Três dias depois estávamos na sala de jantar da mansão do presidente Snow, Coin, sentada em uma ponta, eu, Peeta, a equipe de preparação e Effie, a minha frente. Estava com sua peruca ouro-metálico e usava o que eu não conseguia decidir se era um casaco ou um vestido, mas era de um tecido grosso e quente, e tinha mangas compridas.

– E como está Katniss, Peeta?- pergunta Effie tomando um gole de café, podia ver que suas mãos tremiam levemente.

Depois de uma discussão com Coin, eu e Plutarch conseguimos convencê-la a deixar Effie viva, mas ela não parecia aceitar Effie no mesmo lugar que ela, apenas suportá-la. Coin havia proibido a todos de saírem da mansão de Snow até a cerimônia para que Katniss o matasse, que estava sendo planejada com muito cuidado, e seria nesta noite.

– Bom, acho que eu posso ajudar na organização do evento, não é?- diz Effie, deixando a mesa sem ter comido praticamente nada. Falava baixo, olhava para o chão ao andar, quase não sorria mais. A Capital conseguira roubar até mesmo a alegria e o brilho próprio de Effie Trinket.

Coin suspirou aliviada, e também se retirou. Eu a segui.

– Oh, Haymitch, o que quer agora?- perguntou Coin quando fechei a porta atrás de mim – Sabe, estou pensando seriamente que foi um erro gravíssimo deixar aquela mulher viva. Pretendo mudar o estilo de vida da Capital e ela não é o tipo de pessoa que eu quero.

Ela se virou para mim, segurou meu rosto e me beijou.

– Você não vai tocar um dedo em Effie Trinket, ouviu?- pergunto, segurando-a pelos ombros e a afastando de mim.

– Ow, que lindo, defendendo a amada. Isso só me faz querer ainda mais vê-la numa cova.

– Você é doente.

– Eu governarei Panem de agora em diante – disse Coin, o rosto endureceu – O que eu disser será lei absoluta. Não quero uma nação de covardes fracos e inúteis, quero uma nação de soldados. E aquela mulherzinha não se encaixa na minha visão.

– Você é uma louca! Está fazendo isso por que eu parti seu pobre coração obscuro?

– Diga o que quiser, Haymitch Albernathy. Você vai aprender que o amor pode conquistar nações, mas são os corações partidos que dominam o mundo!- diz Coin, um sorriso maldoso nos lábios.

– Chega!- segurei os punhos dela e nós dois caímos no chão – Não diga mais nada!

– Se eu não puder ter você, ninguém mais terá!- ela grita de volta – Matarei qualquer uma que entre no meu caminho, não interessa quem seja. Você será meu, e apenas meu.

– Eu jamais amaria alguém como você – digo, ainda a segurando no chão, e sinto o peito dela movendo-se abaixo de mim devido a respiração – Eu tenho nojo de você!

– Não me lembro de você ter sentido nojo quando estava comigo naqueles lençóis – ela olhou para a cama e sorriu, e só agora eu percebia como aquela mulher era doente, ela se virou para mim, havia diversão em seu olhar, mas suas palavras eram duras e frias – Pode apostar, assim que Snow morrer essa noite e eu me tornar a presidente de Panem, minha primeira ordem será a execução pública de Effie Trinket. Não se preocupe com o motivo.

Eu estava suando, e sentia meu rosto vermelho de raiva daquela mulher, eu apertei ainda mais seus punhos, mas ela apenas ria.

*

Estava caminhando calmamente, tentando lembrar da última vez que estivera naqueles corredores, há muitos anos, e não havia mudado muita coisa.

Ouço uma porta se abrir e vejo Coin saindo de um quarto, abotoando os botões de seu macacão cinza, os cabelos bagunçados, algumas gotas de suor escorrem pela lateral de seu rosto e suas bochechas estão um pouco vermelhas. Ela olha para mim e sorri por algum motivo que não entendo, e é um sorriso maldoso.

Logo depois aparece Haymitch, com as roupas amassadas, está suado e com o rosto um pouco vermelho, ele passa as mãos no cabelo e então seus olhos encontram os meus.

– Entendo agora por que você não foi me salvar – digo, segurando minha prancheta com força e passando rapidamente, mas ele me segura.

– Effie, não é o que você está pensando.

– Ah, não? Então você quer, por favor, me explicar? Porque eu acabei de ver você e Coin, suados, com roupas amassadas, saindo do mesmo quarto.

Ele olhou para o lado e suspirou.

– Sabe, eu esperei por você, de pé, durante uma semana inteira, porque acreditei que você iria me resgatar. Eu esperei por você, mesmo sabendo que você nunca iria aparecer porque, se eu não tivesse esperança, eu não teria nada. E me agarrei a única esperança que eu tinha, a esperança de que havia confiado na pessoa certa.

– Effie, eu tentei, tentei mesmo, mas...

– Enquanto eu estava lá, naquela cela imunda, tive tempo de pensar em algumas coisas, tipo, quando assumimos que estávamos juntos, um dia antes do Massacre Quartenário, todos falavam sobre como eu ajudei você todos esses anos. Falavam das coisas que eu fiz para você. Nunca falavam algo bom que você tivesse feito para mim, Haymitch. Porque não tem nada.

– Boneca, confie em mim. Eu tentei mandar uma equipe de resgate e...- começa Haymitch, mas eu o interrompo.

– Não, Haymitch. Eu não confio mais em você.

Ele pisca várias vezes, ainda olhando para mim.

– Eu confiei em você da última vez, e olhe para mim agora. Toda vez que eu confio em você eu me machuco. Já fazem mais de doze anos, Haymitch, doze anos de novas feridas se abrindo, sem que as outras cicatrizem. Eu não aguento mais isso – digo, as lágrimas queimando em meus olhos – Você me teve fácil demais todos esses anos, e nunca deu valor a isso.

– E por que você me perdoou todos esses anos? Por que apenas não foi embora e acabava com tudo de uma vez, Effie Trinket?- Haymitch estava quase gritando – Você sabia que eu iria cometer os mesmos erros de novo e de novo.

– Porque talvez amar seja isso: perdoar uma pessoa mesmo sabendo que ela ainda vai errar um milhão de vezes.

Nos olhamos por algum tempo, as lágrimas correndo em meus olhos, e então Haymitch segura meu rosto e me beija. Deixei que ele me beijasse, pois não havia mais palavras a serem ditas, apenas a mágoa e a raiva de dois corações partidos que ansiavam em consolar um ao outro. Deixei que ele me beijasse porque era uma despedida. E aquele era o beijo de despedida que só se dá uma vez na vida.