Tempestade dos Dias escrita por Marie67


Capítulo 3
Desconcerto


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo já pode ser considerado 16+, um aviso pra quem se sente desconfortável com coisas do tipo. De resto, boa leitura!



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Se havia um traço do qual Killua se livraria de bom grado, era o do meio sono. O ganhou do treinamento com o pai, e nunca o perdeu, mesmo quando se tornou desnecessário. Acordava por vezes durante a noite, e tinha dificuldade em distinguir um sonho quando dormia profundamente. E, numa destas vezes, deixou Gon em seu sono pesado e seguro dormir em paz, e caminhou até a cozinha. Tinha sonhado que não conseguia respirar por mais que tentasse, mas felizmente foi um devaneio curto, e isto o acordou e levou a andar sem objetivo claro pelo apartamento. Viu que o céu lá fora já se pintava do amanhecer, nos primeiros rascunhos: um azul mais claro de um lado da visão, o completo negro em outro, as pessoas na rua começando a aumentar em número. Logo não seria mais madrugada. Talvez fosse melhor permanecer acordado.


Mecanicamente, passou uma garrafa de café e separou uma caixa de leite, e em seguida ligou a minúscula e pouco usada televisão de sua sala para ouvir o barulho das notícias. Gon não era alguém de acordar tarde, ele sabia, e então começou a se mover para fazer algo para comerem. Procurou por ovos e fritou uma boa quantidade, separou o pão, indo a lugares da cozinha onde talvez nunca tenha mexido. Enquanto as memórias da noite iam reaparecendo e passeando por sua consciência. Punha um prato e lembrava-se do gosto que tinha o beijo do outro; limpava uma bancada e sentia uma agitação ao lembrar do jeito que Gon refrescou sua memória do dia de sua partida. Não precisava da ansiedade. Ele estava bem ali. As notícias continuavam zunindo na sala como som de fundo.


Fora bruscamente interrompido por seu próprio corpo, o lembrando de que não estava tão bem como pensava. A tosse veio em solavancos que abalaram seu corpo inteiro, arranhando sua garganta. Tentou fazer o mínimo de barulho possível, mas aquilo era severo e ele tinha pouco controle. Fazia seus ossos doerem e suas pernas falharem. O surto só parou quando sentiu que o peito ia explodir, mas respirou, respirou grato e aliviado por poder fazê-lo. Inspirou ainda sentindo a garganta, e expirou. E continuou. Que Gon ainda estivesse dormindo.
Enquanto se recuperava, ouviu um bocejo ressoante vindo da sala, acompanhando de um chamar de seu nome em alto e bom som. Um momento, apenas um momento depois de toda aquela agitação, era Gon.


– Eu já vou - anunciou, levando consigo tudo que preparara para o moreno. A única pessoa que faria Killua se esforçar tanto na cozinha.


– Está cozinhando? - o outro perguntou da sala.


Killua esperou até que o encontrasse, e então lhe mostrou orgulhosamente os dois pratos que preparou pra primeira refeição do dia. Cozinhar para alguém era novidade para ele.


– Isso responde sua pergunta? - e sorriu - vamos comer. Daí descubro se ainda sei cozinhar.


Enquanto comiam, exatamente como no outro dia, foi Gon que tornou a falar primeiro. Depois de elogiar os ovos e as torradas e olhar o noticiário matutino por alguns minutos.


– Olha só - ele pediu, enquanto puxava de dentro da blusa de mangas um pingente. Killua não havia notado aquele adereço. O pingente era simples, uma esfera de pedra azul escura que fazia um contraste bonito com a cor quente da pele de Gon.


– Não tinha visto isso em você. É bonito.


– Foi um presente enquanto eu viajava. A menina que me ajudava a ler na outra língua... ela me deu. E eu pedi um pra você também e ela trouxe. Está lá na mala.


Seus olhos logo foram ver os de Gon com a menção de alguém que ele conhecera no intercâmbio. Não, aquilo ainda não eram ciúmes, ele esperava. Era apenas curiosidade.


– Obrigado. E essa menina, se dava bem com ela? - perguntou despretensiosamente.


– Aham - ele anunciou alegremente. - ela me ensinou muita coisa. E quando eu estava quase voltando... bom, ela disse que gostava do jeito que eu falava e do meu rosto. Ela gostava bastante de mim.


Killua mostrou a ele um sorriso irônico, enquanto punha os pés na mesa de centro.
– Você não parou de atrair meninas desde que ainda estudava comigo...


– Eu? - ele silvou, surpreso com a constatação. Era bem verdade, sempre fora. Killua não estava exatamente incomodado, mas sempre quis perguntar a Gon como ele se sentia com aquilo.


– Você mesmo - e apontou o indicador para ele. - por acaso ela te fez mais algum elogio?


– Bem... quando nos despedimos ela disse que ia sentir minha falta. E que eu era... bem, bonito. Isso que ela disse. Eu respondi que ela também era. E depois fui embora. - pela segunda vez naqueles dias, viu Gon encabulado.


Dessa vez não foi um sorriso, mas uma gargalhada que atingiu Killua em cheio. Ele parecia estar desdenhando do elogio, mas na verdade, lá no fundo, ele concordava. Não havia nada de feio em Gon. Pelo contrário. Gostava do tom da pele dele, gostava da bagunça de seus cabelos e de seu sorriso genuíno, gostava de como ele sorria abertamente e nunca pela metade.


– Viu? Eu estava certo.


– Mas não aconteceu mais nada. Seria injusto. Eu gostava dela, mas não era certo... afinal eu ficava pensando em outras coisas.


– Que coisas?


– Ficava pensando se você estava bem ou me lembrando de você - ele disse naturalmente, gesticulando com as mãos.


Killua sorriu novamente, mas involuntário e desajeitado, e sacudiu a cabeça para espantar aquilo.


– Olha só pra você...


– O que é? Nenhuma menina nunca se atraiu por você, Killua? - Gon desafiou, lhe apontando o indicador e fazendo novamente aquele beiço.


– É claro que não... quer dizer, sim - admitiu, olhando para o lado oposto e sentindo o coração perder o ritmo. - Houve uma menina, mas ela... ela não era... ela só me tocou. Ela era uma boa companhia. Mas eu não sentia nada como... ah, você entendeu, Gon.


O moreno lhe olhou pensativo por alguns segundos, pelos olhos que tentavam compreender o que Killua lhe contara. Temeu que Gon duvidasse do que sentia por ele ou o achasse um mentiroso. Mas foi um temor momentâneo. Logo ele lhe acalmou com um olhar compreensivo.


– Que bom que alguém cuidou de você, Killua. Eu estava realmente preocupado se você não ia se sentir sozinho - ele disse cheio de calor na voz e mexendo nos cabelos negros.


E Killua só conseguiu sorrir-lhe de volta, deixando escapar um suspiro aliviado e uma risada sem jeito. Mexeu nos cabelos também em ansiedade, cerrou os punhos. Estava feliz. E ficou em silêncio por não ter as palavras certas para Gon. Por isso, o moreno foi chegando mais perto dele, até ficarem o mais perto que podiam, sentados de frente um para o outro. O mundo de Killua se resumiu ao olhar de Gon, aos olhos de sol que o analisavam e o cuidavam, acalentavam, e lhe faziam lar.


– Killua - ele soprou - e o que você sentiu, quando ela te tocou?


Finalmente, uma pergunta que podia responder com total sinceridade.

– Foi uma coisa que eu não sei dizer o nome, Gon. Mas não teve a ver com quando... com ontem, quando você me...


– Não precisa se sentir culpado por nada. Está tudo bem. Eu entendi. Não fique com essa cara! - ele brincou, enlaçando Killua de surpresa com os braços.


Aquilo fez os dois irem ao chão, e Gon ainda brincou com os dedos em todos os lugares sensíveis de seu corpo, lhe fazendo cócegas. Killua não sentia aquilo em muitos lugares, mas ainda era prazeroso receber aquilo dele.


– Gon, não fique por cima de... - pediu inutilmente, pois sua fala morreu com uma onda de prazer que quebrou por seu corpo. Foi um beijo do outro em seu pescoço, a sensação do corpo dele tão perto, foram muitas coisas que o calaram de palavras sem esforço, e deixaram apenas suspiros.


– Agora você perdeu, não vou sair mais - ele brincou no pé de seu ouvido, e o calor da fala dele em sua pele o estremeceu. Depois, ficou ali olhando-o de cima, e sorrindo. Podia ser o mesmo sorriso, mil vezes, ele nunca se cansaria.


E depois foi um beijo que o desarmou, acalmou sua tempestade. O gosto dele o invadiu, e ele fez o que pôde para devolver. Onde não haviam palavras ele sabia bem como reagir, e o fez, trazendo Gon para si, pedindo passagem, explorando sua boca por inteiro. Ele gostava daquela sensação como nunca gostou de coisa alguma, e nem o desajeitado de estarem ao chão lhe tirou aquilo. Estava sentindo cada tempo da respiração do outro, cada carícia que ele lhe respondia. Killua tinha pressa, tinha fome, não queria que aquilo terminasse.


Quando pararam para respirar, sentiu o calor que vinha dele, havia sempre calor na presença dele, e em seu beijo havia mil vezes mais. Sorriu junto com ele. Era o fim do inverno, mas ele se sentia quente, muito quente, sentia uma forte pulsação e sentia aquilo refletir no outro.


– Killua - apenas o dizer de seu nome lhe fez estremecer. - você... é bom nisso.


– Eu? Eu só... - murmurou, tateando pelas palavras para responder àquilo.


– Eu nunca tinha beijado alguém desse jeito - ele admitiu. A proximidade o fazia sentir as palavras e o respirar de Gon, e ele gostava daquilo.


– Eu já... beijei desse jeito antes. Quer dizer... fui beijado. Mas foi diferente com você.


– Por que "foi"? Não precisa parar agora - ele riu, fazendo Killua rir junto.


– É. Você tem razão.


E era grato por não precisar parar. Procurou pela barra da camisa do outro, e passeou com os dedos ali até encontrar pele, e acariciou, enterrou os dedos quando sentiu um beijo abaixo de seu pescoço. Suspirou ao ouvir o deleite na voz de Gon quando fez aquilo. Estava repetindo as coisas que April fazia com ele, porque aquelas coisas lhe deram um certo tipo de prazer. Era o que sabia sobre o prazer, era o que sabia sobre mostrar amor. Continuou a tocá-lo, subiu por seu abdômen, o trazia para perto para sentí-lo e o afastava para beijá-lo, deixava ás vezes que ele o beijasse também. Quando se sentia já exausto, apenas pararam e respiraram um pouco, quase dividindo o mesmo ar e tocando novamente os lábios, de tão perto.


– Isso.. é... isso é bom, Killua. Não pare - ele pediu, com o rosto enterrado em seu pescoço.


Lhe deu um beijo lento, mas como quem queria dizer, eu senti a sua falta. Mordeu sem força o lábio inferior do outro. Beijou à volta de sua boca. Deixou o tempo parar, os olhos fecharem, enquanto sentia o corpo dele pesar sobre o seu. Não tinha mais fome, e nem pressa. Tinha muito para dizer. Nunca mais vá embora, ele disse acariciando o rosto marcado de sol de Gon. Não quero ninguém além de você, contou a ele com mais carícias. Assim ele sabia falar como ninguém.


Quando o tempo parecia parado com Gon ali, sobre ele, com o rosto em seu pescoço, percebeu que era tudo a mais pura verdade. Não queria e nunca quisera ninguém além dele. Se não, o dia nunca mais amanheceria, e não haveria mais sol. Sorriu para o teto do apartamento, e sentiu lágrimas quentes escapulirem de seus olhos, escorrendo por suas têmporas. Soluçou, alarmando o moreno que repousava sobre si. Estava imensamente feliz e imensamente temeroso de que nunca mais fosse se sentir daquele jeito. Felicidade era algo terrivelmente perigoso. Muitas palavras estavam se formando em seus lábios, mas ele não conseguia por nada dizê-las com a voz.


– Por que está chorando, Killua? Não precisa chorar... - Gon soprou para ele, preocupado, voltando a olhá-lo nos olhos.


Nada disse enquanto contemplava a face dele, e viu muita felicidade ali também.


– Você não precisa chorar, Killua. Eu não vou sair mais de perto de você. Eu quero ficar aqui. - ele disse novamente, enquanto acariciava seus lábios trêmulos com o polegar.


– Fique. Só quero isso, Gon - suspirou, beijando os dedos que lhe davam carícias.


– Você não precisa pedir. Nunca precisou - ele lhe assegurou, sorrindo novamente.


E Killua soube por aquele momento que não precisava pedir, de fato. E soube o quanto era feliz, e desejou que fosse assim no outro dia, e no outro, e no outro. Ele detestava o desencontro. E ele amava, amava muito a Gon.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham curtido. Ainda rolam coisas a partir daí - é possível que não fique tudo bem como parece. Se curtiu, deixe um comentário!



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