– Haymitch, você já bebeu o suficiente, chega – digo, tirando o copo de bebida de sua mão e o colocando na mesa.

– Qual é, Effie, deixe ele se divertir um pouco – diz Chaff, mas ele se cala ao ver o olhar mortal que lanço sobre ele.

– Ele precisa trabalhar amanhã, não ficar vagando pelo apartamento vomitando nos tapetes. Eu diria a você para se divertir um pouco, Chaff, não é Haymitch que está nos últimos dias de vida – me arrependo imediatamente por ter dito isso e me viro novamente para Chaff – Me desculpe, meu Deus, que falta de modos a minha, me desculpe, mesmo, não foi minha intenção, quer dizer...

– Tudo bem, Effie, eu sei que você não torceria por mim nem que só restasse eu e mais algum tributo vivos. Provavelmente você já estaria no hospital depois de ver um de seus Vencedores morto. Não a culpo.

– O que quer dizer?

– Eu sei do problema da sua família, sabe, conheci sua mãe antes de ela... – ele fez um gesto para indicar todo o resto da história e eu concordo, sabendo a que problema ele se refere.

– Bom, me desculpe, de qualquer maneira, e se puder me ajudar a carregar este bêbado para o prédio dos tributos, eu agradeceria muito.

Ele ri e coloca o copo sobre a mesa, deixando uma quantia que pagaria mais de cinco doses do que ele havia tomado. Chaff percebe meu olhar e sorri: - Eu não conseguirei gastar todo o meu dinheiro mesmo.

Meio carregamos, meio arrastamos Haymitch até o prédio dos tributos e o peso de toda a forma que ele manteve durante os vinte e cinco anos está machucando meus ombros.

– A direita, direita, aqui – digo, abrindo a porta do quarto, eu e Chaff o jogamos na cama e eu o acompanho até a porta, imagino que Katniss e Peeta já estejam dormindo e voltarei para casa logo – Boa noite, Chaff.

– Boa noite, Effie – diz ele, então, antes de sair ele se vira para mim novamente – Ah, e me desculpe por aquele beijo, sabe, eu estava bêbado e Haymitch apostou comigo, ele ficou muito bravo.

Chaff solta uma daquelas gargalhadas que só bêbados conseguem dar, o que me faz duvidar da veracidade de suas palavras.

Eu me lembro da noite em que aquilo aconteceu.

“- Os tributos! Onde estão os tributos?- pergunto indo de um lado para o outro próxima a carruagem, checando minha plaqueta com os horários, faltava dezessete minutos para entrarmos e nem sinal de Katniss ou Peeta.

– Algum problema, srta. Trinket?- pergunta um guarda se aproximando.

– Sim, nem os tributos, nem o mentor deles apareceram ainda! Você por acaso os viu?

– Haymitch está a alguns metros a frente, conversando com um dos mentores. E, sobre Katniss e Peeta, não os vi.

– Ah, muitíssimo obrigada – digo sorrindo e andando apressadamente na direção em que o guarda me apontou.

Avisto Haymitch alguns passos a frente conversando com Chaff. Ele olha para mim e acena para que eu me aproxime, falando algo ao outro homem que eu não consigo ouvir e apontando para mim.

– Effie, venha cá, quero que conheça o Chaff – diz Haymitch e então da um cutucão no homem.

– Prazer, Chaff – digo – Haymitch, você por acaso viu Katniss ou...

Sou interrompida quando Chaff me dá um beijo. Nos lábios. E logo ele se separa, rindo e virando um copo de uísque na boca.

– Ora, mas que falta de modos!- digo.

– Ela é das boas, Haymitch, não desperdiçaria se fosse você.

Haymitch dá de ombros e bebe um gole de uísque, de longe, avisto Katniss e Peeta.

– Oh, encontrei. Muito obrigada pela ajuda – digo sarcasticamente – Chaff, Haymitch. ”

Fecho a porta e vou para o corredor. Dou uma olhadinha no quarto de Peeta, para ver se está tudo bem e, para minha surpresa, ele não está lá, sua cama está vazia. Quando abro a porta do quarto de Katniss encontro os dois deitados juntos, Peeta ainda está acordado e acariciando os cabelos de Katniss, ele levanta o dedo indicador em frente aos lábios, eu concordo e fecho a porta cuidadosamente.

Por fim, Haymitch. Ele está quase caindo da cama então eu empurro aquele “corpo atlético” dele mais para o meio do colchão, puxo a coberta sobre seus ombros e ajeito seu travesseiro, tiro o cabelo de seus olhos e deixo uma bacia do lado da cama, caso ele se vire durante a noite. Estou me virando para ir embora quando ele faz um barulho estranho.

– Haymitch?

– Effie – entendo que o barulho estranho de antes era uma tentativa de pronunciar meu nome.

– Estou aqui, Haymitch.

Ele fica agitado e começa a suar, murmurando algo sobre a Capital e procurando pela sua faca, imagino. Coloco uma de minhas mãos sobre a sua e a outra sobre sua testa.

– Haymitch, está tudo bem. Você está a salvo. Você venceu.

Ele abre os olhos e me olha assustado.

– Maysilee – diz ele.

– Ela não está aqui, Haymitch.

– Onde ela está?

Pelo visto ele ainda não está raciocinando direito.

– Vá dormir, Haymitch. Boa noite.

– Não vá!- diz ele segurando minha mão – Por favor.

Me xingo mentalmente pela facilidade como aceitei aquele pedido, ergo as cobertas e me deito ali, na beirada da cama, pronta para ir embora assim que Haymitch dormir.

– Sabe, você é uma ótima pessoa – murmura Haymitch e apenas viro minha cabeça um pouco mais na direção dele, mas ainda olhando para a parede – É uma pena que eu tenha uma namorada no Doze, mas ela deve saber que eu nunca vou voltar para casa...

– Você tem uma namorada?- pergunto. É óbvio que ele está bêbado.

– Sim, o nome dela é Samanta. É uma garota bonita.

Percebo que Haymitch fala dessa tal Samanta no presente. Na cabeça dele ele ainda deve estar nos Jogos. E então ele começa a tremer e sinto a tensão em seu corpo.

– Haymitch. Haymitch – falo baixinho, num tom tranquilizador – Está tudo bem.

– Bestantes.

– Não, não há bestantes aqui. Você está seguro.

– Vivo. Eu tenho que permanecer vivo – diz ele.

– Sim, você venceu. Você permaneceu vivo, Haymitch. Não precisa mais se preocupar.

Ele começa a se debater na cama e eu me viro para ele, segurando seu rosto, mas ele não acorda.

– Ei, não se preocupe, você sobreviveu. Está bem agora, não tenha sonhos ruins – digo, ainda segurando seu rosto entre minhas mãos enquanto observo a expressão dele se suavizar – Está tudo bem.

Ele abre os olhos e um leve tremor atravessa meu corpo, pois ainda estou segurando o rosto dele, e estamos muito próximos.

– Você jura?- ele pergunta, os olhos grandes e esperançosos, como um garotinho.

– Confie em mim, Haymitch Albernathy.

– Faça por merecer, Effie Trinket – ele sorri e eu me viro novamente, meus batimentos cardíacos acelerados.

Eu deveria ter ido embora quando Haymitch dormiu, mas não sei porque resolvi ficar ali, apenas olhando para a parede, esperando o sono chegar. Haymitch agora está dormindo tranquilamente, mas pode começar a berrar e se debater a qualquer momento. Ele se mexe novamente, e de repente seu braço está ao meu redor, protetoramente, e eu entrelaço meus dedos aos dele. Não sei por quanto tempo ficamos assim até que eu caísse no sono.

*

Eu não acreditava no que estava acontecendo. No momento em que abri os olhos e vi o rosto dela tão próximo do meu, eu deveria estar sonhando, era isso. Mas o toque dela, suas mãos segurando meu rosto, Effie Trinket estava em meus braços. Bem se ela não tivesse gostado teria ido embora. E era tudo que eu precisava saber. Estava completamente enfeitiçado por ela e eu queria aproveitar cada segundo que a tinha em meus braços sabendo que poderia ser a primeira vez e a última vez que isso poderia acontecer.