Atração Implacável escrita por Lia Pallomare


Capítulo 4
Voltando ao inferno




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Jordan me deixou na entrada do apartamento pouco depois das três horas e pela primeira vez, conseguimos passar mais que vinte minutos sem discutir, mesmo que as duas horas que passamos juntos pudessem ser resumidas em silêncio absoluto e uma garrafa de vodka.

Ao entrar no apartamento me deparei com Paige parada na frente do fogão com uma aparência renovada. Suas bochechas estavam rosadas e frequentemente ela acendia a luz do forno para espiar lá dentro. Era divertido vê-la cozinhar, mas meu corpo estava exausto então fui me deitar.

Assim que abri a porta do quarto, soube que Dakota já tinha entrado e saído dali. A pilha de roupas no chão parecia aumentar a cada dia, independente de quantas vezes eu a arrumasse. Respirei fundo e comecei a guardar as roupas, até ser interrompida pelo som estridente do celular.

Meu coração parou por uma fração de segundo ao ouvi-lo tocar. Fazia tanto tempo que ele estava silencioso, que tinha esperança de nunca precisar usá-lo. Isso foi um equivoco. O telefone continuou tocando por mais algum tempo até cair na caixa postal. Eu não estava pronta para atendê-lo. Quem quer que estivesse me ligando estava pronto para dar uma noticia que eu não queria escutar.

O celular voltou a tocar e eu precisei usar todas as minhas forças para abrir a gaveta da escrivaninha e atender a ligação.

— Jenna —meu coração vibrou ao ouvir aquela voz — É o Trevor.

— Eu sei — sussurrei com um sorriso no rosto — Nem acredito que estou falando com você!

— Onde você está? — seu tom preocupado acabou com as pequenas partículas de paz que ainda restavam em mim.

— No mesmo lugar desde o ano passado. Estou bem, Trevor.

— Caleb passou aqui.

— Quando? — merda, isso era tudo o que eu não precisava.

— Ontem — sua voz tinha diminuído um tom — Eu ainda não sei como ele conseguiu me achar.

— Caleb sempre conseguiu o que queria — resmunguei sentindo meus olhos arderem — Se ele conseguiu te achar, as coisas estão bem piores do que eu imaginei.

— Ele sumiu por anos — Trevor pareceu pensar em algo — Por que voltar agora?

— Não foi ele quem sumiu. Fomos nós — limpei as lágrimas dos olhos e me forcei a permanecer forte — Mas se ele te achou, significa que eu sou a próxima.

— Vou pegar um avião assim que possível.

Trevor desligou o telefone antes que eu pudesse argumentar contra sua ideia. Apesar de parte de mim querer vê-lo novamente, eu sabia que isso iria contra as regras que nos foram estipuladas. Tínhamos o telefone para emergências, e mesmo assim, as pessoas que nos salvaram não gostaram da ideia. Imagino a reação deles quando descobrirem o que ele pensa em fazer.

Eu sabia o que isso desencadearia e não estava com vontade de mudar para o outro lado do país de novo.

Assim que deitei na cama o cansaço me atingiu com toda a sua força e acabei dormindo rapidamente, mas infelizmente não foi um sono tranquilo.

Eu estava parada no ponto de ônibus por tempo suficiente para começar a ficar impaciente. Meu ônibus normalmente não demorava muito para passar, uma vez que muita gente precisava ir para aquele lado da cidade.

Comecei a encarar a rua e fiquei olhando as pessoas que passavam, imaginando uma história para elas. O homem usando terno, dirigindo um conversível, provavelmente estava atrasado para alguma reunião e estava desesperado para chegar logo. A senhora que caminhava lentamente na calçada devia estar voltando para sua casa simples, após visitar uma de suas amigas.

Enquanto olhava a senhora andar, vi o carro do meu pai passar na rua e cantar pneu. Mas não era meu pai quem dirigia o carro, era Enzo, meu irmão mais velho.

O carro perdeu velocidade um quarteirão à frente e Enzo desceu do carro, cambaleando. Notei que sua camisa branca estava manchada e rasgada em alguns pontos e, o cabelo caia em seus olhos a cada passo que dava.

Houve uma barulheira na rua e um carro parou próximo à rua onde Enzo havia entrado.

Eu não sabia muito bem o que estava acontecendo, mas meu coração pulsava acelerado e sentia a adrenalina correr pelas minhas veias. Ninguém além de mim parecia ter notado aquela cena estranha, então ninguém me impediria de chegar perto.

Distanciei-me do ponto de ônibus e a cada passo mais meu coração apertava. Quando cheguei à esquina, eu já era capaz de ouvir gritos e gemidos de dor. Meu corpo estremeceu. Sabia que se alguém me visse, eu seria próxima a apanhar.

Os homens estavam de costas e muito ocupados em agredir a pessoa caída no chão, para repararem que eu estava me arrastando para trás de uma caçamba de lixo. Aquele cheiro embrulhou meu estômago, mas sabia que ninguém seria capaz de me ver ali, uma vez que eu estava em um vão minúsculo entre a parede e a caçamba.

Havia três homens em pé. Um era alto e tinha a cabeça raspada; o outro era baixo e magro demais; o ultimo era tão alto quanto o outro, mas seu cabelo era grisalho. Os três riam do homem no chão, que eu ainda não era capaz de ver o rosto, mas tinha quase certeza que conhecia aquela risada cortante. Vi o mais baixo deles chutar o homem caído e em seguida o que parecia ser mais velho, o fez ficar de pé.

Então minhas suspeitas se confirmaram, lá estava Enzo, prestes a cair novamente no chão. Meu coração disparou e eu senti meu corpo inteiro tremer quando vi a aparência em que ele se encontrava. Seus olhos mal se mantinham abertos e havia sangue escorrendo de sua boca, mas ele ainda sorria.

— Tá achando engraçado? — o homem de cabelo grisalho perguntou ao acertar outro soco em seu estômago.

— Acho engraçada a forma como são controlados — Enzo cuspiu um pouco de sangue e voltou a sorrir — São as marionetes particulares dele!

— Vamos acabar logo com isso — o terceiro homem falou, ele tinha uma voz grossa e parecia estar desconfortável com aquilo tudo — Se demorarmos, alguém pode vir até aqui...

Senti o vomito subir quando eles voltaram a esmurrar Enzo. Eu queria gritar, mas temi o que fariam comigo, então permaneci quieta, sentindo as lágrimas molharem meu rosto. Meu corpo enrijecia a cada gemido que Enzo dava. Eu rezava e murmurava para que ele ficasse bem.

As lágrimas dificultavam a minha visão e eu temi o que aconteceria em seguida. Ele não podia morrer. Minha cabeça rodava e eu abraçava meu corpo temendo ser vista e temendo aqueles homens horrendos.

Quando Enzo caiu novamente no chão, o homem de cabeça raspada puxou uma arma de sua cintura e apontou para a cabeça de Enzo. Vi sua mão tremer um pouco e rezei para que ele desistisse de matá-lo, mas em seguida ouvi o som inconfundível do tiro.

Tentei evitar que um grito saísse da minha garganta, mas ainda assim, um som animalesco me escapou. Entretanto, nenhum deles pareceu perceber.

— Acho bom nos recompensarem por isso — um deles disse, mas eu não sabia qual.

— Valzack não pode saber disso — o mais alto resmungou — Então não seremos recompensados.

— Mas nós seguimos as ordens que nos foram dadas — o homem mais baixo disse — Merecemos algo em troca!

Eles saíram do beco e voltaram para seu carro, como se não houvessem acabado de matar alguém. Permaneci encolhida contra a parede, chorando freneticamente.

Só consegui sair do meu esconderijo depois de muito tempo. Corri até onde Enzo estava caído e senti o cheiro do sangue invadir meu corpo. As lágrimas continuavam a descer e eu não conseguia mais conter a onda de soluços.

Coloquei a cabeça de Enzo em meu colo e tentava, desesperadamente, reanimá-lo. Tinha certeza absoluta que ele estava morto, mas eu queria, e precisava acreditar que ele se levantaria e me levaria para casa em poucos minutos.

— Enzo — disse entre soluços — Por favor, diz que isso é uma brincadeira!

Eu toquei em seu rosto e minhas mãos ficaram sujas de sangue, mas naquele momento isso não importava. Ele havia morrido e eu não pude fazer nada para evitar, não pude nem abraçá-lo uma ultima vez.

A sensação que eu tinha, era que também havia morrido. Pelo menos a parte boa que havia em mim. Afinal, quando se presencia algo tão traumatizante assim, você não pode sair pelas ruas, sorrindo e saltitando.

Eu precisei criar forças para deixar o corpo sem vida de Enzo ali. Quando finalmente sai de perto, corri o mais rápido que pude e liguei para a polícia. Só quando cheguei em casa notei que minha roupa estava repleta de sangue.

Acordei com um sobressalto quando uma mão tocou a minha testa. Meus olhos estavam embaçados e notei que estava chorando. Paige me abraçou e seu rosto era pura preocupação naquele momento. Meu corpo tremia freneticamente e a lembrança do pior dia da minha vida invadia todos os meus sentidos.

Bastou uma simples ligação para os pesadelos voltarem e eles provavelmente não acabariam tão cedo. Uma infância perturbada pela morte causa muitas sequelas e os pesadelos são apenas uma pequena parte delas; principalmente quando o assassino ainda está à solta.


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