Por trás de Frozen escrita por TamirisJ


Capítulo 12
Capítulo 11 - O Rei das renas e a Princesa louca


Notas iniciais do capítulo

CONSEGUI! CHEGUEI! AQUI ESTOU EU E EU VOU FICAR!
Ok, chega de drama.
Eu sei que já deveria ter postado esse capítulo, mas dessa vez a culpa não foi minha, mas sim da amada amiga internet, que ficou dois dias sem funcionar e não me deixou postar. Muita trollice da parte dela. Mas já conversamos e ela está bem agora, funcionando corretamente (fique assim, internet. Pelamor).
Mas, enfim, aqui está o capítulo! EEEEE! E com um POV inédito :)
Ficou beem maior do que eu esperava - inclusive ultrapassou o tanto de palavras que eu geralmente gosto de escrever em um capítulo.
Mas quem vai me dizer se ficou bom ou não são vocês! ^^
Espero que gostem! :)



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POV KRISTOFF

– "Mas eu não tenho forças para andar".

– Amigo, você sabe que, se eu pudesse, compraria todas as cenouras do mundo para você.

– "Eu sei, parça". - Sven diz, me olhando compreensivamente, mas com seus olhos enormes me pedindo piedade e piscando violentamente para neve não cair neles.

Eu sei que é birra, então ignoro ao colocar minha toca e um lenço para cobrir meu nariz e boca do frio.

– Muito bem, então. Vamos chegar somente mais até aquela loja que você terá cenouras. Beleza?

Ao perceber que eu não cederia, ele rola os olhos.

– E prometo que vou achar algum lugar pra gente dormir. – barganho.

– “Mas você não tem dinheiro”.

Balanço os ombros.

– Posso lidar com isso.

Em resposta, Sven balança o rabo e se aproxima de mim para me lamber com a língua gigante de rena e eu afago seu rosto peludo, rindo.

Um casal nos encara, espantados, mas Sven e eu já estamos acostumados a essas pessoas que não entendem a amizade que Sven e eu temos, nem que um animal pode ser seu melhor amigo.

Um homem ruivo – acho que é o Príncipe que aquela Princesa louca colocou no lugar dela (pelo amor de Deus, quem deixa o reino na mão de alguém que não seja da própria família?!) – passa por mim e Sven com a expressão meio enojada, como se nunca tivesse visto um cara e uma rena brincando na vida.

Sven e eu bufamos juntos e dizemos em uníssimo: “Tsc tsc. Humanos”.

Meu amigão e eu não costumamos ligar muito para o que os humanos acham, visto que eles não são muito confiáveis. Quem, em sã consciência, ficaria empolgado em ser liderado por outro ser humano – e que nem conhece? Esse era o estado de euforia que Arendelle tinha hoje de manhã.

E o que deu confiar em outro ser humano? Tristeza, desespero e um inverno tão frio que até minha família estaria tremendo com esse vento tão gélido quanto o coração de algumas pessoas.

E, de quebra, ainda ferrou com meu negócio de gelo.

– Daven, era para você ficar em casa! – um homem que está dentro do mercado grita para um menino que está indo ao seu encontro.

Viro-me na direção deles e observo, como sempre inconscientemente faço com relações de família.

O menino treme de frio e deve estar coberto por uns 3 casacos.

– Mamãe mandou você comprar ingredientes para fazer um remédio para Sigrid. – ele responde, simplesmente.

O homem parece empalidecer um pouco e, só por esse instante, meu coração balança e se pergunta o motivo de eu não ter uma mãe ou pai – humanos, claro. Se pergunta o motivo de terem me deixado enrolado em um cobertor entre cargas para que os homens que trabalhavam com gelo durante a madrugada me encontrassem – queriam eles que cuidassem de mim? Com tão pouca comida e uma família para sustentar?

Involuntariamente, é por isso que sempre vejo as relações de família. Tento encontrar uma brecha para entender porque pais simplesmente largariam seus filhos por aí, congelando no meio de caixas de comida e de gelo.

Aquele sentimento de inconformidade e raiva transpassa meu peito como uma chama, mas eu respiro fundo e tento me acalmar. Sven se aproxima de mim e bate em meu braço com seu focinho, me acalentando.

Sorrio.

– Obrigado, amigo. – e acaricio sua cabeça felpuda e marrom.

Foi Sven quem me encontrou. Disseram para mim, anos depois, que ele tinha nascido há poucas semanas e, um pouco depois, sua mãe morreu. Ao me ver tremendo de frio em minha manta, Sven chamou a atenção dos outros e se enroscou em mim para tentar me esquentar. Dizem que eu parei chorar. E, depois disso, nos tornamos inseparáveis.

– É, amigão... Nem sei onde estaria se não fosse por você.

Ele me olha desconfiado, apagando aquele momento bonito entre nós dois.

– “Provavelmente eu teria cenouras para comer”.

– Há, engraçadinho.

– Tome, filho. – Sven e eu observamos enquanto o homem pega um cachecol que está na entrada da loja para seu filho e enrola em volta de seu pescoço.

– É. Algumas pessoas são boas. – murmuro.

– “Algumas”. – Sven concorda.

Por isso que ainda tenho uma leve tendência a confiar em gente – além de ver essas pequenas boas ações, é também porque aqueles homens do gelo acabaram me acolhendo, e em cada semana eu me hospedava na casa de um deles e me ensinavam sua profissão.

Às vezes, quando não tinham tanta comida – bem, eu diria que esse trabalho não rende muito dinheiro, já que eu tive que comprar meu trenó em 25 vezes sem juros e com a primeira parcela à vista em forma de cenouras -, eu me sentia culpado e um fardo por estar ali.

Felizmente, na noite em que vi um rastro de gelo brilhante no chão e o segui, fui adotado por trolls. Que também não confiam muito em gente.

Lição de moral: não gosto muito de ser uma pessoa, mas eu não posso fazer nada quanto a isso.

– “Pare de pensar muito que estou com fome”. – Sven ainda me encara, desta vez com tédio, e sua barriga faz um barulho de estômago vazio.

E a minha também.

– Desculpe, amigão. – dou uma batidinha em sua sela. – Vamos lá.

Sven se chacoalha para tirar a neve que se acumulara em seu torso nesse meio tempo e entro em meu trenó, colocando uma manta nas costas de Sven e outra em minhas pernas.

Sven tenta andar o mais rápido que consegue, mas a neve está tão funda que fica difícil, e o trenó empaca várias vezes na subida que temos que fazer para chegar ao armazém, e eu desço para ajudar a empurrá-la.

Meus músculos da perna e dos braços doem tanto com o esforço que parecem queimar, mas essa queimação é melhor que a causada pelo gelo quando gruda na mão.

– Eu sei que você está pensando se isso tudo vale a pena e se deveríamos deixar isso de lado e ir para casa – ele resmunga, concordando. -, mas eu prometi à mãe Bulda que levaríamos uma picareta para ela poder aparar um pouco as gordurinhas pedrásticas que ela tem.

– “Mulheres e suas preocupações com emagrecer”. – Sven reclama.

– E para tirar eventuais pedras do rim, claro. Ah, e uma corda para...

De repente, um vento extremamente forte vem do lado esquerdo e nos atinge, fazendo nossas mantas voarem para longe e o trenó quase cair. Me seguro fortemente no trenó e, mesmo assim, sinto meus pés serem arrastados um pouco para a direita enquanto protejo meu rosto dos fragmentos de gelo sólido que açoitam Sven, o trenó e eu.

Ao longe, parece que ouço um grito – não, não um grito; uma canção. Uma canção que preenche o ar de forma tão completa que paraliso por um momento, sentindo aquela liberdade que parece emanar da música e um poder sinistro que me faz estremecer.

E, tão de repente quanto chegou, o canto vai embora e o vento para.

Olho para de onde o vento veio, e reconheço a Montanha do Norte, que parece ter um ponto brilhante que não me lembrava de estar ali antes. Tento me concentrar para ver o que é, mas a neve está tão espessa que me impede.

Isso foi. Absolutamente. Sinistro.

– Caramba, Sven, que pum foi esse? – brinco com ele, que ri com soluços abafados. – E eu achando que eu é que era o...

Sou interrompido por um esganiço do Sven, que vai bruscamente para o lado, levando o trenó e eu junto com ele e me fazendo cair no chão com a cara na neve, ficando ainda mais cheio dela do que antes. Então, meus sentidos parecem completamente focados para entrar em alguma batalha – às vezes, Sven e eu temos que lutar contra alguns lobos que aparecem por aí -, quando ouço um cavalo relinchar assustado.

Saio de trás do trenó e vejo um belíssimo e muito bem cuidado cavalo preto – com rédeas – correr desenfreadamente, seus olhos esbugalhados de medo.

Olho de soslaio para Sven e ele acena com a cabeça. Lentamente, aproximo-me do cavalo.

– Oi, amigo. – murmuro, calmamente. – Está tudo bem?

O cavalo para de repente e, olhando para baixo, me encontra e fica me encarando enquanto respira pesadamente.

– Calma, calma. Está tudo bem. – continuo. – Então você tem dono, não é? Deixou ele por aí caído na neve e fugiu?

O cavalo continua me olhando, desconfiado.

– Ah, garoto esperto! – cumprimento, aproximando minha mão para afagar seu queixo. O cavalo parece relaxar quando faço carinho nele, e Sven bufa. – Sem ciúmes, amigão. Bem, cavalinho, se você veio lá de cima, quer dizer que devemos estar perto do nosso destino. Certo, Sven?

Ele não responde e eu suspiro.

Renas. Tão sensíveis e difíceis de lidar.

– Bem, amigo, vou deixar você ir – digo para o cavalo, que me encara atentamente. – Seja livre!

Parecendo entender o que digo, o cavalo sai de perto de mim e corre pela neve desenfreadamente.

Enquanto ajeito as coisas novamente no trenó, observo ao redor. As montanhas estão completamente congeladas, e o céu parece que ficará escuro para sempre.

E essa neve... Ela não é natural, de forma alguma. Eu trabalho com neve, pelo amor de Deus, e sei que isso só pode ser magia ou algo do tipo, de acordo com tudo que já vi Vovô Pabbie fazer.

E eu sei o quão bonito é gelo; mas também sei o quanto é perigoso. Durante os anos de convivência no meu trabalho, vários homens tiveram terríveis feridas causadas pelo gelo, inclusive ai cair em lagos em que o gelo em cima, rapidamente, se congelou. Outros foram cortados por estalactites e estalagmites afiadas. Outros se queimaram bruscamente. Outros escorregaram e quebraram alguns ossos.

Mas, ao mesmo tempo, não há nada como a sensação da neve macia cair em seu rosto, trazendo um estremecimento que, logo em seguida, parece aquecer seu coração. É como se ela te abraçasse e, quando está no chão, é tão fofa de se pisar que você se sente nas nuvens. E o gelo – sua beleza é incomparável, ainda mais se refletir cores. As gotículas que vão derretendo dele mostram, ao mesmo tempo, a fragilidade e força daquele pedaço de água. E trabalhar com isso, com essa maravilha perigosa da natureza... Ah, não há nada igual ou melhor.

Uma aurora boreal ameaça surgir no horizonte, e me lembro de quando era pequeno e tal aurora sempre saudava os homens do gelo que estavam no trabalho. E também havia o momento do pôr do sol, em que tudo ficava alaranjado e refletido como se estivéssemos pisando no céu.

– Ah. – suspiro, observando a aurora.

– “Para de pensar no gelo porque eu ainda estou com fome”.

Olho feio para Sven.

– Você é cheio de estragar momentos felizes e profundos, Sven.

– “É a fome”.

– Tudo bem, eu te perdoo. – arrumado o trenó, subo nele. – Vamos, amigão! Em busca das cenouras perdidas!

Ele balança, feliz, e vamos o mais rápido que conseguimos até onde quer que seja esse armazém.

Eu sei bem pouco do que aconteceu no castelo mas, do que sei – que a Rainha lançou gelo por todo o canto e sua irmã louca foi atrás dela -, me fez lembrar de uma canção que os homens do gelo costumam cantar.

– Lembra da música “Gélido Coração”, Sven? – pergunto. Ele não olha para trás, mas acena concordando. E começa a murmurar como se cantasse a música. Eu o acompanho, sentindo-me como se estivesse trabalhando e fecho os olhos para a neve abraçar meu rosto, protegendo-o com a toca até a testa e o lenço acima do nariz e da boca.

– Chuva da montanha e frio intenso combinados trazem essa força gélida de um coração a ser minerado... – espreito os olhos e me parece que uma casa começa a aparecer à frente. Minha voz fica mais alta e animada quando volto a cantar. – Golpeie o coração... Sua vez, Sven!

–... “Por amor”!

– Congelado...

–... “Por terror!”

– Belo e ameaçador! Quebre o gelo então...

–... “do vendedor de cenouras fortããão!”.

Sven e eu caímos na gargalhada enquanto o trenó para e saio dele para me dirigir ao armazém.

– Ai, Sven, você é terrível com suas piadas. – ele faz um barulho de risos enquanto acaricio sua cabeça. – Muito bem, amigão. Vou entrar e pegar as cenouras o mais rápido possível pra você parar de reclamar.

Ele balança a cauda, feliz.

Me aproximo da entrada do armazém, ansioso para entrar e, quando chego nas escadas de madeira da pequena loja, acabo tropeçando e caindo de cara no chão.

Hum. Comecei bem.

Levanto-me e respiro fundo, já relativamente irritado por ter caído, tendo sempre em mente fazer o mínimo de contato possível com gente. Leio a placa acima de mim, que diz: “Armazém do Carvalho Errante – e SPA”.

Tendo certeza de que lá é o lugar, entro brutalmente para tentar vencer o vento que me empurra para o lado e fecho a porta com força. A primeira coisa que faço é procurar as cenouras, e as encontro atrás de uma garota que está com os vestidos molhados em frente ao balcão.

Meus olhos se arregalam quando um instinto me diz que ela é terrivelmente familiar. Seu cabelo está muito bem penteado em um coque com tranças e seus olhos verdes grandes me encaram, assustados. Seu vestido é verde e muito suntuoso. Provavelmente, veio direto do baile. Mas esse cabelo ruivo... Eu me lembro dele de algum lugar.

–... E esse moço. – diz um homem grande que se posta atrás do balcão, provavelmente o dono da loja. – Uhu! Liquidação de verão! – ele tem um sotaque um pouco acentuado de não sei onde, colocando “ón” no final da pronúncia das palavras.

A garota me encara de uma forma tão perturbadora que, por um momento, me sinto um monstro. Pisco os olhos, me concentrando no que vim fazer – e não nela – e me aproximo da moça que, discretamente, olha para qualquer direção menos para mim, ao mesmo tempo em que se aproxima do balcão.

E, por mais que eu pressione, ela não sai da minha frente.

Qual é, minha aparência não deve estar tão assustadora assim.

Ela se ajeita desconfortavelmente, colocando e tirando os braços da bancada. O homem continua me olhando como se arrancasse dinheiro dos meus olhos.

Decido parar de enrolação.

– Cenouras. – digo simplesmente, cansado.

A moça me olha questionadoramente por um momento, e me aproximo dela para me fazer entender.

Ela começa a assoviar e a olhar para os lados, como se tivesse medo de mim.

Ai, ai. Humanos.

– Atrás de você. – falo, sem paciência.

Então ela olha para trás de seu vestido e, finalmente, entende.

– Ah! – e se coloca para o lado com um riso sem graça. – Desculpa.

Pego as cenouras, querendo sair dali o mais rápido possível, e me dirijo para a parede para pegar a picareta e a corda. Tudo isso, de acordo com minhas contas, deve dar... 10.

– Mas que nevasca nessa época, nón? – puxa uma conversa o cara do balcão. – De onde será que está vindo?

– Da Montanha do Norte. – respondo sem delongas. Nunca fui muito de conversa, então falo rispidamente.

– Montanha do Norte...? – a garota murmura, como se descobrisse a América, enquanto coloco minhas coisas no balcão.

– Deu 40. – o cara diz.

– 40?! – pergunto, surpreso, e ele se faz de desentendido da minha surpresa. – Não, 10!

Ele olha para mim como se tivesse que explicar 1 mais 1 para uma criança.

– Assim não vai dar nón. Isso é do nosso estoque de inverno, onde a oferta e a procura têm um grande problema.

É ele mesmo, o cara da economia.

Pensando em como Sven devia estar morrendo de frio lá fora, decidi deixar as negociações de lado.

– Você quer discutir o problema da oferta e procura?! Eu ganho a vida vendendo gelo. – e aponto com a cabeça para a janela, de onde podem ver meu trenó cheio de gelo. Geralmente, esse argumento funcionava com as pessoas, que cediam.

– Uh, é um péssimo negócio pra se estar agora! Quer dizer, isso é muita... – relata a garota (aparentemente com alguns problemas de impulso ao falar), e olho feio para ela. -... falta de sorte.

Balanço a cabeça, pensando em como alguém pode ser assim.

– Ainda é 40. – responde o cara, com seu gélido coração. – Mas eu posso acrescentar uma visitinha lá. – e aponta para o lado, onde é possível ver uma sauna com várias pessoas dentro. – Uhu! Família!

– Uhu! – respondem eles.

Bem, eu não gosto de calor e, com certeza, não gostaria de ficar dentro de uma sauna com a família desse espertalhão.

Esse cara acabou com meu humor.

Viro-me para ele, dessa vez tentando aparentar inocência e desabrigo.

– Mas eu só tenho 10. Colabora comigo.

– Tudo bem, mas por 10 você só... – ele pega as cenouras e as coloca na frente da corda e da picareta. -... leva isso.

E então ele me encara com aqueles olhos espertalhões e azuis tão gélidos quanto... quanto alguma coisa muito gélida e eu encaro de volta, estreitando os olhos.

– Tá, só me diz uma coisa... – ouço a voz um pouco estridente da garota, mas não tiro meus olhos dos desse sacaneador da economia. – O que estava acontecendo na Montanha do Norte parecia ser... magia?

Aquele sentimento de impaciência misturado com certeza incredulidade no que diz respeito à natureza humana começa a ressurgir – será que essa garota simplesmente não consegue parar de falar? -, e eu tiro o lenço do rosto para poder encarar aqueles dois com o máximo de espertalhosidade possível.

– Isso. Agora se afasta. – ela arregala os olhos, provavelmente um pouco assustada com minha sinceridade. Sinto o gelo ao redor da região dos meus olhos, assim como no meu cabelo, o que me traz certo desconforto, mas tudo o que me interessa agora é pegar as cenouras, a picareta e a corda e sair daqui. – Enquanto eu lido com esse espertalhão.

E aponto – aponto mesmo, com minha gigante luva – na cara do cara.

E então percebo que cometi a maior besteira do mundo e engulo seco, porque esse cara deve ter o dobro da minha altura e dos meus músculos (e olha que eu sou alto e, bem, o trabalho com gelo nos ajuda a ter músculos). Quando ele se levanta, sua cabeça praticamente atinge o teto.

Ferrou – é a única coisa que tenho tempo para pensar, porque tudo acontece rápido demais, e o máximo que consigo fazer é espernear como uma criança quando ele me tira do chão e me joga – literalmente, me joga – para fora de sua loja.

– Tchauzinho! – e fecha a porta com um estrondo que faz o chão tremer.

Caio, novamente, com a cara no chão, e não faço muito esforço para sair, porque não estou afim de ver a cara do Sven cheia de desaprovação.

Oferta e demanda. Pfff.

Criando coragem, me levanto e tiro um pouco de neve da minha cara. Sven se aproxima, ansioso, e começa a procurar por cenouras perto de mim.

Quando não encontra, levanta a cabeça e me lança um olhar inquisidor.

Eu olho para o lado, ligeiramente envergonhado.

– Não, Sven, eu não comprei as suas cenouras.

E ele faz um barulho que compreende tristeza, fome e raiva, e eu não posso dizer que me sinto muito diferente disso. Ele cai no chão, os olhos tristonhos, e felizmente vislumbro uma outra construção de madeira próxima dali. Um celeiro.

– Mas, pelo menos, achei um lugar pra gente dormir. E de graça. – ele olha na mesma direção que eu e balança as patas dianteiras, dizendo que sabe que é o melhor que conseguiremos essa noite.

Levanto-me, arrastando o trenó para dentro do celeiro com a ajuda de Sven – felizmente, o lugar é grande. Quando nos acomodamos, tiro a neve de minhas roupas e do lombo de Sven, que não para de se sacudir para se livrar da sensação de frio que a neve traz.

Pego meu instrumentozinho de cordas e me deito no feno para me acomodar.

– Quentinho, amigo?

Ele murmura, feliz.

– Ótimo. Vamos começar a canção de ninar. Hoje será a respeito de pessoas que te xingam e batem porque você tem 10 e não 40 para comprar algumas cenouras, uma picareta e uma corda. – pigarreio um pouco para a voz pegar melhor.

“Rena é melhor do que gente. Sven, o que tem a dizer...?”

Sven e eu fazemos um dueto, como sempre fizemos a partir do dia em que passamos a morar com os trolls. Toda noite, todos os trolls se juntam e cantam uma canção sobre aquele dia. Sven e eu aderimos a esse costume.

Eu já estava começando a ficar sonolento, assim como Sven, quando a porta do celeiro abruptamente é aberta e levo um susto lascado que me faz saltar, e um vento gelado atinge meu rosto tão de repente que faço uma careta de dor.

– Lindo dueto.

Olho para frente, já pronto para expulsar quem quer que seja o invasor, quando vejo aquela garota dos cabelos ruivos e olhos verdes na porta com o rosto inocente cheio de determinação.

– Ah. – suspiro, repentinamente aliviado. – É você.

Não sabia o porquê, mas isso não me cheirava nada bem. Apesar de ser melhor que aquele grandalhão descobrir que invadi seu celeiro para dormir.

– O que você quer? – pergunto, ajeitando minhas botas.

Ela respira fundo, as mãos firmemente seguras em sua bolsa, como se estivesse juntando todas as suas forças. Só neste momento percebo que mudou sua roupa para um vestido azul e preto, com uma capa e touca rosa, além de botas. E mais: desfez o coque e o transformou em duas tranças grossas que contornam seu rosto.

Ficou mais bonita, eu achei.

Peraí, o quê?

– Quero que me leve até a Montanha do Norte. – ela diz, os olhos faiscando de apreensão e determinação.

Pisco os olhos com força para me concentrar e ignorar o que acabei de pensar. Depois, a encaro com certa mescla de desconfiança e surpresa, pois não imaginava que uma menininha como ela tivesse o desejo – ou a coragem - de se aventurar na neve.

E mais: ela não tem companhia não? O que está fazendo sozinha nessa tempestade de gelo? Isso está me cheirando a uma emboscada para roubar meu trenó.

É, definitivamente. Por que outra razão uma moça bonita como ela falaria comigo?

Caramba, eu fiz de novo.

Com o intuito de não olhar muito para ela, me deito no feno e coloco a touca em meu rosto, como se fosse voltar a dormir.

– Não levo pessoas a lugares. – respondo.

– Acho que assim vai me entender melhor. – sua voz tem um tom ácido, assim como o som de dor que faço quando um enorme saco é jogado em minha barriga e me faz sentar abruptamente. Ai.

– Ei!

– Me leve até a Montanha do Norte. – o queixo dela está erguido e ela tem certa pose nobre quando me encara. – Por favor.

Sven se aproxima de mim para ver o que tem na sacola de couro e, quando abro, pego a corda e picareta que queria na loja. Sven faz um murmúrio desconsolado.

Olho para ela, cada vez mais desconfiado. Obviamente nobre, bonita e com certo dinheiro. Desesperada para ir até a Montanha do Norte. Isso não pode ser nada bom. Mexer com a realeza, Vovô Pabbie diz, é perigoso.

De repente, uma lembrança me vem à mente: um pai e uma mãe desesperados, uma criança ruiva desacordada no colo e uma loira atrás com o olhar mais aflito que já vi na vida.

Ergo as sobrancelhas, fitando-a com interesse. Então, essa é a menina que me levou até a minha família.

– Olha, eu sei como acabar com esse inverno.

Vamos colocar na balança: ela trouxe as compras que eu queria e me levou até a minha família, além de saber como salvar meu negócio de gelo contra... nada. É, acho que eu devo um favor a ela.

Bufo por ter perdido a discussão e me deito novamente.

– Sairemos cedo. – aviso, implicitamente concordando com o plano maluco da garota de ir até um lugar absolutamente perigoso e cheio de magia. – E você esqueceu as cenouras do Sven.

E um impacto que me faz urrar atinge meu rosto – e que descubro ser um saco com as cenouras do Sven que foi jogado em mim Ele rapidamente as ataca.

– Uh! Desculpa, desculpa, sinto muito, eu não... – de repente, a menina para de se desculpar e retoma a compostura. – Sairemos agora. – e coloca as mãos na cintura, fazendo um gesto que imagino que seria como de alguém bravo, apesar de ela não conseguir fazer isso muito bem. – Agora mesmo! – e sai marchando para fora do celeiro.

Fico encarando o lugar em que ela saiu, pensando em como aquela menininha tão frágil pode ter se transformado em uma moça tão determinada e corajosa. Na verdade, louca, porque só um louco sairia nessa tempestade no meio da noite.

Nem se parece muito com uma pessoa, na verdade. Um humano normal simplesmente não faria isso, independente do motivo. A maioria deles não é muito corajosa.

Esperando Sven terminar de comer, também saio do celeiro e encontro a garota falando sozinha em um canto. Quando ouve meus passos, ela pigarreia e se vira para me ver.

– Aliás, eu sou a Anna. – e toma sua postura ereta da realeza enquanto estende a mão enluvada para mim. E percebo, neste momento, que ela é a Princesa louca a que me referi momentos atrás.

– Kristoff. – murmuro, ainda com um pouco de sono e aceitando o cumprimento.

– Ah, sim, Christopher.

– Krist...

– Devemos sair o mais rápido possível. Senhor. – ela acrescenta rapidamente, não sabendo muito bem como lidar com a situação.

Sven, como se entendesse o que ela disse, sai do celeiro e já vai em direção ao trenó. Ele gostou da garota. Aliás, está dando um olhar muito sugestivo para nós dois.

Dou um fraco soco em seu nariz quando passo por ele, que retruca me dando um coice nas canelas, e me acomodo com a Princesa Anna nos bancos do trenó.

– Está pronta? – pergunto à Princesa louca.

– Mais do que pronta!

E, percebo, quando Sven começa a andar, que sou igualmente louco por acompanhá-la nessa viagem.

Não muito longe dali...

POV ELSA

– Elsa. Elsa! Acorda, acorda, acorda!

Anna pula em cima de mim, e eu estava muito feliz sonhando com bonecos de neve antes disso.

– Anna, volta a dormir.

– Mas não dá! O céu acordou e eu também! – ela diz, dramaticamente. - A gente tem que brincar!

– Você tem que brincar sozinha. – murmuro, jogando-a no chão.

Você tem que brincar sozinha. Você tem que brincar sozinha.

De repente, ouço um grito cortante e agudo vindo do meu lado e, quando me levanto e olho para o chão, Anna já está moça e completamente congelada.

Do que você tem tanto medo?!

Me sinto sufocada e sem ação. Anna congelou. Anna congelou. Anna congelou e é tudo minha culpa.

– Mamãe! Papai! – grito, desesperada, mas fico com mais desespero ainda ao me lembrar de que eles morreram. Eu não consigo enxergar direito porque minha visão está embaçada com lágrimas, e não consigo respirar pois parece que há uma faca enfiada em meu peito. – ANNA! – grito, horrorizada. – ANNA!

– ANNA! – grito, e me sento abruptamente em minha cama. Seco com violência minhas lágrimas com as mãos trêmulas e olho ao redor.

Estou em meu quarto. Sozinha. Isolada. O gelo à minha volta possui um tom vermelho, o tom que ele adquire quanto estou aflita.

Estou em meu quarto, localizado em meu castelo.

Sozinha. Isolada. Isso. Há gelo pontudo por todos os cantos, provavelmente que surgiram do meu sonho, mas eu não me importo, porque ninguém pode se machucar com eles.

Anna não está aqui. Anna está muito longe daqui.

– Graças a Deus. – murmuro, com uma mão no peito para tentar conter meu coração que por pouco não explodiu. – Graças a Deus, Anna, você está bem longe de mim.

E, fechando os olhos e ouvindo o mais maravilhoso silêncio, sinto-me tranquilizar cada vez mais.

– E espero, Anna, que você tenha o bom senso de ficar longe.

Apesar de dizer isso, uma voz insistente no fundo da minha alma clamava por vê-la, pelo menos mais uma vez, para pedir desculpas.

Mas eu bloqueei essa parte com a mais gélida neve. E é assim que deve ficar.


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Notas finais do capítulo

Meu Deus, como foi difícil fazer esse capítulo! Eu tive muita dificuldade para me colocar no lugar do Kristoff. Por várias vezes, me pegava escrevendo em terceira pessoa ou no passado, e tinha que voltar pra corrigir tudo! hahaha Isso porque a personalidade do Kristoff não é tão bem explorada no filme, eu acho, e é difícil justificar as ações dele, ou imaginar como foi seu passado... Mas, enfim, eu tentei e espero que o resultado tenha sido bom! :D
E, sim, teve POV Elsa! Acho que é legal mostrar trechos de como ela está se virando no castelo, e também porque complementa o capítulo com uma cena que não tem no filme.
Obrigada a todos que persistem seguindo a fic, apesar dos meus erros e atrasos! Tentei deixar um recadinho bonito, mas não coube :( Enfim, beijinhos e até o próximo cap!