ESD - O Controle escrita por SEPTACORE


Capítulo 1
Luzes, chamas e uma figura alada




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Queria que aquele dia fosse um dia comum. Dizem que querer não é poder, mas e se meu poder for querer? Talvez eu tenha muita sorte - ou muito azar. Não sei como será daqui pra frente.

Bem, pra começar, os primeiros minutos do meu dia foram normais e pacíficos. Como sempre, tomei o café da manhã, me arrumei, escovei os dentes e peguei o ônibus pra escola. Meus pais foram para o trabalho há muito tempo, então tenho que fazer tudo sozinho. Eu podia muito bem faltar hoje na escola que eles nem iriam saber. Aliás, podia fazer de tudo, que eles nem iam desconfiar.

Saio de casa e fico esperando o ônibus da escola no ponto. Rezo para que dessa vez o motorista me veja, pois da última vez tive de ir a pé.

E graças aos céus, o ônibus para.

– Bom dia, Mané! - diz o motorista. É incrível como até ele me trata mal.

Adentro o ônibus e passo pelo corredor da morte. Nele sou atingido por infinitas bolinhas de papel, chicletes mascados e ainda levo vários pescotapas. Mas, não sei explicar como, as bolinhas e os chicletes voltam para as pessoas que os atiram com a mesma força - a não ser, é claro, os que ficam grudados nos meus cabelos.

Sem hesitar, corro para a parte de trás do ônibus e sento-me na última cadeira. Retiro da minha roupa mais chiclete do que a fábrica da Boobaloo inteira.

Às vezes, quando entro no banho, fico refletindo sobre as coisas que acontecem e cheguei à conclusão de que não pertenço a esse mundo. Ou a esse país. Simplesmente, não consigo me encaixar na sociedade, mas não tenho coragem de falar isso aos outros porque eles podem achar que sou autista ou coisa do tipo. Se é que ainda não notaram.

Após rotas por muitas ruas pegando mais alunos insuportáveis, o ônibus finalmente ficou cheio e partiu para a escola. A única diferença que vejo entre escola e ônibus, é que na escola tem mais espaço e lá ficam os Sugadores de Vida, que as pessoas gostam de chamar de professores. O motivo do apelido? Simples: eles passam tanta lição de casa que minha rotina é "Escola - Lição - Dormir". E ainda por cima, quando consigo ir bem em provas, me acusam de trapaça.

– Bem, James, agora me diga como o senhor colou! - diz o professor rabugento em um tom sério, assim que a aula começa.

– Professor, eu já disse que não colei! - defendo-me.

– Mas então como explica sua nota máxima? Mesmo tendo um exercício extra, que está além de seus conhecimentos matemáticos.

– Eu apenas estudei e as respostas surgiam na minha cabeça. Isso se chama raciocínio.

Ele me encara com os olhos semicerrados, não acreditando nem um pouco em mim.

Mas o fato é que isso realmente aconteceu. Enquanto eu fazia a prova, o professor me encarava, rindo. Depois eu olhei pra prova e fiz a questão inconscientemente. Mas ele não acreditaria nessa última parte, então resolvi ocultar.

– Lamento, mas terei de mandá-lo pra diretoria hoje depois da aula - diz o professor.

– Mas...

– Nada de "mas". Deixarei esse mistério nas mãos dele.

– Tudo bem - digo.

Caminho até a minha carteira localizada no fundo da sala, ao lado da janela, e tiro o livro de matemática da mochila. Depois, o abro em cima da mesa e fico viajando nas páginas enquanto a aula continua.

Noto que o tempo hoje está meio estranho. Rajadas de vento surgem do nada, fazendo com que folhas voem no jardim. Ainda bem que tem uma vista grande na janela da minha sala, pois não aguentaria ficar aqui durante horas hoje. Uma aula atrás da outra.

Depois do professor pedir minha atenção umas milhões de vezes, a aula finalmente acaba. O próximo professor entra, anunciando a aula de educação física. O professor Fili é legal, porém admito: é completamente pirado. Mas quem sou eu pra falar de Fili?

– Todos para a quadra agora, turma! - diz o professor.

A classe basicamente inteira corre para a quadra, me deixando pra trás. Mas a verdade é que não estou tem um pouco entusiasmado com a aula. E é por isso que chego ao meio da escolha de times, onde todos se aquecem.

– Fico com Mariana - diz Rogério, o menino mais alto e forte da sala, porém o mais burro e irritante.

– Everton - escolhe Vicente, outro menino burro e irritante, porém este é mais baixo e ágil.

– Gustavo. - O menino mais inteligente e frágil da sala é escolhido por Rogério.

Ele sempre é o penúltimo a ser escolhido depois de...

– James Estranho - ri Vicente.

Junto-me á equipe de Vicente, que se afasta. Alguns até murmuram "Cuidado, alguém pode se machucar". Dá realmente vontade de machucar estas pessoas.

– Hoje iremos jogar vôlei - diz o professor. - Já sabem as regras. Sem machucar os colegas - Ele lança um olhar severo a Rogério.

Não sei por que ele não olhou pra mim ao dizer essa última frase. Geralmente, sou em que machuco os outros, e não Rogério - que banca o valentão, mas recentemente descobri que ele ainda faz xixi na cama.

A bola é lançada e o jogo começa. O time adversário rebate e a bola atinge o nosso campo. Ponto pra eles.

Depois, eles começam a sacar e a pontuar sem parar. Conseguem fazer 15 pontos, até que resolvo entrar de vez no jogo.

– Segura essa, fedelho! - diz Rogério.

Ele saca com todas as suas forças em minha direção. No começo, pensei em recuar, mas então vi que não ia ter tempo e que seria xingado até o final do dia. Juntei as duas mãos e aparei o saque. A bola voou alto - muito mais alto do que eu poderia imaginar - e então eu pulei e lancei a bola de volta para Rogério.

A bola quicou na cabeça dele e foi pra fora.

– Ponto para o time de Vicente! - diz o professor.

O jogo começou a virar. Inconscientemente conseguia aparar todos os saques e, quando foi minha vez de sacar, daí que o outro time perdeu todas as chances.

E o dia começou a melhorar quando o professor anunciou no final da aula o meu time, que venceu por 21 a 16. Estava tão contente com o resultado do jogo que esqueci de que tinha de ir até a sala do diretor. Eu já ia embora quando o mesmo me chamou.

Assim que entrei em sua sala, o senhor Túlio me mandou sentar.

– Então você anda colando?

Logo desmenti.

– Não fiz isso, eu juro. É que...

Ele fez um movimento com as mãos pedindo silêncio.

– Poupe-me dos detalhes, Sr. Manfredini. Eu já sei muito bem o que aconteceu.

– Sabe? - pergunto, feliz em saber que não vou ter que explicar aquilo. - Que bom q..

– Você e suas maluquices. Toda semana é isso - ele se alterou de um segundo para outro, levantando-se de sua cadeira. - Sabe qual é o seu problema? Você está louco e essa escola já não te aguenta mais!

"Quem não aguenta mais sou eu!" - penso. Tive vontade de socar o diretor, mas sabia que seria expulso se fizesse isso. Queria provar pra ele que não sou maluco, mas ao mesmo tempo, estava tentado a agredi-lo. Contudo, resolvi apenas me livrar logo desse falatório.

– Ok, diretor, prometo que meu comportamento vai melhorar! – digo. - Meus pais estão procurando algum psicólogo.

– Ótimo, pois se o senhor não melhorar, será expulso. Pode se retirar.

Saio da sala dele muito aliviado. Quase não acredito que me livrei tão fácil. Será que todos nesta escola são trouxas assim? É o que parece.

Achava que poderia ir embora em paz depois da escola, mas descubro que me iludi ao virar na próxima esquina.

– Olha quem está aí, o estranho lunático!- diz Rogério, cercado por sua turma de delinquentes.

Todos riem em uníssono, como se fossem obrigados.

– Me deixe em paz, Rogério! - digo.

– Você quer paz? Depois de ter me acertado com aquela bola e ter ganhado de mim no vôlei? Tudo o que não terá é paz.

Vejo que não tenho a menor chance contra Rogério em sua gangue. Além de estarem em maior número, eles são bem mais fortes do que eu. Mas será que são mais rápidos? Hora de testar.

– Atrás dele! - ouço Rogério falar, quando saio correndo pela rua.

Viro na primeira esquina a direita e desvio de três carros. Isso os atrasa um pouco, então resolvo entrar em um corredor entre os prédios. Vejo que o atraso dos carros não serviu pra nada quando me encontro em um beco sem saída e escuro. O grupo de Rogério finalmente me alcança, e todos parecem estar furiosos.

É agora que eu me ferro.

– Parece que ninguém pode te ajudar agora, James. Está sozinho! - Rogério tenta me apavorar, porém fracassa.

– Já estive em situações piores, com pessoas bem mais fortes do que vocês.

– Então teremos que pegar pesado. - Logo que ele diz isso, sua turma ri novamente.

Ele avança em minha direção e soca a minha cara. Não sei se reagi por instinto ou por medo - ou pelos dois -, mas assim que sua mão alcançou meu olho, soquei o seu olho de volta com a mesma força.

Rogério recua.

– Batam nele! - diz, esfregando o olho, mas vê que seus amigos não se movem. - Depressa, seus cagões!

Todos avançam ao mesmo tempo pra cima de mim. E então, começo a aceitar que meu dia deixou de ser um dia comum quando várias coisas acontecem ao mesmo tempo.

Rogério e sua gangue param, perplexos, com os rostos iluminados por algo atrás de mim. Parece ser uma luz muito forte. Tão forte, que os assusta, e os mesmos saem correndo na maior velocidade.

Após um tempo, tomo coragem e olho pra trás. Vejo uma esfera de luz branca muito forte, e atrás dela, a sombra de uma figura humana que não consigo distinguir. Mas depois, a luz se vai e tudo o que eu encontro é o professor Fili.

– Como foi que fez isso? - pergunto.

– Depois eu explico. Agora, precisa ir pra casa. Talvez você corra perigo - diz ele.

Acharia que é uma pegadinha se não fosse o tom sério em que ele fala.

– Perigo? Que nada, acho que eles nunca mais irão se atrever a olhar pra mim agora.

– Não falo dos meninos, falo de outra coisa.

– Que coisa? O que o senhor é, a final? Não parece humano, porque humanos não fazem esse tipo de coisa.

Eu tinha tantas perguntas sem respostas e estava ficando agonizado. Se há uma coisa que eu detesto mais que a escola, é ter milhões de perguntas e nenhuma resposta. E era isso o que o Prof. Fili estava fazendo.

– Tudo será explicado á você quando chegar a ESD.

"O que é ESD?" Pergunto-me. Se ele não me respondeu as outras, óbvio que ele não vá responder essa.

Ele aproxima seus lábios de seu relógio e diz:

– Ceres, onde você está?

Não ouço a resposta, mas seja lá quem for Ceres, deixou o Prof. Fili muito preocupado.

– Ok, te encontro na casa do garoto - diz ele.

Depois de desligar, Fili se encaminha para a saída do beco.

– Siga-me - diz ele.

Pra um professor de meia idade, até que ele se esforça bastante. Todos devem subestimá-lo sem saberem que ele consegue produzir luz usando as mãos. Se é que ele usa as mãos mesmo, pode ser uma lanterna potente. Não tem como saber agora, e nem ligo pra isso, porque há muito mais perguntas pela frente.

A partir de hoje, odeio completamente esquinas. A cada esquina que você vira, é uma surpresa a mais. Foi assim quando encontrei Rogério e sua gangue, depois quando encontrei o beco e agora eu e o Prof. Fili nos deparamos com uma mulher cuspindo fogo.

– Pra trás do carro, agora! - grita ele.

Eu o obedeço sem hesitar. Escondo-me atrás do capô enquanto Fili projeta a mesma luz forte que espantou Rogério e sua gangue. É nessa hora que eu confirmo: ele realmente projeta a luz a partir das mãos. Fico me perguntando novamente como ele faz isso, mas meu pensamento é interrompido quando Fili cai pra trás, gritando de dor.

Vejo-o cobrir seu rosto todo avermelhado e se contorcendo na calçada. Ele foi atingido pelas chamas. A mulher que atirou as chamas passa por ele rindo, e lança um olhar mortal para mim.

– Veja só, mais uma Aberração! - diz ela.

Pergunto-me o que ela quis dizer com aberração.

– Você será queimado até sobrar apenas cinzas! Seu amigo verá você sendo queimado - ela olha para Fili. - E depois irá pelo mesmo caminho.

Pela primeira vez, não sei o que dizer. Meu corpo é tomado por um pavor forte e não consigo me mover. Mas finalmente as palavras escapam da minha boca:

– Eu não sei quem você é e nem o que eu te fiz, mas por favor, não me mate!

Volto a cogitar a ideia de que isso seja alguma pegadinha. Ou, quem sabe, um pesadelo. Mas não há mais tempo para pensamentos agora, pois tudo o que vejo antes de ser atingido pelas chamas é a sombra de um enorme pássaro voando no céu.


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Notas finais do capítulo

Esperamos que tenham gostado.



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