Menino anjo escrita por Celso Innocente


Capítulo 16
O mau feito na Terra se paga na terra




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Dois dias depois, assim que deixou a escola, Regis seguiu direto até a delegacia, entrando sem pedir permissão na sala do delegado, que só teria ficado um dia afastado, para acompanhar o velório e sepultamento de seu pequeno e único filho. Quando viu Regis á sua frente, levantou rapidamente da cadeira, puxou de sua arma, apontou para a cabeça do menino e gritou:

— O que você quer aqui, moleque? Não vê que já me causou tantos transtornos na vida?

— Dizem que as pessoas colhem os frutos de sua própria sementeira.

— Pois é! A bala que vou enfiar na sua cabeça, é o fruto do que você plantou vindo interferir em minha vida!

— Vou mostrar o que eu posso lhe fazer!

Regis franziu o lábio esquerdo; o delegado, embora fizesse força contrária, tremendo, levantou a mão lentamente, levando o cano de sua própria escopeta sob sua garganta e apertou o gatilho.

Apenas um Crick foi ouvido e Regis, em leve sorriso, concluiu:

— Mas não farei isso! Esta arma jamais disparará um tiro! Você precisa pagar na Terra o crime feito na Terra!

— Não acha que já me tirou muito?

— Não acha que era eu quem deveria estar sob um túmulo frio? Por acaso não sabe que Michael pulou na frente de meu corpo, para defender-me contra seu ato covarde? Como pode mandar seus demônios dispararem armas de fogo, em frente a uma escola infantil, na saída das aulas?

— Não era emboscada nenhuma! — Negou o delegado.

— Não seria mais prudente, criar tal situação, quando eu chegava a minha casa? Pelo menos o risco de ferir inocentes seria menor.

Várias pessoas à paisana entraram juntas no gabinete do delegado. Um deles, que usava terno preto, anunciou:

— Somos da corregedoria da Polícia de Campinas.

Apresentou outro homem, alto, magro, de bigodes e pequenas costeletas bem pretas, iguais aos cabelos lisos e curtos.

— Este é o doutor Marcelo, que ocupará interina-mente sua função de delegado. O senhor seguirá conosco para prestar alguns esclarecimentos.

Devagar, Regis se afastou do local. O delegado e dez outros policiais, suspeitos de envolvimentos em desvio de provas, tráfico de drogas e assassinatos, foram detidos, sendo encaminhados ao presídio da polícia militar de Campinas, onde permaneceriam a disposição da própria polícia.

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O dia já estava por findar, quando o menino, após dormir boa parte da tarde, levantar-se, lavar toda a louça do almoço para a mamãe que estava prestes a voltar do trabalho, tomou demorado banho, brincando sozinho debaixo da água morna, enxugou-se caprichosamente, vestiu-se com belas roupas, meias e um par de tênis de passeio, inclusive, tomando emprestado na cômoda do quarto o bonito relógio dourado de sua mãe, colocando-o no pulso esquerdo e saindo para o que deveria ser um demorado passeio.

Caminhou por quase meia hora às margens da rodovia que corta a periferia da cidade, saindo de seu bairro, subindo ao lado da estação rodoviária e entrando a esquerda em rua deserta, quase sem construções, ao lado da estação de tratamento de água.

Mais cinco minutos de caminhada, deparou-se ao longe com três garotos mal vestidos e descalços.

Os meninos, todos brancos de cabelos curtos escuros, tinham entre quatorze e dezessete anos de idade e um jeito assustador.

Regis, no entanto, procurou evitá-los seguindo seu caminho sem sequer olhar para eles. Porém, os três juntos cercaram o menino e o mais velho, tomando seu pulso ironizou:

— Que belo relógio! Ficará muito bem em meu braço!

— É de minha mãe! — anunciou o pequeno.

— Acho que pra mamãe sua saúde é mais valiosa do que tal objeto obsoleto.

— Tem muito valor afetivo pra ela. Era de meu avô.

O rapazinho atrevido destravou a presilha do relógio, forçando o pulso de Regis, tirando-o e colocando em seu próprio pulso.

— Ficou certinho em mim! Mamãe não se importará.

Sabendo que teria mesmo perdido tal preciosidade, Regis resolveu que deveria continuar caminhando sem causar outros transtornos para si mesmo.

— Ei! Calma aí! — Puxou-o o rapazinho mais velho. — Seu tênis é chique, cara! Enquanto você deslumbra de riquinho, meu maninho anda descalço e este tênis Nike parece ser o número dele! Dá pra fazer uma doação ao meu maninho?

— Não posso! — negou sério, Regis. — Só tenho esse!

— Que isso menininho riquinho! Mamãe compra outro e sua saúde ficará agradecida!

O mesmo rapaz segurou Regis, fazendo-o sentar-se no chão de asfalto e o talvez seu irmão de quatorze anos, arrancou com violência o par de tênis, depois perguntou ao rapazinho maior:

— E as meias? São de marcas!

— Pode pegar — autorizou o rapazinho. — Seria cafona andar por aí descalço com meias nos pés.

Sem tênis e sem meias, deixado no chão quente de asfalto, Regis levantou-se, limpou o pouco de sujeira da parte traseira de sua bermuda e tentou se afastar.

O rapazinho, segurando na gola de sua camiseta polo, admirou-se:

— Cara! Essa camiseta da Lacoste com esse jacaré bordado à mão vale uma bela grana! Meu maninho ficará um gatinho com uma dessas!

— Não vou andar por aí pelado! — Negou Regis.

— É menininha?! Tá com vergonha de exibir os seios?

— Fique sabendo que sou mais homem do que você! — protestou o pequeno Regis, visivelmente nervoso.

— Machinho então! Não é? — ironizou o rapazinho.

Delicadamente, desabotoou os dois únicos botões da camiseta de Regis, depois o segurou fortemente pelas costas e sem piedade arrancou-lhe tal vestimenta, deixando à mostra um belo crucifixo dourado pendurado em seu peito.

— Veja só o que o riquinho usa! — Riu o agressor, segurando a correntinha. — Como você tem coragem de andar por aí exibindo estas preciosidades?

— É minha e eu uso quando quero! Ganhei de minha madrinha! Vale mais pra mim do que pra você!

— É uma grande pena — alegou o agressor abrindo com cuidado o fecho da correntinha, tirando-a e colocando em seu próprio pescoço. — Quem dá uma pode dar duas. Diga isso à querida madrinha.

— Deixe-o ir agora — Pediu o outro rapazinho que deveria ter seus quinze anos de idade.

— Claro maninho! — concordou o rapaz maior. — Depois que ele presentear você com essa linda bermuda.

— Não vai deixá-lo pelado! Vai? — advertiu o outro menino.

— Claro que não! — concordou o maior, forçando a bermuda de Regis, abaixando-a. — Pra isso ele usa cueca!

Segurando sua pequena vítima pelas costas, levantou-o e pediu ao rapazinho do meio:

— Pegue logo o que você ganhou!

Depois que a bermuda foi arrancada com certa violência, o rapaz mais velho soltou Regis, dizendo:

— Agora pode ir. Quando vestir seus trajes de rico, lembre-se que outros possam também reivindicar os mesmos direitos.

Sem protestar Regis retomava sua caminhada e por estar seminu decidiu que deveria retornar à sua casa.

Já teria dado uns dez passos, quando o rapazinho mais velho correu até ele, seguido pelos demais e o cercando novamente, gracejou:

— Puxa meu! Sua cueca é Calvin Klein!

Virou-se para o menino menor perguntando-lhe:

— Maninho, quando você usou uma cueca dessas?

Tal menino balançou os ombros em negação.

— Acho que você nem usa cueca — Riu o mais velho. — Ou quando usa é feita de saco de farinha!

— Não quero a cueca dele! — Negou tal menino. — É roupa de uso pessoal.

— Claro! De uso pessoal pra você! Se não quiser eu usarei.

— É roupa íntima!

— Roupa íntima que pode ser lavada e perfumada.

— Não vai deixar o menininho pelado!

O rapaz mais velho avistando do lado direito da rua deserta alguns pés de mamonas, foi até um deles, arrancou duas de suas largas folhas e voltando a Regis, lhe disse:

— É amiguinho! Eis suas belas vestes estilo indígena.

O rapaz já avançava para acabar de despir sua presa fácil, quando esta insistiu:

— O que fez com todas as roupas do outro menininho que roubaste ontem, deixando-o sem piedade completamente nu? Ele nem era riquinho!

— O que você tá dizendo?! — Estranhou tal larápio. — Como sabe disso?

— Quem tanto quer nada tem! — protestou Regis franzindo os lábios. — Você poderia ter ficado com meu relógio, minha camiseta, meu tênis e minha correntinha de ouro, mas... só terá a cadeia.

Três viaturas da polícia civil, vindo de direções diferentes, adentraram àquela rua deserta e o rapazinho de seus quinze anos gritou:

— Problemas!

Jogaram alguns dos pertences de Regis no chão e juntos saíram correndo, mas por azar, acabaram tropeçando um ao outro, tornando-se presa fácil aos investigadores que segurando-os, um deles protestou:

— Caras! Vocês de novo!? Safaram-se ontem da detenção por não termos provas de um flagrante e voltam a prejudicar crianças pequenas do mesmo jeito? Sinto muito, mas dessa vez temos um flagrante e ficarão com certeza em centro de menores por um belo tempinho.

— Tire os pertences do menino! — Gritou outro dos investigadores ao rapazinho maior, que o obedeceu.

O próprio investigador devolveu a Regis sua correntinha de ouro e o relógio de sua mãe.

Enquanto este se vestia devagar, inclusive amarrando corretamente os cadarços dos tênis, tais menores infratores eram algemados e colocados em uma das viaturas.

Quando um dos investigadores se voltara a ter-se com o “menino anjo” para lhes dar apoio e oferecer-se para devolver-lhe à sua família, este não foi mais encontrado no local.


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Notas finais do capítulo

Puxa como seria legal conhecer pelo menos o nome dos leitores!
Um comentário ajudaria isso acontecer.



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