as coisas.

         Roberto revirou os olhos. Rick sempre gostava de protelar, tanto na escola como nas vezes em que eles brincavam em casa quando ou quando Roberto implorava por algum favor. Mas naquela noite ele quem havia pedido o favor e esse não seria de graça.

         - Vá direto ao ponto.

         Henrique assentiu e desabafou tudo que aconteceu nas horas anteriores de ele chegar ali com o jipe.

         Quando terminou de falar, os olhos de Roberto escureceram e seus dedos se firmaram no volante.

         - Não pode contar a ninguém – pediu Rick.

         - Não se preocupe.

         Com o barulho do motor do carro, o sonho começou a ficar turvo e Roberto não conseguia saber o que era real e o que não era em suas memórias.

         - Você está estranho – murmurou Henrique com a voz distante. – Não está tendo a reação que eu esperava. Não vai nem fingir que está chocado?

         - Henrique, você pediu minha ajuda e eu vim até aqui por você. E é só isso que vim fazer.

         - Eu sei, mas...

         - Seu segredo está seguro comigo – prometeu.

         O irmão mais velho murmurou um “tudo bem” e desviou os olhos para a janela do carro. Aquele era o tipico assunto do qual irmãos nunca falavam a respeito.

         Mas o que Henrique não sabia era que ele jamais questionaria seu segredo porque tinha uma ligação com o dele.

         Os dois tinham e tiveram uma queda pelo mesmo gartoto e guardaram por meses. Os dois gostavam de Rafa Capoci, mas só um deles iria conseguir a chance de ficar com ele um dia.

         E esse alguém iria tirar todo proveito disso.

 

X-X

 

         Quando acordou do sonho, Roberto abriu os olhos para um teto rosa familiar. Ao se sentar com o choque, percebeu que o lugar onde estava também era familiar com sua mobilia metalizada e rústica. Lembrou-se de estar naquele quarto no ano passado, saindo pela mesma por completamente frustrado.

         Como se já não bastasse à estranha familiaridade, uma garota de cabelo castanho usando um terninho rosa e saia entrou no quarto carregando uma bandeja. Quando notou o olhar dele, ela lançou um sorriso malicioso.

         - Taffara? – guinchou. – O que diabos...

         -... Estou fazendo aqui? – ela andou e deixou a bandeja na cama.  – Esse é o meu quarto bobinho.

         Ele bem que tinha achado a mobilia e as cores da parede bem familiares mesmo.

         Mas então se recordou da confusão de antes.

         - E o que estou fazendo aqui? – questionou. – No seu quarto?

         A Rainha da escola deu de ombros e tocou a bandeja de ferro.

         - Eu te trouxe aqui – ela pegou um pratinho branco. – Cookies?

         - Eu não quero seus cookies idiotas! – ele colocou os pés no chão. – Por que me trouxe até aqui?

         - Eu te vi capotado no sofá lá na festa e te peguei. Simples.

         - Corta essa – ele semicerrou os olhos. – Você sabe que sua casa é o último lugar da terra que eu gostaria de estar.

         - Por quê? – choramingou Taffara.

         Roberto apenas a encarou com desdém.

         - Por causa daquela brincadeira do ano passado? – ela questionou.

         - Brincadeira? Você mandou fotos minhas para os meus pais revelando que eu era gay!

         - De nada! – retrucou Taffara.  – Já estava mais do que na hora de você e o Rafa saírem daquele chove não molha, concorde comigo.

         Roberto bufou e se levantou da cama, esbarrando em Taffara a caminho da porta.

         - E agora você namora o gostoso do Rafa – ela continuou falando. – Todos temos o que queriamos.

         Ele se virou antes mesmo de passar na soleira.

         - O que quer dizer com isso?

         Taffara sorriu e cruzou os braços.

         - Você e o Rafa – ela fez um biquinho. – Parece algo meio premeditado, não?

         Ele continuou encarando sem entender.

         - Premeditado porque você já tinha uma queda por ele antes de ficarem.

         - Sim – ele pigarreou ao notar a voz rouca. – Eu tive uma queda por ele desde que nos conhecemos no ano passado.

         Taffara riu.

         - Sabe contar os anos, Roberto? – ela se sentou na cama e pegou um dos cookies. – Porque pra mim isso foi no ano retrasado... Na verdade, bem antes disso.

         - Do que está falando? Você é louca?

         - Eu? – ela apontou o próprio peito grande. – Talvez. Mas acho que o próximo louco de nós dois vai ser você quando Rafa descobrir que você já o conhecia bem antes mesmo de ele sonhar dizer um “oi” para você.

          Ele rangeu os dentes de frustração.

         - O que meu irmão viu em você pra começar a namorar?

         - O mesmo que você via quando ele falava do amiguinho Rafa que ele tinha – ela rebateu. – Quando eu ia à sua casa na época em que estavámos juntos, só bastava ele contar algo sobre o colega homossexual que passava lições pra ele enquanto você tremia de excitação... E tesão.

         - Eu era só um garoto.

         - Garotos que colocam fotos de outros garotos com quem nunca falaram como papel de parede não são garotos – ela chegou mais perto. – Eles têm outro nome até onde eu sei.

         Voyeurs. Aquela piada já não tinha graça antes quando ela invadia seu quarto nas visitas corriqueiras e certamente não tinha nenhuma agora.

         Taffara era a garota mais detestável do mundo.

         - O que está me dizendo? Que vai contar ao meu namorado que eu o desejava antes mesmo de conhecê-lo? – ele riu e o sorriso de Taffara não passou de uma careta.  – Vai em frente, eu te desafio. O máximo que ele vai fazer é ficar lisonjeado e você – ele apontou para o peito dela. – Vai continuar sozinha e miserável.

         A Rainha Má fez a carranca e colocou o cookie de volta na bandeja. E Roberto estava feliz por ter colocado ela em seu lugar, aproveitou a deixa no silêncio raro da inimiga.

         - Agora pode dizer como conseguiu despistar meus amigos e meu namorado para me tirar da festa?

         Taffara devolveu seu olhar rapidamente, a fera ainda ali dentro.

         - Não precisei despistar ninguém porque eles não estavam ali.

         Roberto sentiu um tremor nas mãos pousadas no batente.

         - Está mentindo.

         Ela balançou a cabeça.

         - Quando a luz acabou na festa a única coisa que consegui ver no flash do meu celular foi você capotado no sofá e uma garota de cabelo cacheado linda ocupada demais discutindo com uma japonesa. Não fazia ideia de quem ela era.

         - Eu passei mal – ele se lembrou. – Ande Rafa estava?

         - Com aqueles estranhos do ano passado, mas dessa vez com uma loira e um moreno que eu não conheço.

         Roberto se arrepiou. Loira.

         - Ele não me deixaria sozinha.

         A Rainha Má voltou a pegar o cookie na bandeja.

         - Está tentando convencer a mim ou a você?

         Com raiva por Taffara estar sendo sarcástica na mesma medida que sincera, Roberto a abandonou e desceu as escadas da casa, estranhando o silêncio e o vazio de móveis tão luxuosos.

         Talvez os pais dela não se importassem com o que ela fazia ou o que acontecia a ela.

         E Rafa também parecia ser assim com ele.

         O sol invadia a janela do corredor da casa de Marta de forma iridescente. O brilho fez com que Rael abrisse seus olhos por um momento até que os fechasse de novo. A luz doía, seu corpo doía. Tudo doía.

         Ele bocejou e estranhou ao virar a cabeça para uma porta de madeira familiar. Não que ele se lembrasse de tudo, mas tinha quase certeza que estava do lado de dentro antes de desmaiar na cama.

         - Bom dia luz do dia.

         Ele ergueu a cabeça a tempo de ver um garoto deitado na outra extremidade do corredor, perto da janela. O sol era uma cortina de luz entre os dois.

         - Vicente? – ele semicerrou os olhos para o garoto de cabelo escuro e mexas cinza lhe lançava um sorriso irônico.

         - Ao vivo e de ressaca – rebateu o outro num tom que só fez Rael se lembrar do quanto ele e Brad eram parecidos. – Então – ele se sentava de pernas cruzadas no chão. – Já pegou seu café lá embaixo?

         O garoto piscou sem entender nada.

         - É o quê?

         - Café – Vicente balançou a xícara com os dizeres MELHOR PAPAI DO MUNDO com uma salsicha vermelha do lado do logotipo. – Têm lá embaixo na cafeteira.

         - Você quis dizer na cozinha – corrigiu Rael. – Na cozinha dos verdadeiros donos dessa casa.

         Vicente bufou.

         - Verdadeiros donos – murmurou durante goles. – Você quis dizer os loiros que estavam aqui acabando com a festa e depois que todo mundo saiu deram o fora?

         - Do que está falando? Essa é a casa de Marta, ela deu a festa...

         - Ela é uma golpista que também não voltou até agora. Estou começando a desconfiar que a escritura dessa casa seja falsa!

         Rael estava prestes a perguntar o que ele sabia sobre escrituras de casa quando notou que estava só ele e Vicente no corredor extenso.

         - E – ele coçou a nuca e se sentou. – Onde foi parar todo mundo?

         - Foram expulsos e não voltaram, obviamente.

         Rael franziu a testa.

         - E o que você continuou fazendo por aqui?

         Vicente pareceu surpreso com a pergunta e deu de ombros.

         - Fiquei entediado. E também queria ver o que o garoto que cochila na casa dos outros iria fazer depois que despertasse.

         - Não consegue dizer uma frase sem bancar o engraçadinho?

         - Eu tento.

         Apesar da graça do garoto, ele pensou na noite passada e tudo o que sua mente vizualizou foi Gabriel, meio no escuro e meio na luz avançando para beijá-lo.

         O calor que sentiu ao lembrar-se do garoto mexeu em alguma parte que ele não soube controlar bem.

         - Você não viu nenhum garoto deitado aqui do meu lado nesse corredor? Ou quando chegou só tinha eu aqui?

         Vicente pareceu pensativo.

         - O garoto de cabelo escovinha?

         - Sim, ele mesmo – afirmou Rael com esperança. – Você o viu?

         - Sim, noite passada – respondeu. – Saiu daqui depois que as luzes voltaram com uma garota ruiva.

         O sorriso de Rael se perdeu numa careta sem expressão.

         - Garota? – Ah, não.

         — Sim, ruiva – Vicente assentiu. – Saíram juntos de mãos dadas e ele não parava de chamá-la de... De um apelido que mais parecia uma abreviação.

         - Deb?

         - Yes! – Vicente piscou. – Deb, Deb, ele não parava de sussurrar enquanto eles saiam.

         - Com licença.

         - Ei, aonde vai? – chamou o outro, mas Rael já estava levantado.

         - Vomitar – e então encarou Vicente. – Vai ficar aqui?

         Atrás da cortina de sol, a expressão de Vicente era inexpressiva.

         - Não tenho muitas alternativas.

         Sem entender mais uma frase enigmática do garoto irritante, Rael saiu da casa de Marta, se sentindo um lixo por dentro.

         - Precisamos conversar.

         Eduardo avaliou Andressa com o olhar escuro carregado de ironia. Ele jogou um dos cartuchos no centro da mesa e com a outra mão deu um gole no café.

         - Ah, agora estamos conversando? – perguntou passando por ela.

         - Sim, estamos! – ela correu atrás do namorado. – Eu preciso muito te contar algo.

         - Não achei que fosse querer algo de mim desde que ofendi o mortal com quem você dormiu – rebateu o outro.

         - O que você esperava? Ele está morto e você ainda tem cíumes do Lucas.

         Edu semicerrou os olhos.

         - Este é o nome então? Parece tão ordinário.

         — Edu, é sério! Eu tenho que te contar algo!

         - Então conta – incentivou o moreno.

         - A amiga de Rafa que deu a festa ontem é uma Vampira!

         Eduardo assentiu.

         - Eu bem que achei que a fantasia dela tinha alguma referência mistica.

         Andressa cruzou os braços e o encarou nos olhos.

         - O que? – ele cuspiu o café. – Tá falando sério?

         - Sim, eu estava na cozinha antes das luzes apagarem e nós lutamos!

         Eduardo balançou a cabeça.

         - Você deve estar confusa.

         Dessa o olhou sem acreditar.

         - Eu confusa? – ela riu. – Toquei o pulso dela e era frio.

         - Você não estava usando casaco – criticou o outro. – Pode ter sido isso.

         - Qual o seu problema? – ela guinchou. – Estou tentando explicar que acho que a amiga de Rafa pode ter algo a ver com o Capuz e você está brincando comigo!

         - Eu não estou brincando – declarou o outro intenso.

         - Só deve estar – ela empinou o queixo. – Por que outro motivo você estaria tentando não me ouvir?

         - Talvez seu devido momento fatídico – Edu deu de ombros. – Você ainda está nessa do Lucas? Nunca acreditei que ia te dizer isso, mas segue em frente.

         - Por que diz isso? – ele pousou a xícara na bancada. – Você gostava dele?

         Dessa abriu a boca sem acreditar.

         - Inacreditável.

         - Nem me fale – ele passou por ela de novo. – Vamos até a Carla, temos que ver o que elas conseguiram rastrear... Se é que conseguiram.

         - Não, espera – ela o pegou pelo braço e se orgulhou por ser forte o suficiente.

         - O que? – ele esperou o rosto a centimetros.

         - Será que se fizermos algo – ela tocou seu peitoril forte. – Você vai me tratar bem?

         Os olhos do namorado brilharam enquanto Dessa riscava a cintura dele com sua unha pintada de vermelho.

         - Talvez – ele engoliu em seco.

         - O que acha então – ela sussurrou nopé do ouvido dele. – Se abandonarmos mais uma missão só para relaxarmos? – ela o beijou nos lábios. – O que me diz?

         Eduardo a tocou no rosto.

         - Eu digo que temos uma missão.

         Ai.

         Como uma faca gostosa deixando uma ferida na coxa, Dessa podia o sentir saindo enquanto Eduardo se afastava.

         - Te vejo no carro? – questionou já a caminho da porta.

         - Claro – Depois que eu pegar minha dignidade do chão. – Te vejo lá.

         - Você vai ficar bem aí?

         Vick seguiu o olhar de Camila Alves para as janelas do segundo andar de sua casa e assentiu. O pai, o irmão mais novo de Vick, Alex,  e a madrasta haviam entrado no Toyota Prius da familia e seguido caminho até a casa da madrinha dela. Uma visita surpresa que ela não sabia que eles fariam porque tinha ido à festa e a megera da madrasta aproveita isso.

         - Vou sim, Camis – ela respondeu. – Vão ser só três horas.

         A melhor amiga fez uma cara de desdém.

         - Sozinha e em menos de uma hora Taffara de ameaçou. E agora sabemos que ela tem o Diogo e o Henrique no lado dela. Vigie suas costas, amiga.

         Vick pensou em como Henrique que saíra junto com ela da festa e estranhou o quão próximos estavam. Ela não tinha batido nele a menos de vinte e quatro horas atrás? Por que ele a estava defendendo?

         - Esles não podem fazer nada comigo – ela convenceu mais a si mesma. -–E você viu como ela estava descontrolada ontem? Acho que Diogo não está mais do lado dela.

         - Talvez não, mas ele continua sendo uma ameaça a você – avisou Camila. – E se ele só fugiu ontem pra tentar se vingar de você sozinho? E se ele veio atrás de você?

         Aquela era a coisa mais errada a se dizer. Diogo morava na rua dela, do outro lado da calçada. Ela encarou a casa marronzinha que lembrava uma caixa e engoliu em seco ao ver a sorte que tinha.

         Vick balançou a cabeça. Não ia acontecer nada, Diogo era inútil.

         - Obrigada por me deixar dormir na sua casa, Camis, mas não se preocupe comigo.

         O olhar de respostas da amiga era de dar dó.

         - Olha se quiser podemos voltar pra lá e você volta quando...

         - Não, não – ela balançou a cabeça. – Já exigi demais de você por um dia e, devo confessar que exigiria ainda mais. Só que não posso. Tenho que enfrentar as coisas de uma vez antes que elas venham em dobro depois.

         A amiga assentiu em concordância e pareceu mesmo entender sua situação.

         Ainda bem!

         - Promete me ligar qualquer coisa?

         Vick fez que sim.

         - Prometo.

         As duas eram tchau e ela dirigiu devagar pela rua enquanto Vick se virava para subir até a varanda.

         Ela passou a chave com chaveirinhos de dados duas vezes na porta e a abriu. Depois que fechou e cruzou o véstibulo com pressa jogou a bolsinha enlaçada na cintura em cima do sofá cor de vômito comprado pela madrasta. Começou a fazer uma minunciosa checada em cada móvel.

         Relógio tique-taque do Félix, ok. Poltrona ganhada de presente por Gálviny, ok. Um par de chinelos de Betty Boop na entrada da cozinha, ok. Porta da cozinha, aberta. Faqueiro na pia e não em cima do armário como deveria estar.

         Não, pera.

         Um leve ruído veio do comôdo onde havia um atalho para as escadas que levavam aos quartos e ela congelou na ilha da cozinha.

         - Pai? – Vick pegou a faca, checando seu reflexo e checando se havia sangue também. – Você tá ai?

         O intruso fez silêncio e ela já tinha feito maratonas de Scream para saber no que aquilo ia dar.

         - Diogo – ela chamou. – Se isso for alguma tentativa de tentar me assustar, você me pegou em um momento delicado, filho! Olha a faca!

         O sujeito saiu das sombras para a luz da cozinha e Vick ergueu a faca.

         Mas logo depois a abaixou.

         - Henrique?

         - Oi, Vick – o moreno acenou sem graça. – Eu sei que isso deve parecer estranho, mas pode largar a faca?

         A garota abaixou o objeto sem acreditar.

         Mas então a levantou de novo.

         - Como entrou aqui?

         - A porta dos fundos estva aberta – ele apontou com o polegar. – Eu sei que você acha que isso é algo que só um Serial Killer faria, mas confie em mim, eu não vou fazer nada.

         - Tudo bem – ela não largou a faca. – E o que quer?

         Henrique mudou o peso de um pé para o outro.

         - Sei que não nos conhecemos muito e seu amigo me odeia – What? O Rafa que te odeia né? – Mas eu preciso de um lugar para me esconder. Queria saber se – ele estufou o peito parecendo criar coragem. – Se posso ficar aqui. Com você.

         Comigo? Por quê? Ela quis gritar, mas havia algo de inocente no pedido dele.

         - Meu irmão Neemias, que tem a chave de casa, eu não consigo entrar em contato com ele – explicou. – Liguei umas duzentas vezes. Então, se importa se eu só ficar? Juro que não toco em nada.

         - Não – ela deixou a faca cair dentro da pia. – Pode ficar o quanto quiser.

         - Valeu – Henrique sorriu e ela entendeu o estardalhaço das garotas na escola. Era mesmo lindo. – Mas Henrique tenho que te perguntar. Do que está se escondendo?

         Ele a fitou por um tempo e Vick podia jurar que podi ler o som que sua mente fazia enquanto ele inventava alguma mentira. Só que não podia escutar de verdade e isso a deixou nervosa.

         - Eu queria poder mesmo dizer – a voz dele agora era lenta e torturada. – Mas acreditaria se eu dissesse que só ia te fazer ruim saber?

         Não.

         - Tudo bem – ela respirou fundo. – Pode ir se instalando enquanto eu tomo um banho rápido.

         Henrique pareceu aliviado, mas não se mexeu um centimetro de onde estava.

         - Pode ficar na sala ou na cozinha – ela incentivou enquanto contornava o comodo. – Fique à vontade, por favor.

         - Vick – ele chamou e ela parou na soleira.

         - O que foi?

         - Eu sei que parece que Taffara quer seu mal, porém – ele deu dois passos corajosos e os olhos dela seguiram o movimento. – Não acredite em nada do que ela disser ok?

         Agora essa!

         - Tudo bem – ela sorriu e o gesto foi um mal mover de lábios. – Não vou. Agora aproveite ai. Já volto!

         - Ok – ela o ouviu murmurar.

         Mas só depois de proteger seis ou sete minutos até decidir ou sete minutos até decidir a hora certa para trancar o próprio quarto ela tirou o celular do bolso e discou um número.

         Teve que esperar tocar quatro vezes até uma voz fina e confusa atender:

         - Alô? Vick?

         - Sim, sou eu – ela se apressou e olhou a fresta embaixo da porta atentamente. – E eu só liguei para te dizer que ele está aqui.

         - Cadê o Marco? – perguntou Rafa enquanto ele e Rita abriam as portas do Audi. Rita se balançou nos pés e encarou o loft envolto da terra cheia de pedrinhas que era basicamente o lar dos Lobos.

         - Não o vejo desde o apagão de ontem – disse ela com um rubor e Rafa se perguntou se a coitada se achava uma péssima irmã por não saber.

         - Ele... Está com alguém? – pressionou Rafa se sentindo muito ousado.

         - Pensei nisso – admitiu a garota linda. – Mas quando fui perguntar ele praticamente me mordeu.

         Rafa sorriu com o tom engraçado dela.

         - Então ele tem alguém.

         - Será?  - questionou os belos olhos da outra.

         Rafa assentiu.

         - Quando ele estava pronto, você irá saber, acredite.

         Rita sorriu e os dois adentraram as portas barulhentas do loft.

         Diferente da mesma mesa de sempre, uma Carla séria e um Erick e Érika surpresos encararam eles do sofá bem aparentável cor de vinho que dava um caráter ao novo loft. Eduardo e Andressa estavam em pé na cozinha improvisado enquanto Fernando, usando uma camisa azul-bebê com mangas curtas se recostava no poste.

         Seus olhos claros brilharam.

         - O prazo já acabou? – ele virou a cabeça devagar para encarar Eduardo.

         Que agora fitava Rafa.

         - Você o encontrou? – questionou.

         - Não, mas...

         - Sem “mas” Caubói! Eu te dei um prazo e se você não o cumpriu pode tratar de fazê-lo agora mesmo.

         - Edu! – Dessa o cutucou.

         - Calada – ele bufou. – Você teve uma simples missão de achar aquele mortal intrometido e horas antes do prazo acabar você resolve aparecer de mãos vazias?

         Fernando pigarreou.

         - Edu...

         - Quê?!

         O loiro meneou a cabeça.

         - Escute-o antes de atirar.

         O moreno retorceu o rosto com a frase, mas cansado de tudo aquilo, Rafa semicerrou os olhos e o que parecia uma caneca atrás de Edu explodiu.

         - Ei, era minha! – Érika correu para a cozinha.

         - É sobre isso que vim conversar com você – Rafa não se desvirtuou do assunto. – Com vocês. Eu acho que o blecaute, a aparição do Capuz e a morte de Diogo estão todas ligadas.

         Andressa cruzou os lábios como se dissesse “Já sabia!”, mas seu parceiro ao lado não parecia muito surpreso. Erick se inclinou mais para frente e Carla, mesmo com os olhos inchados, ergueu o olhar enquanto Érika parava de andar.

         Fernando descruzou os braços e ergueu as sobrancelhas loiras.

         - Pode continuar – pediu.

         - Quando segui Henrique eu o perdi de vista, admiti-lo – disse, mas então aumentou o tom de voz: - Mas encontrei na floresta três garotas que parecem ter algo a ver com o Capuz e seus planos. Uma delas é Leticia.

         - Eu sabia – Érika farejou o ar. – Vadia.

         - A segunda tenho quase certeza que se trata de Carolina e a terceira é uma Vampira.

         - Isso eu sei – Dessa levantou a mão, mas então a abaixou. – Mas como não quiseram me ouvir antes...

         - Foco – Edu encarou Rafa. – E qual foi o papel delas?

         - Bom o da Leticia foi apagar as luzes com mágica, ja que Andressa estava lutando na cozinha, onde fica o interruptor.

         E enquanto a Vampira fazia isso eu comecei a me perguntar se Carolina não foi quem pegou Diogo antes.

         - Mas nós o vimos com o Capuz Doido – Erick seoltou com o sotaque enrolado. – Ele matou Diogo, certo?

         - Quem garante que ele já não estava? – rebateu Rafa. – Eu não vi os olhos dele se fechando, vocês viram?

         Ninguém respondeu e isso só o fez ter o seu “sim” silencioso.

         - Então - Eduardo coçava a barba por fazer. – Seu amigo Henrique não teve nada a ver com isso?

         Rafa foi um pouco para trás, surpreso com a pergunta.

         - Ahn?

         - Edu acha que ele é o Capuz – Fernando soltou e o moreno o encarou.

         - Eu, né?

         - Mas gente – Rafa franziu a testa. – Como ele ia aparecer de um lugar para o outro tão rápido?

         - Não é essa a habilidade dele? – o loiro o lembrou. – Não foi assim que o vimos salvar suas comparsas?

         Rafa queria acreditar, porque já achava isso antes, mas agora não sabia bem se só estava com medo da volta do outro.

         - Se for assim – ele caçou as palavras na mente. – Então ele pode ser qualquer um em qualquer lugar.

         Eduardo bateu palmas um pouco forte demais.

         - Parabens, Capoci, voltamos à estaca zero!

         - Essa estaca devia é entrar no peito daquela Vampira – grunhiu Andressa. – Tá, agora que sabemos que o Capuz tem uma Vampira, uma Atiradora e uma Bruxa do lado dele, qual o próximo passo?

         - Okay – Rafa umedeceu os lábios. – Que tal matarmos um dragão de cada vez?

         Carla, que tinha ficado calada até agora, riu.

         - Fica dificil matar uma cabeça quando mais três vem ao mesmo tempo.

         Eduardo assentiu.

         - Ela está certa, nós...

         - Não venha dizer como eu me sinto – a Loba grunhiu e todos a olharam.

         - Ok – Érika sorriu e voltou à sala. – Vamos todos nos acalmar e nos focar. Acho que o que significa é que vamos ter que lutar com as três ao mesmo tempo, certo?

         - Certo – Raf arespondeu. – Nós somos sete e eles quatro, quais as chances delas ganharem?

         Todos os outros seis sobrenaturais ali queriam responder a mesma coisa até o momento em que Rafa sentiu uma vibração.

         Ficou em choque na hora, mas Rita tateou seu bolso rapidamente e o entregou seu celular.

         - Ah, obrigado – ele agradeceu e olhou a tela, confuso por aquela pessoa estar ligando para ele.

         - Alô? – atendeu cautelosamente. – Vick?

         A garota confirmou rapidamente e suas próximas palavras foram tão rápidas que ele nem teve tempo de processa-las direito.

         Mas então quando se deu conta de quem se tratava ele confirmou confuso por ela saber que ele o procurava. Depois combinou de ir até a casa dela.

         Quando desligou com um agradecimento à velha amiga, seus olhos se voltaram e ele percebeu que os Lobos já sabiam do que se tratava.

         - O que ela queria? – Dessa questionou, com as unhas já na boca.

         - Ela me ligou para dizer que Henrique está escondido na casa dela – ele olhou Eduardo enquanto falava. – Parece que cumpri minha missão antes do prazo. Porque eu vou pegá-lo agora.

         Rael entrou tropego no Dropcoff naquela mesma hora, suas mãos seguravam o batente enquanto ele se impulsionara até o balcão. O barman ali o olhou como se estivesse cansado de vê-lo por ali.

         - Outra aberração – grunhiu ele. – O que vai querer?

         - Latte – arfou Rael se sentindo um pouco incomodo com a fraqueza em sua voz.

         Ele procurou um lugar em uma das cabines e se sentou enquanto esperava. Ao olhar a rua na janela, o sol explodia a manhã cheia de bons sentimentos para quem passava por ali. Rael estava separado dessas pessoas e não só por causa do vidro.

         Primeiro ele se apaixonou e depois se decepcionou. E quando se entregou bateu a cabeça na má sorte de novo.

         Ele podia até ver Gabriel se afastando dele na cama dos pais de Marta e saindo de fininho para encontrar a preciosa Deb dele. E mesmo com Rael dizendo que não era tão ruim assim não ser de alguém, a verdade era que era sim.

         Queria ser de alguém, até mesmo de um idiota como o jogador Brad com quem ele ficou ontem. Ter qualquer pessoa naquele momento seria bom.

         As portas da cafeteria se abriram num rompante e Rael olhou pelo espelho redondo que mostrava o balcão. Quando ele viu de quem se tratava afundou ainda mais no banco.

         Gabriel agora vestindo jeans e moletom escuro falava com o barman, que agora parecia um cachorro mansinho ao anotar seu pedido. O cabelo escovinha do garoto balançou quando ele se virou para olhar no reflexo.

         Rael escondeu o rosto em uma cortina de seus cachos quando a garçonete parou ao seu lado e deixou o café. Ele tomou o primeiro gole, mas não se sentiu tão bem como achava que iria ficar. No segundo gole já estava planejando se levantar, deixar uma nota e ir embora dali.

         Mas quando tomou o terceiro e se levantou Gabriel apareceu ao seu lado da mesa com uma expressão divertida.

         - Mesma roupa de ontem? – apontou.

         Rael o ignorou e começou a se virar.

         - Não, espera Rael, por favor.

         O garoto girou nos calcanhares, sem acreditar.

         - Eu quero conversar.

         - Você perdeu esse direito – respondeu Rael. – Depois de me humilhar pela segunda vez. E última.

         Gabriel respirou fundo.

         - Eu terminei com a Deb.

         A declaração não devia ter mudado nada, mas mudou sim quando a raiva toda de Rael se dissipou.

         - O quê?

         - Apenas se sente – pediu Gabriel outra vez. – E eu te explico como saímos da festa e como também terminei com ela detalhadamente.

         - Mas por que você faria algo assim?

         - Porque eu quero tentar algo com você, Rael. Será que agora podemos sentar e conversar a respeito de tudo?

         Rael fez o que ele pediu e lentamente se sentou. E depois escutou e apenas escutou. E a cada palavra de Gabriel ele foi se sentindo melhor a cada instante.

         E pela primeira vez tudo estava dando certo de novo.

— Eu quero saber de tudo! – declarou Camila Poli aos pulinhos quando Taffara abriu as portas de sua casa para a aliada.

Não, ela não tinha aparecido de penetra. Taff havia mandado uma mensagem com a foto de Roberto babando em sua cama rosa mais cedo. Camila tinha surtado e prometido ir até a casa dela dentro de meia hora.

Mas depois da discussão com o nadador namorado do detestável Rafa, ele tinha conseguido apontar os furos em seu plano genial. Que afinal não era um plano tão genial assim.

— Tudo bem – Taff revirou os olhos. – Mas podemos fazer isso lá em cima? Eu já estava indo colocar meus lençois pra lavar.

— Se um deles tivesse dormido na minha cama – a aliada balançava a cabeça. – Eu os queimaria.

Taffara reconsiderou a ideia.

— Talvez, quem sabe.

— Agora me conta tudo sobre ontem! – ela a seguiu pelo comodo. – Todos estão falando que você saiu da festa junto com o Henrique. Isso é verdade?

Taffara se lembrou de ficar tão surpresa quanto Camila quando estava prestes a pegar Vick pelo cabelo e o moreno apareceu. Depois que ele conseguiu empurra-lá, Henrique a conduziu até seu carro e ela olhou para ele com a testa franzida.

— Para onde estamos indo? – questionou. – Com o meu carro?

— Preciso despistá-los – ele havia murmurado.

— Despistar quem? – ela havia questionado, mas o ex-namorado mal dissera uma palavra. Ela então tinha olhado pelo espelho do carro e ficado surpresa.

— Por que seu irmão que me destesta está desmaiado no banco de trás?

— Eu o encontrei assim – Henrique havia se defendido de seu tom acusatório. – E não podia deixá-lo sozinho.

— Então porque não foi na droga de seu carro?

— Eu já disse, preciso despistar os outros.

— Quem? Rafa e seus amigos? Por quê?

Sem respostas.

         - Ótimo. Pega meu carro, me manda embora de uma festa como se tivéssemos voltado e agora vai dirigir até sua casa com seu irmão... Com o meu carro.

         - Na verdade – o moreno mal tirou os olhos da frente. – Vou precisar da sua ajuda.

         E agora Roberto já tinha acorado e ido embora e nada de Henrique aparecer e explicar porque tinha feito tudo aquilo.

         - É sim – ela disse para Camila quando já estavam no meio da escada.

         - Isso quer dizer que vocês voltaram?

         Taffara se virou para encara-lá de cima e se perguntou por que diabos ela estava sorrindo ao perguntar se ela gostava de suicidio social.

         - Lógico que não – ela voltou a subir. – Não quero mais nada com aquele idiota!        

         - Eu sabia – Camila balançava a cabeça. – Ou aquele tapa não teria sido preciso.

         Taffara não disse nada ainda porque não tinha como explicar como se sentia em relação à mentira do ex-namorado. E pra falar a verdade, nem queria.

         - Mas conseguiu saber o que ele queria com você?

         Não. Taffara mordeu o lábio inferior quando elas entraram em seu quarto.

         - Queria que voltássemos.

         A boca de Camila Poli fez um O enquanto Taffara se virava e começava a tirar as almofadas de sua cama king-size.

         — Eu não acredito que ele pediu isso! Que canalha!

         - Né? – Taffara sorriu por dentro, a mentira tão facil contaminando a outra.

         Foda-se, depois ela subornaria Henrique para confiar sua mentira.

         - Sabe o que você deveria fazer?

         - Tenho a impressão de que você vai me dizer – murmurou Taffara.

         - Você devia ligar para ele agora e dizer um “talvez” só para deixá-lo na esperança! E depois torturá-lo!

         Taffara não achou a ideia ruim, achou péssima. Quem ela pensava que ela era? Regina George? Estava prestes a dizer isso a ela quando as duas pularam com uma vibração forte audível.

         - Que merda é essa?!

         Camila procurou com os olhos e olhou a cama.

         - É um celular! – ela apontou o aparelho e o pegou. – É seu?

         Taffara balançou a cabeça e pegou o aparelho cinzento da Nokia que vibrava. Na tela, um aviso de nova mensagem na caixa postal podia ser lido nas notificações.

         - Será que Roberto deixou cair? – questionou Camila.

         - Será que devemos ouvir? – perguntou sobre o recado.

         Camila afiou os olhos com curiosidade evidente.

         Taffara tocou o dedo na notificação e uma linha foi chamada quatro vezes enquanto o dono do celular deixava cair na caixa de mensagens.

         — Você irá morrer hoje á noite — uma voz muito grossa disse do outro lado da gravação.

         O recado acabou com um som abrupto e as duas se encararam chocadas.

         - Esse é o celular de Roberto mesmo? – Taffara questionou.

         Camila pegou o aparelho e apertou para ouvir o recado novamente. Ao ouvir de novo, Taff soube por que ficou paralisada de medo. Havial algo naquela voz que não soava apenas eletrônica ou modificada por um aplicativo.

         - Er, Taff...

         - O quê?

         - Eu não acho que esse seja o celular do Roberto não.

         - Como assim? – a amiga lhe entregou o objeto e Taffara se viu encarando uma galeria de fotos fora de foco e algumas nudes que ela não teve coragem de subir para ver. Mas o rosto moreno ela teve coragem de ver sim e o reconheceu na hora.

         Tinha perdido ele de vista na festa, mas ele estava bem ali.

         - Diogo – ela arfou. – Esse é o celular do Diogo.

Rafa entrou na casa de Vick pela porta dos fundos da cozinha, tomando cuidado para não fazer barulho. Se derrubasse qualquer coisa ali Henrique ficaria desconfiado e podia fugir de novo.

Ele ficou na ilha da cozinha e esperou pelo sinal. Checou o celular e olhou mais uma vez a mensagem de Vick:

Você entra por trás e eu o distraio para você poder entrar. Quando eu sair, você entra.

— V.

         Assentiu para a mensagem e tocou a tela com carinho. Não sabia o que tinha feito para Vick voltar a confiar nele novamente, mas estava profundamente grato por ter a auda dela. Como se não fosse o suficiente esconder a história sobre Henrique até recentemente, ele agora devia mais que o dobre e o décimo a ela também.

         Rafa voltou a se concentrar e ficou olhando a sala onde uma Tv transmitia um programa culinário. Tentou vizualizar Vick e Henrique sentados no mesmo sofá ou em diferentes, assistindo juntos, mas o ângulo onde tinha que se esconder não proporcionava nenhuma visão exata.

         Ele pegou o celular e digitou uma mensagem avisando que já tinha chegado. Não demorou muito para Vick fazer o sinal.

         - Estou com fome – ele conseguiu a ouvir dizer.

         Alguém se mexeu no sofá.

         - Se quiser posso te ajudar na cozinha – indicou Henrique, a voz grossa.

         - Ou – Vick respondeu em um tom mais agudo. – Eu posso ir até o mercado e comprar algo pra gente.

         - Claro, eu vou com você.

         - Não, melhor não – a outra insistiu.

         - Mas Vick, você está me deixando ficar. O único jeito de te recompensar por isso é...

         - Mas qual o sentido de você ir comigo se você precisa se esconder? – ela rebateu e Henrique se calou.

         Se esconder de quem? De Rafa?

         - Tudo bem – o moreno se ajeitou no sofá. – Então eu espero aqui?

         - Claro, fique à vontade – conseguiu ouvir porta sendo aberta. – Eu já volto!

         Rafa ouviu o trinco girar mais de duas vezes e então de seu esconderijo.

         Quando parou na soleira da sala, Henrique – ainda usando as roupas da noite passada também – começou a se levantar.

         - Nem tente a porta – Rafa avisou. – Está trancada.

         O moreno parou no meio da sala sem saber o que fazer e firmou o punho ao encarar a janela.

         - Mesmo que consiga sair, Henrique – ele prosseguiu. – Dois amigos meus estão te esperando do lado de fora. Por favor, não tente ou vai se machucar.

         Henrique virou os olhos em brasa na direção dele e Rafa não soube dizer se estavam com raiva ou se estavam com medo.

         - O que você quer? – questionou.

         - Quero que você me escute – ele começou a adentrar a sala enquanto falava, diminuindo a distância entre eles. – Porque estou prestes a te contar toda a verdade.

Roberto chegou à rua da casa onde moravam Vick e Diogo com as pernas queimando de tanto andar. Da casa de Taffara até ali ele não achou nem um pouco perto. A rua era reta com casas normais, tirando uma marrom que lembrava uma caixa grande.

A de Vick era a mais próxima, com uma pintura amarela e janelas de vidro enormes em retângulo. Roberto não pensou em bater na casa da suposta amiga até ver duas figuras familiares na porta.

Um era Fernando, o loiro cuja amizade Rafa havia prometido não ter mais e o outro era um moreno de cabelo escuro que estava vestindo a fantasia de Max Steel na festa.

O que eles estavam fazendo ali na porta da casa de Vick? Eram amigos dela? Parentes? Notou a postura dos dois e a pouca conversa que provavelmente estavam tendo e percebeu que eles estavam guardando a porta.

Sem presságio ele começou a pisar no jardim antes de chegar até a varanda. Quando deu um passo no assoalho, os dois o encararam.

— Não pode entrar – falou o moreno o pegando pelo braço.

— Me larga! – Roberto puxou seu braço de volta, mas ele doía. – Por que não posso entrar? Minha amiga mora lá dentro!

— Não pode – Fernando o encarou. – Ela nos pediu para não deixar ninguém entrar.

— Mas por quê? - ele olhou atrás de seus ombros. – O que está acontecendo lá dentro?

— Estão em uma conversa particular – o moreno só disse isso.

Roberto encarou as janelas também e depois aos dois com desdém.

— Não foi a Vick que ediu para que ficassem aqui.

Fernando ergueu o queixo.

— Você parece saber demais, pelo visto.

— Eu conheço meu namorado – retrucou Roberto. – Me deixem entrar.

— Lamento isso não vai ser possível.

Roberto se jogou no meio dos dois, mas dessa vez duas mãos o empurraram e ele caiu no chão.

— O QUE DEU EM VOCÊS?! – ele gritou. – O QUE VOCÊS TÊM COM O RAFA? ESTÃO SUBORNANDO ELE, É?

— Não estamos – Fernando respondeu olhando atrás deles. Roberto seguiu seu olhar e viu que um aglomerado de vizinhos começava a se virar na direção deles.

— Devem estar – ele murmurou secamente. – Por que alguém faria tudo o que vocês estranhos pedem para ele fazer?

Fernando e o outro cara se olharam por um segundo.

— Rafa foi bem claro – o loiro disse com a boca cheia. – Ninguém entra e ninguém sai.

— Isso mesmo! – o moreno acrescentou. – Ninguém entra até ele terminar com o outro lá dentro!

Roberto franziu o cenho.

— Outro? Que outro?

Fernando socou seu parceiro.

— Valeu Erick!

O moreno, Erick, revirou os olhos.

         Mas Roberto se levantou de novo.

         - Eu vou entrar – ele começou a subir as mangas da própria camiseta. – Não importa o que eu tenha que fazer.

         O sorriso de Fernando era insolente.

         - Vou adorar te ver tentar.

— Então você se divertiu às escuras ontem? – perguntou Rogério.

Marco franziu o cenho para ele e comeu o strogonoff feito pelo garoto com uma mordida forte.

— Não me diverti – ele retrucou. – Fui direto pra casa.

Roger o encarou com os olhos semicerrados e Marco se assustou.

— Qual o problema? Ei, está chegando muito perto!

— Você cheira a mulher! – decretou Roger se afastando.

Marco enrubesceu ao lembrar o perfume de Gabi, mas balançou a cabeça. Se ela disse que iriam se ver mais tarde, eles se veriam mais tarde, certo?

Ela havia prometido certo?

— E qual o problema? Não existiam garotas só naquela festa!

Roger fez um “tsc” com a boca.

— Enquanto você banca o sarcástico, vou preparar um suco.

— De qual sabor? – questionou Marco.

— Uva! Dãr!

Marco inchou as bochechas.

— Talvez eu esteja mesmo saindo com alguém – ele admitiu em voz baixa.

Roger assoviou.

— Você jura? – comentou com ironia enquanto pegava o saquinho de cor roxa.

— Como você já podia saber?

Rogério deu de ombros.

— O chupão no seu pescoço.

Marco enrubesceu e tocou a base de sua clavicula sentindo uma ardência na pele.

— Eu nem tinha visto.

— Qual foi? – Rogério gargalhou como uma criança. – A gata mordeu com força?

Marco assentiu perdido nas memórias dentro da viatura. Será que deveria associar Gabriella a palavra “gata”?

— E qual o nome dela?

Ele estava prestes a dizer mesmo o nome de Gabi, mas ao ver a curiosidade latente nos olhos do amigo, pensou mais uma vez. E se ele conhecesse a policial ou a visse interrogando alguém na cidade? E se ele fizesse a ligação?

— Claudia – ele mentiu. – Ela é de uma escola cristã, você não conhece.

Rogério assentiu enquanto despejava àgua gelada em um bule em formato de abacaxi.

— E o que uma cristã iria querer com você? Ajoelhar e rezar?

Marco o ignorou e o ajudou a pegar alguns copos dentro do armário.

— Você não está mentindo para não me dizer que não é gay não né?

— Não – Marco revirou os olhos.

— É porque cara, meu irmão é, então...

Marco ergueu a cabeça de repente.

— Espera como disse que é o seu sobrenome mesmo?

Rogério bufou.

— Não disse – ele riu. – Mas é Capoci. Por quê?

Marco engoliu em seco e estudou a casa do amigo com os olhos. Será que no segundo andar acharia o quarto de Rafa com um pôster de crossfit na parede atrás da porta?

— Okay – Rogério suspirou. – Enquanto você banca o esquisitão eu vou buscar meu computador e jogar LOL enquanto você só assiste.

Marco abaixou a cabeça para a pia enquanto Rogério sumia por um dos comodos da casa enorme.

O que ele podia dizer? Que ele conheceu seu irmão em meio a uma perseguição de Atiradores? E que agora eles estavam mantendo a amizade por conta de um Capuz que estava querendo matar seu irmão?

Um baque soou na casa repentinamente silenciosa.

— Roger? – Marco se levantou do banco. – Tá tudo bem? – gritou.

Quando não houve resposta, ele seguiu caminho até a sala e viu Roger paralisado no alto da escada, olhando algo no chão do segundo andar.

— Cara – falou. – Você está me assustando!

O amigo loiro se virou e seu rosto estava pálido ao encará-lo.

— Eu juro que não sei como isso veio parar aqui. Eu juro cara!

— Isso o quê? – questionou.

Rogério desceu um degrau e se sentou enquanto ele subia correndo.

Quando viu o que ele tinha visto, Marco congelou com a mão no corrimão da escada e quase caiu dali com o choque.

— Eu não sei como foi parar ai, eu não sei – Rogério chorava.

— Eu sei – Marco engoliu em seco. – Eu sei que não foi você.

E não podia ter sido. Porque ali no chão do corredor do segundo andar, um corpo estava estirado com os braços e pernas jogados de um jeito desumano. A cabeça pendendo para cima e os olhos revirados no rosto pálido.

Estava morto.

Henrique arfou.

— Então você é o quê?

Rafa coçou a nuca, um pouco constrangido.

— Okay, que fique claro, não sei o que sou exatamente – respondeu.  – Mas sei até agora que sou capaz de explodir sua cabeça.

O moreno se retraiu no sofá com os olhos escuros arregalados.

— Mas relaxa – Rafa riu. – Não vou te explodir.

Ele suspirou parecendo aliviado.

— Então Andressa, Eduardo e Fernando são caçadores? – questionou. – De quê?

— Basicamente de tudo. De tudo que seja paranormal, claro.

— Têm mais coisas além de Vampiros?

Rafa assentiu.

— E eu desconfio que não conheci nem a metade até agora.

Henrique passou a mão no rosto e murmurou um “uau” parecendo pensativo e Rafa viu que lembrava muito a ele mesmo quando entrou para aquele mundo todo.

— E quem era aquele cara com quem vocês doparam ontem?

— Esse é o grande mistério que todos estamos loucos para saber – Rafa suspirou, mas então o fuzilou com os olhos. – Achei que tinha dito não ter visto nenhum Capuz ontem.

Henrique o olhou sem nenhuma expressão.

— Eu menti.

— Ah – Rafa balançou a cabeça. – Esse cara assassinou Diogo ontem e está por ai dentro de um adolescente.

O moreno chegou mais perto.

— E o que ele quer?

Rafa se remexeu no sofá com o olhar do outro.

— Desconfiam que seja... Eu.

 A porta da casa abriu com tudo e os dois se separaram quando Roberto entrou com tudo na sala, os olhos claros fuzilando cada um deles.

— Que porra é essa?

Rafa se levantou.

— Rob, eu sei o que parece, mas...

— O que me parece – Roberto disse secamente. – É que você me deixou desmaiado na festa ontem! E agora eu te vejo conversando com meu irmão? Que porra é essa Rafa?!

Rafa balançou a cabeça sem acreditar. Ele não podia mais mentir ao ser pego naquela. Tudo ia para os ares dali por diante.

— Quer me dizer o que tá rolando? – Roberto olhou de Rafa para Henrique. – Quer me dizer, mano?

Henrique estufou o peito e olhou o irmão mais novo de um jeito sério.

Roberto ficou surpreso, mas Rafa apenas tremia, esperando o mundo todo acabar nas próximas palavras do moreno.

— Eu estou usando drogas.

Rafa abriu os olhos

O quê?

— É O QUÊ? – Roberto guinchou. – QUE HISTÓRIA É ESSA!

— É verdade – Henrique suspirou e ficou lado a lado com Rafa. – Estou usando desde ano passado e Rafa descobriu ontem à noite.

Roberto olhou os dois sem acreditar.

— Rafa? – ele questionou parecendo perdido.

— É verdade – Rafa pigarreou. – Eu descobri ontem, no bosque.

Roberto balançou a cabeça e olhou o irmão de um jeito incrédulo.

— E o que vocês dois estão fazendo aqui?

— Eu vim convencê-lo – Rafa não se surpreendeu com o jeito que a mentira se alongou. – A parar de usar e procurar ajuda.

— Eu acho bom! – Roberto balançou a cabeça e encarou o irmão. – Você precisa se cuidar, Rick!

— Eu vou – Henrique juntou as duas mãos numa promessa e olhou Rafa pelo rabo de olho. – Eu juro que vou.

Rafa sorriu discretamente. Henrique não parecia tão novo nessa coisa toda de novo mundo. Já era um perfeito mentiroso logo de cara.

Ele notou também que ali estavam os três: ele, Roberto e Henrique. E ninguém estava mais tenso.

Os dois amantes se encontraram no alçapão ao meio-dia. Ele estudando o terreno antes de entrar no complexo cinzento. Ela, loira e descuidada, andou despreocupada pela terra lisa com seus tênis perfeitos para correr.

         - Não achei que viria – ela sorriu para ele quando os dois ficaram frente a frente.

         - Eu que achei que você não viria – ele respondeu devolvendo o sorriso. – Ela suspeita que tenhamos algo.

         - Relaxa com a Carla – a loira revirou os olhos. – Ela só está naqueles dias. Você sabe como é pior para nós Lobos, já que é mais de uma vez que acontece.

         - Já ouvi isso em algum lugar – murmurou o moreno.

         - E quanto a Andressa? – a garota o socou no ombro.

         - Ai! – ele reclamou. – O que tem ela?

         - Tem certeza que ela não suspeita de nada? Você não foi nada sútil saindo daquele jeito, Edu!

         O moreno revirou os olhos.

         - Você é que late a noite e eu sou o indiscreto?

         - Estou falando sério, Edu!

         - E eu também, Érika – ele a pegou pelos ombros. – Ninguém nunca vai saber o que está rolando entre nós. Pode ficar tranquila.

         Érika assentiu tentando ficar mais tranquila.

         - Nisso eu concordo – ela afagou o peito dele. – Estão todos ocupados com aquele maldito Capuz.

         - Todos inclusive nós – Eduardo a lembrou.

         - Não falemos mais do problema – ela enlaçou seus braços no pescoço languido dele. – Agora só vamos relaxar.

         - Isso – Eduardo sorriu e se inclinou para tocar seu rosto. – Só vamos relaxar.

         Um leve barulho de raspagem fez com que os dois congelassem. Eduardo se afastou e olhou para a porta do local que continuava fechada, depois checou o teto onde guindastes estavam dependurados.

         - Quem está ai? –tocou a arma na cintura, mas não foi preciso quando Érika fungou o ar.

         - Espera – ela tocou seu braço. – Eu acho que conheço esse cheiro.

         - E pode ter certeza que conhece.

         A voz veio de lugar nenhum, mas o soco que Érika recebeu veio de algum sim. Antes que Eduardo fizesse mais algum movimento, Andressa apareceu ao seu lado com o cabelo sedoso e escuro caindo nas costas.

         Quando ela o olhou ele sentiu como se tivesse levado um tiro.

         - Dessa?

         - Dessa?— ela riu e ergueu o punho. – Vá se foder filho da mãe.

         E o socou.

         Ele não revidou e nem muito menos ousou se levantar enquanto Andressa ia até a loira que chomingava no chão e chutava sua barriga.

         - Estão todos ocupados com aquele maldito Capuz, você disse – Andressa a pegou pelo cabelo. – É, parece que você estava errada!

         - Dessa, não faça nada! – Eduardo gritou ao se levantar e a namorada franziu o cenho.

         - Não fazer nada? – Andressa riu e andou até ficar de frente pra ele. – Não fazer nada enquanto você me traiu com a maldita Loba?!

         - Dessa...

         Ela o acertou com um tapa e por mais que já tivesse dado o soco, doeu muito mais.

         Quando a encarou de novo, Andressa tinha o rosto retorcido e os olhos vermelhos.

         - O que eu fiz de tão ruim? – ela parecia se controlar ao falar. – Tão ruim que você precisava se encontrar com uma garota que... Que nós ajudamos? Que você queria matar no passado?

         - As coisas mudaram – ele se encontrou gesticulando loucamente. – Quando eu dei por mim...

         -... Você já estava com a sua boquinha colada na dela?!

         Ele se calou.

         Andressa olhou para Érika que chorava com a careta colada ao chão.

         - Você está chorando? – o tom dela era irônico. – Eu descubro que você está se encontrando em um lugar abandonado com o meu namorado a... Sei lá quanto tempo e você é quem chora?!

         - Eu... Eu sinto muito – Érika abriu os olhos lacrimejantes.  – Você tem todo o direito de me odiar.

         Andressa a encarou com uma expressão vazia e quando pegou a Agulha Gigante Eduardo teve uma síncope na hora. Mas então a morena subiu o objeto cortante e o entregou a Eduardo.

         - Dessa? – ele questionou confuso pegando o objeto.

A Agulha era um presente de Eduardo e uma lembrança da missão dos dois no Natal. Aquela missão tinha sido definitiva e foi nela em que ela havia demonstrado interesse sentimentos por ele pela primeira vez. Ela estava dando a ele?

Isso significava que tinha acabado?

— Eu tenho muita, muita pena da Carla – disse Andressa e encaava Érika no chão. – Porém tenho mais pena de você. Porque vai ser impossível ela ou até você mesma se perdoar pelo que você fez.

A loira afundou o rosto no chão e foi como se o peito de Eduardo por dentro houvesse sido aberto.

— E quanto a você – Andressa o olhou e ele não sabia dizer quantas expressões um rosto podia ter. – Eu nunca mais quero te ver novamente.

Ele queria dizer que eles se veriam de qualquer forma, mas a situação não exigia que ele fosse exato e sim respeitoso.

Espera... Respeitoso? Ele estava ali parado sem dizer nada enquanto ela se virava para sair do depósito sem olhar nenhuma vez para trás. O que ele tinha feito que pudesse beneficiar alguém além dele mesmo?

As portas bateram com força brutal e Eduardo abriu os olhos que nem tinha percebido que estavam fechados. Quando olhou ao seu redor, encontrou um lugar vazio com o eco da saída de Andressa e uma Érika chorosa e irriquieta no chão. E tudo isso soava como miséria.

E tudo era uma miséria.

— Quer mais?

         Rita fez que sim e aceitou o café oferecido por Vick. Era a segunda vez em que estava na casa e se não estivesse enganada tinha tomado chá ou quase nada tão bom. Vick se sentou ao seu lado no sofá enquanto suspirava e olhava um programa sobre casais se separando na televisão.

         - Eles se resolveram?

         Vick seguiu o olhar da garota para o reflexo da Tv e viu Henrique, Roberto e Rafa conversando na cozinha enquanto comiam. Nem parecia que alguns minutos atrás Roberto tinha entrado com fúria e Henrique era algum fugitivo. Que final feliz mais estranho e metódico.

         - Estão acertando as coisas – Vick assentiu. – Mas aposto que vão voltar a se falar normalmente hoje mesmo.

         - Garotos – Rita riu um pouco.

         - É – Vick sorriu de volta.

         - Você não fez nenhuma pergunta ao Rafa quando ele pediu que você distraísse o Henrique – ela começou a dizer. – Fiquei até agora me perguntando por quê.

         Vick deu de ombros.

         - Sempre conheci Rafa a minha vida toda – respondeu em um tom simples. – Eu nunca recusaria se ele precisasse de mim.

         Rita assentiu.

         - Fico me perguntando se com ele seria o mesmo – prosseguiu a outra.

         - Acha que ele esconde algo de você? – Rita tomou cuidado para não errar no tom da voz. Ela sabia a resposta e sabia que ele não seria o único a sair como culpado.

         - Acho – Vick foi sincera. – Sei que fui meio paranóica com ela coisa toda do Lucas, mas isso já passou – fechou os olhos. – Ainda acho que ele vai entrar por essa porta e que vamos conversar sobre algumas coisas que ele não deixou claro.

         - Uhum – Rita engoliu em seco. – Seria bem do tipo dele chegar indo direto ao ponto.

         - Mas o Rafa – ela continuou falando com os olhos fechados. – Tem algo que continua deixando ele mais esquivo e mentiroso como antes. E isso me deixa mais preocupada do que puta.

         - Por ele não te contar?

         - Também. Mas fico mais puta por ele não confiar em mim – ela abriu os olhos e os olhou para Rita com emoção. – Quer dizer, o que ele não poderia me contar que eu não fosse entender?

         Rita sentiu o ar ser filtrado entre as duas e a verdade pairando no meio.

         Mas antes que ela fizesse qualquer gesto o barulho da porta da entrada se abrindo fez com que as duas se levantassem.

         - Fernando? – Rita chamou.

         Mas então dois adultos entraram junto com uma criança e Rita se perguntou quem eram até Vick dizer:

         - Pai? – Vick o encarou. – Achei que fosse voltar mais tarde.

         - Eu também – o pai de Vick olhou a mulher e a criança de seu lado. – Mas aconteceu algo.

         - Meus amigos só vieram me visitar – Vick encarou a mulher de um jeito nervoso. – Por favor, não acredite no que ela...

         - Vick – o pai ergueu a mão. – Eu não vim falar sobre seus amigos estarem aqui... Não é sobre isso.

         - Não? – ela piscou e franziu o cenho. – Então o que é?

         O pai juntou as duas mãos.

         - Pai – ela avisou. – Está me deixando nervosa... O que é? Fala logo!

         - Eu ouvi a policia dizendo que achou um corpo lá da rua da sua tia – ele informou com um olhar que lembrava pena. – Eles acharam um corpo. E é o de Diogo.

         A porta do apartamento de Gabriella bateu estridente naquele começo de tarde.

         Ela saiu da cozinha para a sala e franziu a testa enquanto ouvia o toc toc incessante do outro lado.

         - Já vai! – ela gritou e andou até a porta para olhar pelo olho mágico. Marco estava no corredor, batendo com o punho na madeira. Ela olhou confusa para o relógio que afirmava ainda ser meio-dia, mas passou o trinco e abriu a chave.

         Apesar de ter visto pelo olho mágico, ela não tinha notado que seus olhos estavam vermelhos e ele estava péssimo com as roupas todas abarrotadas da noite passada.

         - Marco? – ela engoliu em seco assustada. – Aconteceu alguma coisa?

         - Sim – ele soluçou. – Será que... – ele fez uma pausa e fungou. – Será que eu posso ficar? Só mais um pouco?

         - Por quê? – ela disse ao invés de “não” e não soube explicar por que. – O que aconteceu? Não combinamos de nos encontrar mais tarde?

         - Eu sei que combinamos – ele chorou e tocou a própria tempora. – Mas é que... Desculpa eu não devia ter vindo. Foi mal – e começou a se virar.

         - Espera – Gabriella o pegou pelo ombro. – Ao menos me diga o que aconteceu.

         - Eu não posso – os olhos dele estavam arregalados. – Não em pé.

         - Como assim? – ela tentou mais uma vez com frustração.

         Marco abriu a boca para falar, mas a fechou de novo. Na segunda vez conseguiu emitir um som:

         - Você já viu um corpo?

         Gabriella se assustou, mas tentou ser o mais sincera possível.

         - Já – respondeu e sorriu só um pouco. – Eu trabalho na polícia lembra?

         Marco balançou a cabeça rápido.

         - É horrível – ele a olhou nos olhos. – Eu acho que nunca vou conseguir esquecer.

         Ela arfou e levou a mão à boca. Marco parou no batente outra vez.

         - Por favor – pediu. – Me deixe ficar só um pouco.

         - Claro – Gabriella o pegou pelas mãos. – Claro que deixo.

         Ela o abraçou e segundos depois ele começou a soluçar de novo.

         Tudo ao redor de Rafa não passava de cenas causadas pela morfina enquanto ele encarava as faixas amarelas em volta da sua casa. Viaturas faziam filas no meio-fio de sua rua e os vizinhos, mesmo mantendo distância, olhavam e encaravam-no e sua casa sem nenhuma vergonha na cara.

         - Rafa, eu sinto muito – alguém disse tocando a mão dele, mas ele não olhou para ver quem era. – Eu sei que Diogo e você eram próximos.

         - Rafa precisa descansar – disse alguma garota ao seu lado, mas ele também não soube dizer quem era por causa do torpor. – Deixe-o em paz.

         A pessoa podia ter ido embora, mas seus olhos continuavam fixos nas fitas de NÃO ULTRAPASSE. Se Rafa estava de luto? Não. Ele estava apenas lidando com a dor do jeito que mais conhecia e que sabia que não duraria muito. Diogo estava morto. Mais alguém estava morto e tinha sido culpa dele por ter atraído o Capuz até ali com eles.

         Rafa nunca se perdoaria.

         - Rafa? – Roberto o girou pelo ombro. – Eu sei que você deve estar mal – ele tocou seus lábios. – Mas eu te prometo que vai ficar tudo bem. Eu prometo.

         Rafa apenas assentiu e sentiu algo quente. Talvez ele o estivesse o abraçando ou talvez não. Mas não importava.

         O rosto assustado de Rogério espelhava o de todos reunidos ali enquanto os paramédicos carregavam a grande maca com o corpo de Diogo para dentro da ambulância.

         Ele viu que Rafa o encarava e olhou de volta sem nenhuma expressão. Mas ele parecia dizer exatamente o que sua cabeça dizia: Que era tudo culpa dele.

         E que ele precisava parar quem havia feito aquilo. Ele precisava parar o Capuz.

***

         - Rafa, eu sinto muito – ele falou ao ver a expressão torturada do dono da casa cheia de fitas amarelas. – Eu sei que Diogo e vocês eram próximos – acrescentou com o sarcasmo e Vick, uma garota com expressão arretada ao seu lado o encarou com desdém.

         - Rafa precisa descansar – ela avisou em uma voz dura. Que garota mais bruta. – Deixe-o em paz.

         Ele não disse nada e saiu sorrindo em silêncio para atravessar a rua. Quando chegou ao final dela, Carolina surgiu do meio das arvores e sorriu para ele de um jeito malicioso.

         - Que grande bagunça o senhor fez.

         Ele deu de ombros.

         - Bagunças foram feitas para serem limpas – respondeu. – Mas não quer dizer que você não possa passar a pá da culpa para mais alguém, certo?

         Carolina concordou, mas então girou os olhos preocupados para alguém na multidão.

         - Aquela tal Taffara ficou com uma gravação – disse ela. – Pode te causar problemas. Devemos adicionar ela na lista?

         Ele balançou a cabeça.

         - Cancele a lista – ordenou. – Vamos seguir para a próxima fase.

         - Mas já? Achei que haveria mais diversão.

         - Eu tenho planos para Taffara – ele riu e cobriu a cabeça com o Capuz do moletom. – Mas por enquanto vamos atacar Rafa diretamente agora.

         Carolina espalmou as mãos.

         - Finalmente – ela olhou o chefe. – Ele vai ficar louco quando souber.

         Com os olhos Dourados ele se virou para sorrir para ela.

         - E não vai ser o único.

 


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