– Pare o carro. – A única coisa que consegui dizer foi isso.

Faltava apenas um quarteirão para chegar em casa, Kane parecia estar melhor, porém, eu não sabia se ele tinha ouvido a conversa toda entre eu e Jess. O carro continuou andando, Jess ignorou meu pedido, depois de andar por mais alguns metros ele parou o carro em frente da minha casa.

– Você pediu pra que eu contasse. – Jess disse, descansando os braços no volante sem olhar pra mim.

– Vamos Kane. – Falei abrindo aporta do carro. Kane desceu se apoiando em mim. Jess desceu do carro acompanhando eu e Kane até a varanda. Lucia abriu a porta e arregalou seus lindos olhos azuis que mostrava preocupação.

– Mas o que houve? – Ela puxou Kane. – Você só apronta, não é? – Lucia não era tão amável, muito menos com Kane. – Sua madre tem que fazer alguma coisa... e se ela te vê desse jeito... – E saiu puxando ele pelo braço.

A escuridão tomou conta da varando quando eu fechei a porta depois que Lucia levou Kane para dentro, éramos só eu e Jess do lado de fora. Ele estava encostado no pilar de madeira e eu estava de costas para a porta da entrada.

– Quem era aquele cara? – Tentei mostrar firmeza na minha voz. Eu queria demonstrar dureza, como se eu não estivesse com medo, mas por dentro a coisa estava feia, meus órgãos estavam dançando lambada.

– Eliel. – Disse. – Fiquei feliz em fazer aquilo com ele, já tínhamos alguns desentendimentos. – Ele enfiou as mãos no bolso.

– Por que ele está me caçando? – Minha voz deu uma leve tremida, mas consegui deixa-la firme antes de Jess perceber.

– Não é só ele, Mag. – Seu olhar era sério. – Temos uma regra, não podemos sentir pena, não podemos gostar, eu já disse a você que não temos sentimentos bons. – Suas mãos se mexeram no bolso. – A muito tempo atrás, os portões do inferno se abriram e alguns demônios conseguiram escapar, entre eles, eu. – Uma mão dele saiu do bolso e prendeu-se com um dedo no passador da calça.

– Não é só ele? – Eu estava desesperada, mas tentei me acalmar, não queria que Lucia ou Kane ouvisse algo. – Isso tudo é culpa sua? – Graças ao Jess, eu estava correndo perigo. – Por que eles estão me caçando? Porque eles me querem? – Falei fazendo gestos com as mãos.

– Sim, Mag. – Sua feição mudou, suas sobrancelhas juntaram e seus lábios se separaram. – A culpa é minha, eu não deveria ter me envolvido com você. Eu sabia que isso iria acontecer. – Ele se aproximou. – Eu até pensei em tentar evitar, mas você não deixou, você acaba comigo sempre que está perto. – Ele soltou um suspiro. – Eu nunca vou deixar alguém machucar você, isso é uma promessa. – A cada palavra que ele dizia, a nossa distância diminuía.

– Não. – Falei empurrando ele, infelizmente não deu muito certo, ele segurou minhas mãos e me prendeu contra a parede.

– Eles querem matar você. – Sua voz ficou mais grave. – Os humanos são nossos brinquedos. – Ele me apertou mais. – Você deveria ser meu brinquedo, e depois ser descartada como todos os outros, mas não é isso que eu quero. – Ele laçou minhas mãos nas dele. – Por esse motivo eles querem matar você, e em seguida me jogarão no inferno ou talvez tirarão minha vida também, apesar de eu não ter uma vida por completa. – Eu engoli seco, minha respiração aumentou a velocidade. – Por favor, estou pedindo que confie em mim agora. – Seu rosto estava a poucos milímetros do meu. – Eu quero você pra mim, vou protege-la. – Sua voz estava baixa e rouca.

– Não posso. – Sussurrei, meus olhos arderam, eu queria chorar de medo, tristeza, ódio etc.

– Pode sim. – Seus olhos pararam em minha boca. – Eu sei o que você sente por mim. – Ele abaixou as nossas mãos e seus lábios tocaram os meus, uma lágrima caiu do meu olho, eu lutei pra segurá-la, mas não consegui. Jess sentiu o líquido tocar seu rosto, em seguida ergueu sua mão e passou seu dedão secando ela. – Me perdoe. – Ele murmurou, e me beijou. Senti um arrepio de desejo, por mais que Jess fosse algo mal, um ser sobrenatural, eu queria estar com ele. Ele falava a verdade ou ele era muito bom em mentir, optei pela primeira opção, ele estava sendo sincero.

– Você é bonitinho demais pra ser um demônio. – Eu sorri, e senti os lábios dele se curvarem, mas falar a palavra “demônio” me deixava tensa e desconfortável.

– Foram possessões. – Ele começou. – Quando saímos, possuímos os corpos, tomamos conta deles e por algum motivo que ainda não sabemos, não fomos expulsos de nossos corpos. – Ele se afastou um pouco.

– Então... você não é... você? – Eu falei olhando ele de cima pra baixo.

– Na verdade sou eu sim. – Ele enfiou novamente as mãos no bolso do jeans escuro. – Já ouviu falar em reencarnação? – Ele ergueu uma sobrancelha. – Exato. – Ele disse sem ouvir minha resposta. – Esse corpo foi meu a muito tempo atrás, e com o passar disso, as reencarnações foram acontecendo. Quando consegui sair do inferno, me encontrei e tomei posse. – Ele fez pose. – Não deixaria esse corpinho lindo andar por aí como qualquer um. – Fiquei aliviada por saber que ele era ele mesmo. Que aquele corpo que ele habitava não era de outra pessoa e sim dele.

– E se você estiver longe? – Perguntei voltando no assunto dos demônios estarem me caçando. – Eles podem fazer algo comigo.

– Não, não é assim. – Ele se encostou no pilar. – Sempre está segura em sua casa, eles não podem simplesmente entrar e acabar com você. Eles precisam da sua confiança, eles se tornam amigáveis, mas depois as coisas mudam e você descobre que tudo é farsa. – Seus olhos estudaram minha casa. – Eliel apenas te atacou porque descobriu que era você, eles sabem que existe uma garota, mas não sabem exatamente quem é, não sabem que você é ela. – Ele se desencostou do pilar e desceu os degraus da varanda.

– Você está sendo amigável comigo. – A ideia era confiar nele, mas ainda estava com um pé atrás. Ele parou e se virou.

– Já conversamos sobre isso. – O canto da sua boca se curvou. – Eu não te daria informações como essas se quisesse você morta, meu amor. – Ele andou até mim e me beijou. – Tenho que resolver umas coisas.

Jess deu partida no carro e sumiu. Eu precisava de um banho urgentemente, com todos esses acontecimentos eu merecia descansar. Lucia tinha cuidado do Kane, que dormiu logo depois de tomar um chá que ela tinha feito. Tudo pareceu um filme de ação, eu me sentia protegida, mas estava preocupada, se eles descobrissem que eu era a garota que procuravam, tudo estaria acabado. E pensamentos ruins começaram a passar pela minha cabeça, por minha culpa, eles poderiam machucar minha mãe e meu irmão, até mesmo Lucia poderia entrar na lista. Precisava ter uma conversa séria com Jess.