Por trás de Frozen escrita por TamirisJ


Capítulo 16
Capítulo 15 - Arendelle congelada


Notas iniciais do capítulo

OLÁ, cidadãos de Arendelle! Como vão vocês? :D
Cá estou com mais um capítulo - e não... Não é o do reencontro (oooh T_T), mas estou trabalhando nele com muito vigor e feelings para o capítulo ficar do jeito que merece!
Esse capítulo retrata Arendelle alguns dias depois de ser "abandonada" por sua Rainha e sua Princesa. Acredito que o processo foi muito difícil para todos que ficaram no Reino, e em todos os sentidos, e tentei demonstrar isso nas mais diversas situações.
Ele ficou um pouco mais longo do que planejava, mas é porque tem muitos aspectos a serem levantados e muitas reflexões a serem feitas. Acho que é bom também para pensar que isso existiu na vida real - já imaginaram como os portugueses ficaram quando o Rei Dom João VI fugiu para o Brasil e acordaram sem Rei? A sensação de abandono deve ter sido parecida (só quem sem frio sobrenatural e sem Hans hehehe). Ooooh!
Espero que gostem! *-------------*



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POV LUDVIG

Respiro fundo. Na primeira vez, a neve acumulada no telhado cai em meu rosto e faço uma careta para a corrente de vento forte que tenta me empurrar para trás. Respiro fundo duas vezes. Consigo ver a respiração no ar gelado. Respiro fundo dez vezes. Mexo o corpo para ver se consigo esquentar um pouco e esfrego as têmporas para ver se a dor de cabeça diminui um pouco – ela está me acompanhando desde que as meninas foram embora. Esses atos estão cada vez mais frequentes, e a situação em Arendelle cada vez mais insuportável.

Em todos os sentidos.

No sentido de que boa parte da comida foi congelada, e não resta muito o que comer. Basicamente, vivemos com a comida do palácio, que já está ficando escassa; há mais pessoas necessitadas em Arendelle que cobertores e espaço no castelo real para abrigo; a população se dividiu em várias, cada uma com uma posição diferente sobre os acontecimentos recentes; brigas são constantes, pois todo o ânimo e alegria foram embora junto com a Rainha Elsa e a Princesa Anna, e quase ninguém aguenta mais essa situação difícil; e o frio é tão insuportável que parece que nem todas as nossas roupas juntas poderiam nos precaver dele (apesar de ter parado de nevar e, apenas de vez em quando, vir uma fortíssima corrente de vento gelado e cortante).

Ah, claro: e há muitas pessoas doentes. Meu coração se aperta (ainda mais) sempre que vejo alguém nessa condição, mas me consolo um pouco ao pensar que estamos fazendo tudo ao nosso alcance para ajudar a população de Arendelle.

Fizemos uma estimativa de quantas pessoas moram em cada casa, e distribuímos o suficiente de comida por dia para três pessoas em cada casa. Também distribuímos dois cobertores por casa, pois eles são grandes e podem abrigar até três pessoas. Algumas casas foram destruídas pelo vento repentino que assolou Arendelle e pelos montes de neve que caíram em seus telhados – algumas tampando a entrada das casas -, e tentamos realocar essas pessoas para outras casas, enquanto outras foram abrigadas no castelo. 

— Senhor Ludvig – chama-me o senhor que conserta os sapatos na vila mais próxima do castelo, sua voz demonstrando um pouco de desespero, e meu coração se apertando ainda mais -, eu poderia lhe falar um instante?

Saio do telhado em que estava ajudando a retirar neve e desço até o chão, suspirando. Mordo os lábios, pensando que, logo depois disso, devo me dirigir ao castelo para resolver a falta de cobertores, e que este será mais um pedido de um cidadão de Arendelle que não poderei resolver. O homem está tão encapuzado que mal consigo ver seu rosto.  

Mesmo assim, me viro para ele e sorrio, tentando demonstrar confiança.

— Sim, claro!

Os olhos dele – a única coisa que consigo ver com aquele tanto de roupa -

brilham com um pouco de esperança, o que me deixa ainda pior.

— Bem, como um monte de neve caiu em cima da casa da minha filha e

destruiu o telhado, ela veio morar comigo, juntamente com meus dois netos e meu genro. Por isso... – ele parece sem graça de fazer seu pedido, e seu olhar tão preocupado me corta o coração. – A porção de batata que nos deram não foi o suficiente e não temos nada para comer além de um pouco de cenoura, que não dará para todos. Será que...?

Ele não consegue terminar o pedido. Suspiro profundamente e o ar gelado me dá uma nova onda de dor de cabeça. Ele deve ser o terceiro a me relatar essa situação hoje.

Não posso prometer nada – nem sei terei comida suficiente para minha própria casa.

 - Verei o que posso fazer. – respondo, com o coração na mão.

— Muito obrigado, senhor Ludvig! Muito obrigado! – e pega freneticamente minhas mãos com as luvas. – O senhor não sabe como está difícil. Meu neto mais novo está muito doente. Ele não para de tremer e...

— Está com o corpo extremamente gelado, pálido, e nada do que faça consegue aquecê-lo. – completo, e não consigo disfarçar a tristeza e desespero que surgem repentinamente em minha voz. – Não é como uma gripe ou doença natural e não sabe o que fazer para isso cessar...

Ele me encara com pena, e sabe que estou passando pelo mesmo que ele.

— Quem está doente na sua família, senhor Ludvig?

— Minha filha mais velha, Sigrid.

— Oh. – ele parece reconhecê-la pelo nome. – Aquela garota tem o coração muito bom. Sempre me ajuda a levar as compras para casa. – ele ri um pouco. – Meu neto é igualzinho. Ele...

Não consigo prestar mais atenção porque começo a pensar em minha Sigrid. Ela já tem a pele clara, mas está tão branca que parece transparente. E tão gelada – é difícil não colocar luvas para cuidar dela. Completamente indisposta, treme o tempo inteiro. Nunca vi essa doença antes e me preocupo com o que ela pode causar, já que...

Fecho os olhos com força e balanço a cabeça, tentando pensar diferente e conter o desespero que ameaça me tomar, e um monte de neve que ainda estava em cima da minha touca cai em meus ombros. O homem a minha frente para de falar, percebendo meu estado.

— Se sente bem, senhor Ludvig? – pergunta com sua voz abafada pelo cachecol que cobre sua boca.

Pigarreio, me recompondo.

— Estou me esforçando para isso. – respondo, tirando a neve das minhas roupas. – Mas verei o que posso fazer quanto a sua situação, senhor.

Os olhos dele brilham por um momento, esperançosos. Essa esperança parece aquecer meu coração e minha dor de cabeça diminui. 

— Tenha um ótimo dia, senhor Ludvig! – sua fala é efusiva, e me impressiono com sua força mesmo com essa situação.

— Para o senhor também. – respondo, e ambos seguimos nossos caminhos.

Coloco as mãos dentro dos bolsos do casaco e continuo caminhando em direção ao palácio, tentando prestar atenção na silhueta dos cidadãos de Arendelle. Variam muito. Alguns estão preocupados e, obviamente, não faltam motivos; outros tristes e desconsolados – provavelmente, alguém da família está doente pelo frio sobrenatural; alguns esperançosos, tentando ajudar as pessoas – pouquíssimos já que, de forma muito esquisita e coincidente, a maioria das pessoas que conhecemos aqui no reino que possuem os corações mais amorosos ficaram doentes; alguns revoltados, e esses são os piores, pois maldizem a Rainha Elsa e a Princesa Anna e atraem ainda mais ódio para esta situação já odiosa por si mesma.

Passo em frente a uma casa com vários sacos na entrada, e há uma grande movimentação de pessoas entrando e saindo pela porta. Me aproximo, curioso.

O dono da casa me encara com olhos fuzilantes e a dor de cabeça parece voltar com mais intensidade. Tento não fazer uma careta de volta e crio coragem para tentar entender o que está acontecendo ali.

— Com licença. – digo, da forma mais educada possível. – O senhor e sua família estão se mudando para outra casa?

É a situação mais plausível, penso, mesmo que aqueles que se mudam não costumam levar tanta bagagem como estão levando - parece incluir até pequenos móveis dentro dos sacos.

O semblante do homem forte e cheio de roupas de frio continua me encarando de forma frívola, os olhos tão gelados quanto a neve em meus ombros. Lembro-me dele como o vendedor de flores de Arendelle. Todas elas devem ter morrido, penso com pesar.

— Não devo satisfação a membros da Coroa, já que eles não deram nenhuma satisfação a mim e a minha família e simplesmente nos deixaram na pior situação possível com um princepezinho desconhecido de meia tigela que acha que pode levar um reino nas costas. – ele percebe a minha surpresa ante o tom cortante e revoltado em sua voz, e dá um pequeno riso de satisfação. – É claro que membros da Coroa não têm noção do que realmente está acontecendo, como você aí, todo pomposo. Aposto que tem toda a comida que desejar e todo cobertor também, além de ter se abrigado no “Palácio Real” – o tom foi tão desprezível que uma raiva começou a me corroer e me deu vontade de pegar o grande nariz desse homem e torcê-lo, e tive que me controlar para não fazer isso. Como ousava...! – Não estou me mudando somente de “casa”. Estou mudando de reino, e com muito gosto!

— Nós também – aparece uma mulher de mãos dadas com uma criança, e me recordo de comprar alguns casacos com ela. – Essa situação é extremamente desprezível. Nunca fui tão humilhada! E, mesmo se a “Rainha Elsa” voltar, nunca aceitaria uma bruxa como minha soberana!

Fico tão surpreso com a raiva naquelas vozes que fico momentaneamente sem ação. Eles aproveitam minha reação para pegar os sacos e colocá-los em cima de trenós para ir embora.

É justamente isso que eu temia. Os cidadãos começarem a se voltar de vez contra a Rainha Elsa e...

Não, eu tenho que fazer alguma coisa.

— Espere. – digo, desesperado. – Para onde vão? 

O homem suspira, como se estivesse impaciente com minha curiosidade.

— Para Wisentown.

— WESELTON! – um homem grita atrás de mim.

Nem preciso dizer quem é.

— O Duque nos disse que o reino tem um soberano que lá reina há 10 anos, cheio de estabilidade, e tem comida e abrigo para todos nós!

Olho na direção do Duque e, assustado, vejo algumas famílias com sacos seguindo alguns guardas de Wisen... Weselton em direção aos portões que levam para fora da cidade.

O pânico me atinge e tento, desenfreadamente, pensar em alguma solução para o caso. Eu posso fazer um discurso sobre a Rainha Elsa. Sim, isso talvez ajude. Ou, talvez, oferecer mais abrigo e... E não tem mais abrigo para oferecer. Pouca comida. Alguns cobertores.

O desalento, desespero e raiva no semblante de alguns cidadãos me atingem como um baque, e meu coração chora ao ver meu reino completamente despedaçado.

— Esperem! – grito, tentando ficar na frente da multidão. – Vocês não têm como irem embora! O mar está congelado e está muito frio para andar a pé! – é o que consigo pensar para refrear a população, tão manipulados por esse infeliz Duque. Ai, se eu pudesse pegar aquele pescocinho com as minhas mãos, eu...

— Vamos de trenó! – o homem com quem conversei responde.

— Mas não há trenó para todos! – responde outro.

— ESPEREM! – uma voz de uma jovem ressoa na multidão, alta e clara, e todos se voltam na direção da fonte para ver Rapunzel lá em cima, encapuzada. Ela está um pouco pálida e, por alguns instantes, meu coração bate dolorosamente ao pensar na possibilidade de a futura Rainha de Corona estar doente também. – Sou a Princesa de Corona, queridos cidadãos de Arendelle, e pedi ajuda aos meus pais para que enviassem comida e roupas quentes para cá. Chegarão em pouco tempo. Por favor, não se arrisquem dessa forma. Deem uma chance à Rainha Elsa e à Princesa Anna! Já se colocaram no lugar delas? O que teriam feito? Teria sido diferente?

O discurso da Princesa parece colocar os cidadãos para pensar e suspiro, sentindo-me um pouco mais aliviado. A fuga foi refreada, por enquanto. Ela olha em minha direção e sorri, e seu sorriso pode acalentar o mais congelado dos corações, assim como o da Princesa Anna.

Não me surpreende o fato de serem primas. Tento sorrir de volta, mas a preocupação ainda é grande. Me aproximo dela, empurrando um pouco a multidão e subo na fonte ao seu lado.

— Obrigado. Muito obrigado, Princesa. Não tenho como agradecer e...

— Não se preocupe, senhor. – ela me responde e, de perto, vejo que ela parece muito mais cansada e abatida do que imaginei.

— Está se sentindo bem, Princesa? – pergunto, muito preocupado.

— Estou com um pouco de frio, mas nada anormal para essa situação. – e me lança outro sorriso. – Não se preocupe comigo. Há muito mais para você se preocupar. José e eu vamos fazer de tudo para ajudar.

Seus grandes e brilhantes olhos verdes me passam tanta confiança que sinto vontade de abraçá-la.

— Será uma excelente Rainha, Princesa Rapunzel. – ela sorri, encabulada. – Onde está seu marido?

— Ah, ele aglomerou as crianças em um canto do castelo e está as distraindo contando histórias sobre um tal de Flynn Rider. – os olhos dela brilham como o de uma criança travessa, e não consigo entender o motivo. – Ele é muito bom nisso!

A multidão se volta para nós e começa a jogar algumas perguntas, preocupados. Não posso culpá-los. Estou quase fazendo a mesma coisa.

Suspiro fundo, me preparando para respondê-los.

— Não precisa. – ela coloca a mão em meu braço, como que continuando meus pensamentos. – Eu cuido disso. Vá fazer o que precisa fazer.

E sorri.

Sorrio de volta, apertando seu ombro como um agradecimento e desço da fonte, correndo em direção ao palácio.

A situação está pior do que poderia imaginar. Cidadãos se revoltando e indo embora! Nunca poderia imaginar uma coisa dessas realmente pudesse acontecer!

Entretanto, há aqueles, como Rapunzel, que acreditam na Rainha Elsa e na Princesa Anna e fazem de tudo para ajudar no que puderem, ou apenas aguardam seu retorno para que esse inverno vá embora – o que já é grande coisa frente aos que temos que enfrentar. A maioria, felizmente, está satisfeita com o fato de a Princesa Anna ter deixado alguém no comando antes de ir – apesar de o Regente, que já tomou certas decisões após a morte do Rei e da Rainha, ter ficado bravo com essa decisão e com o fato de as pessoas parecerem não se lembrar de sua existência. Mas, de qualquer maneira, ele parece cansado em lidar com assuntos de Estado, e já o ouvi falando em se retirar do cargo para ter uma vida mais tranquila.  

Chego ao castelo e vejo José e o bichinho de estimação de Rapunzel em meio a uma encenação de cena de luta com um pouco de canto, e as crianças riem e se divertem como se nada acontecesse.

Sinto-me um pouco melhor. Engraçado como essas situações parecem diminuir minha dor de cabeça.

Finalmente, chego à sala de reuniões e o Príncipe Hans, Gerda e os outros membros do Conselho já estão discutindo sobre os problemas.

— Me perdoem o atraso. – digo, quando todos me encaram com olhares reprovadores. – A situação está bem pior do que imaginávamos e acabei me deparando com alguns obstáculos. Devo dizer que não são problemas somente de escassez de comida, roupas e cobertores, mas também um clima político bem conturbado. – procuro o Duque com um olhar acusador porque, de forma absurdamente manipuladora, tentou fazer com que alguns cidadãos fossem para seu reino, prometendo o que Arendelle, neste momento, não pode dar. Entretanto, ele não está presente. Deve estar discutindo com a pobre Rapunzel.

— Sabemos disso. – o Príncipe disse, como se fosse algo óbvio. – Bem, segundo a minha experiência como Príncipe, a melhor maneira de distrair o povo...

— A melhor maneira de ajudar o povo... – corrijo, bravo.                 

— Isso, ajudar. Me desculpe, é que estou tão emocionado em poder ajudá-los— ele dá ênfase na palavra e olha de soslaio para mim – que acabo me confundindo com as palavras. Enfim, a melhor maneira de ajudar os cidadãos é dando a eles mais conforto. Mais comida, mais abrigo, mais cobertores, mais roupas. Temos que fazer com que se sintam amados e fazê-los perceber que não estão sozinhos. Estão comigo, o futuro Rei de Arendelle.

Troco um olhar enojado com Gerda, devido a atitude arrogante do Príncipe. Como Anna pode ter se envolvido com ele?!

— Entretanto, esse foi justamente o motivo de termos nos reunido, Príncipe. – Gerda enuncia, a voz cortante. – Nossos estoques de alimentos e roupas estão acabando. Uma só roupa para cada cidadão não é o suficiente para conter o frio e a maioria dos alimentos foram estragados com a tempestade de neve repentina.

Hans parece olhá-la com reprovação por um segundo, mas logo depois sorri, e acredito que tenha sido impressão minha. Ando tão mal humorado que vejo todos do mesmo jeito!

Ele ajeita as luvas e olha para os embaixadores.

— Algum dos senhores conversou com o reino de onde vieram para buscar ajuda?

— Sim, Vossa Alteza. – diz o embaixador da Irlanda, e ele parece envergonhado, enquanto Hans sorri ao perceber como foi chamado. Argh. - Mas se recusaram por dizer que... Que a Rainha não é digna de seu posto e tampouco seu reino de ser aliado ao nosso.

Os outros embaixadores olham, chocados, assim como todos nós – menos o Príncipe Hans, é claro.

— Então, o que ainda está fazendo aqui? – ele pergunta, cerrando os olhos.

— Quero ajudar de qualquer forma. Eles não estão vendo o que acontece aqui, mas eu sim.

Parece haver honestidade nos olhos dele. Ótimo! Além de todo clima em Arendelle (literal e figurativamente falando), ainda há joguinhos políticos.

Suspiro profundamente.

— E os outros reinos? – olho para os embaixadores.

— Vão enviar alguma ajuda, mas não muita. – responde o da França. – Temos alguns problemas internos e não estamos em uma situação favorável para ajudar Arendelle.

Entendível. Muito bem. Esfrego minhas têmporas, pensativo.

— A Princesa Rapunzel, de Corona, disse que seus pais também enviarão ajuda. – completo.

O Príncipe Hans olha para baixo, assentindo com a cabeça.

— Bem, não vejo muito mais a fazer sem ser o que já estamos fazendo, até esperar que chegue ajuda. – suspira dramaticamente. – Oh, Arendelle, gostaria tanto de poder ajudá-la ainda mais!

Gerda levanta os olhos e tento conter um riso.

— Concordo com o plano – respondo e, logo em seguida, todos também concordam.

— Vamos distribuir mais alguns cobertores e sopa e colocar mais vinho quente no Grande Salão. – o Príncipe diz. – Reunião encerrada.

Vamos todos pegar mais um pouco de sopa e nos separamos para distribuir. Passo na casa do senhor que tinha me pedido ajuda e deixo lá um pouco mais de batatas. Ele agradece efusivamente e me abraça.

— Não sou eu quem precisa de abraços, bom senhor. – digo, olhando em direção a seu neto que está dormindo no sofá. O corpinho dele continua tremendo, mesmo dormindo. – Mas obrigado.

Chegamos perto da fonte e contemplo, completamente aliviado, o lugar vazio, com Rapunzel cantando e dançando com alguns cidadãos, tentando trazer um pouco de alegria. Eles parecem ter se acalmado. Seja lá o que Rapunzel disse ou fez deu certo, e serei eternamente grato.

Estou quase chegando quando ouço dois homens brigando perto de um lugar onde restam poucas madeiras para acender as lareiras. Ainda existe a possiblidade de cortar árvores, e existem muitas delas próximas daqui – o problema é chegar lá nesse frio.

— Você confia mesmo naquela Rainha traidora?

— Não é traidora! A Princesa Rapunzel disse que...

— Príncipes, princesas! Já não está farto desses títulos que se enobrecem e nos colocam no chão?

— Não, não, você colocou a casca pra baixo! A casca tem que ficar pra cima!

— A casca pra baixo fica mais seca!

— Me dê isso aqui! – e começam a brigar.

Oh, sim. Também tem essas situações. As que as pessoas, estafadas, saem brigando, e jorram seus sentimentos umas nas outras, causando intrigas que temos que ficar separando.

Sei que não posso ficar olhando enquanto os homens brigam pela caixa, então me aproximo deles e ofereço sopa. Eles a encaram com olhos brilhantes.

— Tem que dividir. – digo, fitando-os seriamente.

Eles levantam os olhos e dou duas colheres para dividirem a sopa. A intriga parece ir embora.

— Cobertor! Alguém precisa de cobertor? – ouço a voz de Príncipe Hans oferecendo, humildemente. Ele e mais dois soldados estão distribuindo cobertores, enquanto Gerda e eu distribuímos sopas, e os embaixadores distribuem roupa e levam um pouco de lenha extra para as casas.

— Arendelle está em débito com Vossa Alteza. – uma senhora que pega um cobertor responde.

Reviro os olhos. Mal sabe ela que ele só fez isso para tentar ganhar um pouco de apatia do povo, não verdadeiramente por querer ajudar, como Rapunzel ou José. O Príncipe Hans tem um olhar estranho, superficial, e não confio nem um pouco nele. E mais aquelas costeletas estranhas.

Ele a encara por alguns segundos, tentando forçar um sorriso, e sai novamente distribuindo sua solidariedade.

— O castelo está aberto. Tem sopa e vinho quente no Grande Salão! – diz, como se ninguém soubesse.

E, como se a falsidade não pudesse ficar pior, aparece o Duque de Weselton (acho que acertei) para falar com Hans. Observo a cena, atento.

— PRÍNCIPE HANS! – grita o Duque com seu habitual grito para chamar atenção. – Devemos ficar aqui congelando enquanto você distribui os bens comerciáveis de Arendelle?

Uma raiva que nem sabia que tinha borbulha dentro de mim, e mordo os lábios. Ele nem compareceu à reunião e ainda sai falando de alimentos e cobertores somente como “bens comerciáveis”?!

Hans o encara com olhar de desprezo. Essas são as únicas horas em que gosto dele – quando briga com o Duque.

— A Princesa Anna deu suas ordens. – responde simplesmente.

— E TEM OUTRA COISA! – grita ele, cortando Hans com gestos estrambólicos que compensam seu tamanhozinho. – Já parou para pensar que a sua Princesa pode estar conspirando com uma feiticeira? Para me destruir!   

Então foi com esse discurso profano que ele levou alguns cidadãos de Arendelle a abandonar o reino? Meus olhos destilam incredulidade e raiva para este homem. Que vontade de pegar aquela peruca e...

— Não pode questionar a Princesa. – Hans responde, apontando um dedo no rosto do Duque e fechando os olhos ameaçadoramente. – Ela mesma me colocou no comando e não hesitarei em proteger Arendelle de traição.

Gerda e eu nos entreolhamos, surpresos com a firmeza do Príncipe Hans. Talvez, ele seja bom e apenas esteja desconfiado de todos – o que uma situação como essas não pode causar nas pessoas?

— Tr-traição? – o Duque gagueja (e uma parte de mim se regojiza).

De repente, um relincho de um cavalo desesperado ressoa no ar e gritos e passos de pessoas. Levanto-me, deixando o caldeirão de sopa nas mãos de um outro membro da Coroa que me acompanhava e corro em direção a um cavalo que está preparado para montar e entrou correndo em Arendelle.

Analiso-o para ver se o reconheço, e minhas mãos tremem.

O cavalo de Anna.

Meu coração parece falhar e me sinto zonzo enquanto procuro a Princesa por perto dele, mas não a vejo. A espero chegar, e os próximso 2 minutos me trazem apenas decepção.

— Gerda. Anna. Onde está Anna?! – pergunto, a voz trêmula e o coração parecendo sair pela boca.

Ela percebe como estou e me ampara, mas não parece muito melhor do que eu.

O Príncipe Hans não parece tão chocado e corre em direção ao cavalo, acalmando-o. Mas, sinceramente, não estou nem aí com o cavalo. Quero Anna. Como ela estará sozinha neste monte de neve, com apenas aquelas roupas? E se ela estiver perdida no meio da floresta? Lutando contra sei lá que animal e...

Sinto Gerda bater de leve em meu rosto e me recomponho. Posso afirmar que estou tão pálido quanto qualquer doente aqui em Arendelle, pensando em mil possiblidades para o que quer que tenha acontecido à menina Anna.

Mas esse estado de nada me adiantará, então respiro fundo diversas vezes, enquanto me encaminho na direção de Hans.

— A Princesa Anna está em apuros! – ele diz, voltando-se para a multidão que se aglomerou com curiosidade, e meus olhos estão cravados na entrada, esperando a menina Anna aparecer. – Eu preciso de voluntários para irem comigo procurá-la!

— Eu vou!

— Eu também!

— Eu... Eu também devo ir. – balbucio, tentando raciocinar e passar por cima da preocupação que me tomou.

— Não, Ludvig! – Gerda me repreende. – Com o Príncipe Hans fora,  Arendelle precisa ainda mais de você.

— Mas a Princesa Anna...

— Ela terá muitos homens à sua procura. Ela não é a única que precisa de ajuda, Ludvig! Tenho certeza de que gostaria que ficasse também.

Olho para Gerda e seus olhos estão implorando para eu ficar.

Penso em minha família e naqueles que mal tem seu sustento.

Sim, eu preciso ficar.

— Está bem. – balbucio, com a voz ainda trêmula. – Está certa.

— Eu ofereço meus dois homens, meu senhor. – o Duque grita, apontando seus dois soldados.

Passo a mão na cabeça constantemente, e tudo parece ser um sonho, assim como quando todo aquele desastre com a menina Elsa aconteceu. Sinto estar à beira de um colapso, mas não posso me dar ao luxo de me render a ele.

Preparamos os homens com alguma quantidade de comida e cobertores e partiram sem demora.

— Espere! – ouço um senhor gritar como se, subitamente, tivesse percebido alguma coisa importante. - AGORA O PRÍNCIPE NOS DEIXOU TAMBÉM?!

— Esta terra está amaldiçoada a ficar sem um soberano! – grita uma mulher.

— Ah, não. Não, não mais revolta. Por favor, parem... – balbucio, com uma vontade enorme de me embrulhar dentro de um cobertor em algum canto e ficar olhando para a frente, fugindo de todos os problemas que caíram nas minhas costas.

— Ainda há o Regente! – Gerda gritou.

— Finalmente alguém se lembrou de mim! – diz um homem que está chegando na terceira idade, nosso querido Regente, que cuidou de Arendelle em situações críticas após a morte do Rei e da Rainha.

Consigo dar um sorriso, mas ainda sinto meu coração na boca e a dor de cabeça lancinante que não me deixa pensar direito. Ele se aproxima de mim.

— Meu bom Ludvig! Vejo que não está bem. Ajude-me apenas a terminar de distribuir o caldeirão de sopa e pode ir descansar.

— Obrigado por ficar, Regente Idisen. – digo, sinceramente grato.

— Oh, meu bom amigo, ficarei apenas para amenizar a situação com os cidadãos, que se sentem abandonados. Já cumpri o meu papel, e logo a Princesa Anna se casará, e ela e Príncipe Hans serão excelentes como Rei e Rainha.

— E quanto à Rainha Elsa? – pergunto, percebendo que ele a excluiu.

— Oh, não acredito que ela realmente consiga reinar se foge diante do primeiro problema que aparece. Veja, ela passou a vida escondida, sem ter contato com as pessoas, e deixava tudo nas minhas costas, sem se interessar por nada. Se não consegue controlar o próprio gelo, quem dera um reino todo! E, cá entre nós – ele se aproxima como se fosse contar um segredo -, eu não gostaria de ser líder de um lugar que se vira contra o próprio soberano na primeira oportunidade. Graças a Deus que cumpri apenas algumas missões de Estado e nunca precisei assumir inteiramente o reinado.

Olho para ele, intrigado com seu ponto de vista – nunca imaginaria que ele pudesse ter essa opinião, já que sempre foi fiel amigo do Rei -, mas estou tão cansado que apenas balanço a cabeça e ajudo com o caldeirão. Se ele não ficasse na Regência, era provável que tudo caísse nas minhas costas.

Distribuímos o restante da sopa e me dirijo para minha casa, completamente esgotado, cheio de pensar em pessoas boas doentes, em cidadãos revoltados, em escassez de alimentos, em intrigas entre nobres, em brigas, em como as meninas estão se virando sozinhas.

Abro a porta e não sou recebido por ninguém. Não estranho, pois já está tarde, e Tyra e eu brigamos todas as vezes em que nos vimos desde que Sigrid ficou doente. Ela culpa a Rainha Elsa e me culpa por estar me aliando a ela. Já tentei explicar, mas não adianta. Nem o apoio de minha esposa tenho mais.

Todos já estão dormindo e me dirijo para o quarto da Sigrid, para cuidar dela. Tyra me vê e se retira, me encarando friamente. Passo por ela e sento na cadeira perto de Sigrid, que está deitada na cama, e pego suas mãos frias que estão cobertas por luvas.

— P-Pa-Pai... – Sigrid murmura, trêmula, e começo a respirar fundo novamente, como no início do dia.

São 2h da manhã. Tyra e eu nos dividimos para cuidar de Sigrid para que possamos dormir um pouco. Sinto o cansaço e a exaustão me abatendo, mas minhas preocupações são muito maiores que ele. Então, mesmo na minha vez de dormir, eu não consigo. Não durmo há três dias.

— O que foi, filha? – apesar de tudo, o sono está aparente na minha voz, por mais que tente escondê-lo.

— E-est-tou c-com f-f-fri-o... – ela treme enquanto fala, e suspiro com pesar, olhando para ela.   

O cabelo de minha filha parece um pouco mais opaco e sem cor, assim como seu rosto. Sei que outra coberta não vai adiantar, porque já chegamos a colocar todas as que têm em casa e ela continua tremendo. Não tenho forças para chorar, apenas para suspirar e lamentar.

Visto isso, só resta uma coisa a ser feita.

Tiro o corpo frágil de Sigrid do lugar e o coloco em meu colo, acalentando-a enquanto balanço a cadeira para frente e para trás. Posiciono sua cabeça em cima de meu coração para que saiba que não está sozinha. A abraço com toda a força que me resta.

— Eu te amo, querida filha. – sussurro. - Independente de qualquer situação, eu sempre vou te amar.

— Eu também te amo, papai. – ela responde com sua voz fina, sorrindo para mim, e seu sorriso transforma meu coração.  

— Parece melhor, filha. – digo, tocando seu rosto, que parece um pouco mais quente.

— Me senti quentinha com esse abraço de pai que você me deu.

— Abraço de pai? – pergunto, rindo um pouco.

— Sim. Cheio de amor. – e me abraça de volta.

E ficamos assim a noite toda, e é como se todas as preocupações fossem embora.

Afinal de contas, o amor é a solução para qualquer problema.


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Notas finais do capítulo

E aí? Por que será que tem tanta gente doente? Por que será que existem diferentes níveis da "doença" - desde dor de cabeça até pessoas que estão como Sigrid? Teorias? (Hihihi)
Esse capítulo ficou grande por ter muita coisa que eu queria mostrar: os diversos pontos de vista da população, dos funcionários do Reino, dos outros Reinos, dos doentes, como Rapunzel e José ficaram no meio da treta toda...
Opinem, pois estou curiosa para saber o que acharam e amo os comentários de vocês! Até! *O*