Filho do Inverno escrita por Hurricane


Capítulo 2
Vivos e Mortos


Notas iniciais do capítulo

Batalhas, um pouco de magia e muitos Easter Eggs, que é pra vocês aproveitarem MESMO o capítulo o/
Ah, tem um pouco de mistério também, se é que dá pra chamar assim :b
E, se me permitem aconselhar-vos, achem alguma banda de folk/folk metal pra escutarem enquanto leem. Dá um clima legal XD



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Sir John encontrou os enormes portões da cidade escancarados, prontos para caírem. Aquilo custaria aos cofres da cidade, mas ele se sentiu agradecido por não precisar derrubá-los ou escalar os muros.

O cavaleiro observou as casas de madeira na entrada, algumas haviam desmoronado, outras haviam enegrecido com fogo e algumas estavam em pé. Cada uma delas era um esconderijo em potencial, por isso ele seguiu com cuidado.

Não havia sinal de movimentação e ele não ouvia nada, o silêncio era sepulcral. O pensamento lhe arrancou um sorriso. Decidiu entrar em uma das casas para procurar por algum sobrevivente ou alguma resistência, ele sabia que o necromante não teria matado todos em Shetfield.

A porta caiu, fazendo um enorme barulho em meio a todo aquele silêncio. Sua mão instintivamente foi ao punho da espada, e John estava preparado para cortar qualquer morto-vivo que lhe atacasse.

Não havia ninguém na casa, então ele seguiu seu caminho. Magos das Artes Negras têm mania de grandeza e com certeza esse necromante estaria na casa do Senhor de Terras, em seu quarto. Pensando bem, talvez eles apenas gostassem de conforto.

Sir John cruzou até a praça central antes de ser incomodado por algum morto, o que o surpreendeu. O corpo se atirou sobre ele, caindo sobre o escudo que ergueu para se defender. O morto até tentou partir para um segundo ataque, mas a espada atravessou seu pescoço, cortando através do osso, e ele caiu re-morto.

Dois passos e ele encontrou mais um, que também perdeu a cabeça. Contudo, parecia que matar um deles apenas servia para atrair outros. Em um minuto sir John se viu rodeado por muitos mortos, em diferentes estados de conservação.

Haviam alguns que pareciam vivos, outros que tinham seus olhos pendendo de uma carne cinzenta, outros corpos fedendo com a carne podre caindo e deixando seus ossos à mostra. O cavaleiro começou a brandir a espada, sabendo que os problemas requeriam algo um pouco a mais do que simples golpes de aço afiado.

A espada começou a soltar uma leve fumaça branca como a de gelo seco, e John começou a atacar. A lâmina não precisava perfurar ou cortar muito profundamente para congelar os corpos ou partes deles. John avançou por entre aquele mar de mortos-vivos, sua espada cortava braços e congelava corpos, pingos de sangue cristalizavam-se e partiam ao tocar o chão. Mãos tentavam agarrá-lo, dentes tentavam mordê-lo, mas seu escudo e sua espada faziam frente a tudo isso. John bateu com o escudo em um dos mortos, então perfurou o peito de outro, chutou um terceiro e girou sua espada para decepar meia cabeça.

A temperatura caía ao redor de sua espada, mas ele começava a suar e sentir o cansaço de usar magia e batalhar contra tantos ao mesmo tempo. Ele tentava lutar seu caminho de volta para a praça, mas estava cercado. Sir John pensou em deixar seu braço dolorido cair e aceitar a morte, mas esse pensamento não durou um segundo em sua mente.

— Malditos! Morram e continuem mortos! — ele gritou enquanto girava sua espada e cortava os corpos, sua raiva começava a tomar forma em seus golpes.

De repente o frio era tão intenso que alguns dos mortos queimavam simplesmente por estarem perto demais da lâmina, alguns corpos expeliam neve quando cortados pela espada. A safira da empunhadura agora brilhava.

John Northenhall girou a espada e seu corpo, atravessou seus inimigos com ela, a lâmina começava a projetar ondas de frio.

Yeht!

A lâmina explodiu ao som daquela palavra, espalhando o frio e o gelo por entre os corpos em um raio de alguns metros. O suficiente deles foi congelado imóvel, alguns outros tiveram apenas partes congeladas e os mais distantes apenas sentiram o beijo queimante do frio da espada de sir John.

O cavaleiro se sentiu cansado, mas contrariamente recuperado. A safira já não brilhava, e ele parou de suar, embora sua respiração ainda estivesse levemente alterada e visível.

Contra tudo o que lhe foi ensinado, John Northenhall guardou sua espada. No meio do campo de batalha. Cercado por inimigos e provavelmente por outros que ele não via. O cavaleiro chutou uma porta e entrou na casa que ela guardava, encontrou para si uma garrafa de vinho e bebeu, ia pegar seu pedaço de pão quando decidiu que podia pegar algo da despensa dali mesmo. Sir John conseguiu alguns grãos para mastigar, bem como achou um pedaço de carne — o cheiro levou o cavaleiro a abandonar essa última.

— Nada como um pouco de comida para recuperar as forças depois de chamar pelo Inverno.

O cavaleiro saiu da casa e sorriu ao ver os mortos machucados e meio congelados tentando ultrapassar os totalmente congelados e derrubando alguns deles, partindo seus semelhantes em milhões de pedaços.

Sir John continuou sua subida, preparado para se deparar com mais muitos mortos. O que ele viu, porém, foi algo que o surpreendeu. Um grupo de vivos lutava contra os mortos-vivos, eles estavam vestidos com roupas velhas e sujas, brandiam tochas, paus e machados de lenhador, mas faziam frente aos mortos. Aos seus pés estavam alguns corpos que não se mexiam, alguns carbonizados.

Mas estavam cercados e não resistiriam por muito mais tempo — não sem ajuda. Com movimentos rápidos e cirúrgicos ele começou a atacar, os mortos-vivos não perceberam que estavam sendo pegos em duas frentes até ser muito tarde. O último corpo caiu longe de sua cabeça.

— Vocês estão bem?

— A maioria de nós, sim, mas o Philippe foi mordido!

O cavaleiro então viu o garoto no chão, com suas mãos cobertas de sangue sobre a perna. Ele já não tinha voz para gritar, mas as lágrimas escorriam por seu rosto aos borbotões. Não devia ter mais do que 12 anos.

— Tudo bem, se afastem. — Sir John ajoelhou-se ao lado do garoto e olhou o ferimento. Encheu a boca e praguejou gostoso. — Mas que merda! Depois disso eu vou pegar o retardado que deixou uma criança entrar na batalha e vou te encher de porrada! Agh, como eu odeio isso! Ele podia ter sido arranhado, ele podia até ter perdido um membro mas ser mordido é foda! Sabiam que uma pessoa que morre por causa da mordida de um morto-vivo também vira morto-vivo?

O cavaleiro suspirou, buscando uma das garrafas em seu alforje. Ele alcançou uma e puxou, era a pequena garrafa vermelha que teria de servir. John abriu a boca do garoto e despejou o líquido lá dentro. Era meio avermelhado mas também incolor de certa forma cujo gosto era duvidoso. O garoto pensou em cuspir, mas o Cavaleiro do Frio tampou sua boca com uma mão enluvada e o obrigou a engolir ou morrer engasgado. A criança não era imbecil.

A poção teve efeito imediato, fazendo o sangramento parar e a dor se aliviar. O garoto teve sua voz recuperada e já não precisava chorar. Logo a perna estaria inteira outra vez, mas o cavaleiro pouco podia fazer pela integridade mental de Philippe.

— Ele vai se recuperar... fisicamente. Quem são vocês?

— Somos os que foram deixados para trás. A maioria dos vivos está na mansão agora, mas alguns de nós foram deixados para morrer aqui na cidade. Sabe como é, aumentar o contingente — disse um mouro de pele escura, seu rosto manchado de sangue morto. — Então nós nos escondemos e nos juntamos, organizamos esse grupo e decidimos atacar.

— E esse é o grande grupo de vivos?

— A maioria de nós morreu. Nosso grupo é o que conseguimos juntar que podia segurar pelo menos um pedaço de pau e balançá-lo. Pretendíamos fazer nosso caminho até a mansão e tentaríamos tomá-la com os outros que estão lá.

— Você não sabe o tamanho da idiotice que isso seria. Mas ainda assim é uma atitude nobre. Coragem é um atributo que tem faltado nas pessoas hoje em dia.

— E de quanto é o seu contingente, cavaleiro?

— Meu... contingente? — Sir John abriu um sorriso nervoso e esfregou sua nuca.

— Nós somos 23 e você diz que seria idiotice atacar a mansão. Qual é o tamanho do exército que trouxeste?

— Exército...?

— Vieste sozinho, não é, maldito?

Sir John sorriu em resposta.

— Acho que tenho um contingente de... mais ou menos 23?

O mouro sorriu com aqueles dentes brancos e apertou a mão do cavaleiro.

— Bem-vindo ao seu contingente, capitão.

— Muito bem, meus soldados... Deixem-me ver como é a situação.

Era feia. John havia visto por cima que haviam pessoas armados com pedaços de pau, machados e tochas, mas ao observar mais de perto e com calma ele descobriu que havia também pessoas armadas com facas, pessoas desarmadas e ainda umas 5 pessoas armadas com colheres. O Cavaleiro do Frio apertou os lábios em consternação quando viu as colheres.

Sir John coçou seu queixo, pensando em como resolver aquela situação.

— Onde fica o posto da Guarda?

— Na torre oeste... Qual o seu nome, mesmo?

— John. Bem, bem... Onde está a Guarda?

— Os que não estão mortos devem ter debandado, talvez hajam alguns na mansão... — O mouro parou para pensar um pouco. — Talvez hajam alguns segurando o posto, não tenho certeza. Os mortos nos separaram para que pudéssemos ser pegos mais facilmente.

— Pois bem... mouro

— Rodrick.

— Rodrick. Nos leve até a torre oeste. Vamos ver se há alguma Guarda restante e se não houver... Se não houver, vocês serão armados e vestidos como eles. Aliás, até se houver é isso que vai acontecer. Vamos invadir a mansão, mas não com colheres.

E então o mouro o guiou. Alguns mortos apareceram pelo caminho, mas sir John se desfazia deles rapidamente. O grupo estava encabeçado pelo negro, seguido do cavaleiro, atrás deles vinham as pessoas em um pequeno grupo — por fora aqueles que tinham machados, então aqueles que tinham paus e ambas as filas protegendo os desarmados e semidesarmados. Duas vezes eles foram cercados pelos mortos-vivos, mas espada e machados fizeram maravilhas com os corpos.

Não demoraram muito até alcançarem a torre oeste, que, por acaso, estava fechada com algumas barricadas e cercada de mortos-vivos. Sir John olhou para a safira no botão de Geada, ela tinha um brilho muito fraco. Ele não podia chamar o Inverno outra vez, mas talvez pudesse improvisar alguma coisa.

— Afastem-se um pouco.

Ninguém questionou, apenas deram alguns passos pra trás. O cavaleiro chacoalhou de leve a mão que segurava a espada e avançou.

Haviam muitos mortos, mas Geada estava afiada. Com um movimento ele decepou uma cabeça, e depois inverteu para decepar outra. Arrancou meia cabeça com um corte em diagonal e abriu outra com um golpe de seu escudo.

Keten! — ele urrou quando os mortos começaram a se virar.

Perfurou um morto no peito, e a leve camada de gelo cresceu. Usou o escudo para defender de uma mordida e cortou o agressor por entre as costelas, tirou a espada e cortou mais um pela cintura nesse mesmo movimento. Os mortos caíam mortos, não resistindo aos cortes ou à magia contida neles. Muito pouco depois da chacina ter começado os machados começaram a trabalhar e depois os pedaços de pau.

Logo o chão estava coberto de corpos com cabeças decepadas, crânios afundados, braços faltando, olhos espalhados por aí. Havia sangue também, mas era um sangue negro e fedido. Sangue morto. E havia algo mais.

Sir John viu os quatro cavaleiros — usando uma armadura simples de aço e acolchoada, com o peitoral recoberto por um tipo de camisa com o símbolo de um grande carvalho de folhas negras — e sorriu.

— A Guarda da Cidade! Como vão, cavaleiros?

— Vivos, diferente da maior parte da cidade. Oh, Deus, achei que fôssemos morrer naquela torre! Maldito feiticeiro, ele nos prendeu aqui e eu nunca pensei que receberíamos alguma ajuda!

— Vocês pelo menos pensaram em usar os arcos?

— Pensamos e até tentamos, mas como os arqueiros treinados foram os primeiros a morrer, foi bem... inútil. Então nós usamos nossas espadas, mas os mortos eram muitos e acabamos perdendo alguns dos nossos. Foi então que decidimos apenas segurar a torre e esperar que o Duque mandasse reforços... Vocês são os reforços?

— Eu sou. Eles... mais ou menos. Tá, eles são sobreviventes e eu os trouxe aqui pra pegar o equipamento de vocês. Vamos invadir a mansão.

— Os mortos vivem e os vivos morrem, mas você quer levar esse seu grupinho pro centro disso tudo?

— Vocês estão sob minha proteção.

— E quem é você?

— Sir John Northenhall — disse um homem dentro da torre —, o Filho do Inverno, Cavaleiro do Frio, Senhor de Ninguém e dono de Terra Alguma, Não Nobre e Não Morto, além de outros mil títulos que você pode ouvir nas histórias que contam a seu respeito. Imaginei que o Duque mandaria um exército, mas pelo visto não haviam loucos o suficiente.

— Havia eu, não são precisos mais loucos. Sabe muito sobre mim, mas você quem é?

— Sir Hershel Morris, oficial da Guarda da Cidade... Ex-oficial.

O Cavaleiro do Frio deu alguns passos e entrou na torre, entendendo as palavras assim que viu a perna cortada de sir Hershel. Ele estava sentado com um olhar triste, mas com uma ponta de esperança.

— Muito bem, arme seus sobreviventes, deixe os mais incapacitados aqui e leve alguns da Guarda. Mostre a esse maldito que os mortos devem continuar mortos.

Necromantes são umas criaturinhas interessantes, não é, John? Pessoas cujas almas foram entregues à morte, mas não largaram da vida. Essa indecisão é o que permite que o Diabo aja e as corrompa. Mas nem todos são assim, certo? Eu ainda me lembro do nosso velho amigo Adrian. Um bom necromante. Pena que você não sabia disso. Sir John travou a mandíbula quando ela falou, mas não respondeu. Nem mesmo em sua mente.

— Muito bem, aqueles de vocês que aguentarem o peso de uma espada, se armem. Deixem as crianças e os mais inábeis. Os mais fracos peguem armas mais leves ou de maior alcance. Vocês têm feridos aqui? Eu posso cuidar de alguns deles.

O primeiro guarda fez que sim com a cabeça e levou o Filho do Inverno até um quarto onde haviam feridos. Havia 6 guardas lá, dois deles estavam pálidos como se não tivessem sangue — o que não era verdade, eles estavam era cheios de sangue morto —, todos tinham ferimentos, mas apenas um havia sido mordido. Ele resistia com todas as suas forças, e sir John admirou a vontade de viver do homem.

Com poções, um livro antigo e duas rezas, o cavaleiro fez o que podia. Quatro deles se recuperaram, os outros dois se recuperariam em algumas semanas, talvez meses.

O Cavaleiro do Frio voltou ao seu contingente. John até se assustou ao perceber que tinha apenas 16 homens, contando os da Guarda, sob seu comando agora.

Se lembra de Bluestone Bridge? Porque isso vai ser pior.

O cavaleiro ignorou as palavras. Ele se certificou de que as armaduras estavam colocadas direito, de que as armas eram boas e, em um momento de fé, rezou pela proteção de seus 16 guerreiros.

Sem grandes discursos ou palavras de incentivo eles saíram da torre.

— Boa sorte — Sir John escutou Hershel murmurar. —...Vão precisar.


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Notas finais do capítulo

Acharam todos os Easter Eggs? Gostaram, têm dicas? Podem comentar, eu amo comentários e leitores que comentam



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