Confusão. É tudo o que consigo sentir quando termino de ouvir a conversa entre Berna e Snow.

Não há a menor possibilidade de entendimento por mim mesmo. As palavras de Snow ainda estão vívidas em mim.

" Se voce o visse antes e agora não diria que é a mesma pessoa, estou impressionado. Ele está violento, irônico e pelo que ouvimos dele a pouco, creio que ele seria capaz de matar o Tordo com as próprias mãos!"

Eu sinto uma dor de cabeça imensa, de modo que desfaleço e sem querer caio dentro do gabinete presidencial.
Berna exaspera-se ao me ver.

– Peeta! - diz surpresa - Não mandei voce voltar para o quarto?

– O que é essa coisa injetada em mim afinal? - indago com raiva.

– Remédio para... - Berna começa mas eu a interrompo.

– Mentirosa! - nesse momento estou berrando em direção a ela - O que é isso? Responda!

Uma fúria me acomete de repente de modo que agarro o pescoço de Berna com força, e eu posso ver seus olhos ficarem vermelhos e sua voz fadigada, mas eu não paro.

Ninguém nos separa, apenas observam atônitos, é preciso que Snow interfira.

– Chega com essa palhaçada! - ouço a voz de Snow ordenando atras de mim

– Cansei de bancar o anfitrião, levem-no daqui.
Imediatamente cinco guardas me agarram com força e olhando em meus olhos Snow dispara mais uma ordem.

– Quero ele na sala de energia - os olhos de Snow miram diretamente os meus - Berna, leve todo o seu estoque de soro, quero esse verme aterrorizado até a morte!

Olhos atônitos caem sobre mim.

– O que estão esperando?! - Snow dispara, em seguida sou arrastado para o que julgo ser a minha execução. Milhares de pensamentos me invadem, entretanto é a raiva penetrante e destruidora que sinto que faz com eu tente resistir às agulhadas em meus braços e pescoço.

– Pensou que eu iria ser tão misericordioso? - Snow diz olhando para mim com olhar de deboche, como se estivesse satisfeito em me ver sofrendo.

– Coloquem os eletrodos nele - Berna ordena e imediatamente sinto as pequenas peças de metal sendo anexadas em minhas pernas, tórax e cabeça.

– O que vão fazer comigo?! - pergunto irado tentando livrar-me das amarras que me prendem à maca.

– Uma experiência, Sr. Mellark - Snow responde aproximando-se de mim - E você será uma espécie de cobaia, antes porém vamos esclarecer alguns fatos.
Enquanto uma equipe trabalha em mim, Snow começa a falar calmamente.

– Isso é uma guerra, e meu maior objetivo é destruir Katniss Everdeen. Mas estou impossibilitado de faze-lo então eu precisava de uma arma potente que pudesse fazer isso por mim. Eu tentei, juro que tentei acabar com ela de várias formas mas nada deu certo entretanto. Mas então eu vi em voce a arma perfeita, só precisava de alguns ajustes aqui e ali e pronto!
Snow faz uma pausa antes de reiniciar seu monólogo.

– Berna tem trabalhado em voce um processo chamado telesequestro que bem...ela pode explicar melhor, Berna?

– Berna? Como pôde? - questiono odiosamente - Eu confiei em voce!

– Não sou sua amiguinha Mellark. Sou chefe do setor de estrategias de Panem,e estive usando em voce o telesequestro - condicionamento pelo medo - funciona assim: voce injeta uma quantidade de veneno de teleguiada em alguem, não o bastante para mata-la apenas o suficiente para causar-lhe confusão, demência e terror, depois direciona esse medo incontrolável para uma area única. Foi o que fizemos .

Deixamos seus medos tão mortalmente aterrorizantes que voce entrou nesse estado de loucura suicida. Uma pessoa capaz de matar sem o menor excrúpulo quando se sente ameaçada. No seu caso essa ameaça está condicionada a um nome: Katniss Everdeen. O telesequestro, é um dos melhores métodos de tortura já inventado.

É doloroso, imensamente doloroso ouvir toda essa história, um ato cruel, porque me lembro das noites em que gritei até desfalecer. Lembro-me da agonia que senti. Então me lembro do dia em que Johanna tentou me alertar, dizendo que ele iriam dizer coisas a mim, coisas que agora não sei se são verdadeiras ou falsas. Eu sinto um ódio tão grande por não ter lhe dado créditos.

– Obrigado, Berna - Snow retoma a palavra - Voce Peeta, é a minha arma contra ela.

– Porque não me mata logo? - pergunto sentindo as lagrimas correrem pelo meu rosto.

– Voce vai morrer sim Peeta, mas não por minhas mãos. - Snow solta com ar cômico - Depois que voce acabar com o Tordo talvez.Tenho certeza de que existem leis severas contras assassinatos no treze.

A sala inteira se enche com os risos malignos de Snow que levanta-se e retira de dentro do paletó uma rosa branca que exala um horrível e enjoativo perfume adocicado e deixando-a ao meu lado vai em direção a porta.

– É para voce, Peeta - diz enquanto caminha - Comecem os trabalhos. Choques, surras, assaltos...sejam criativos.

As portas da sala se fecham, deixando-me na companhia de uma equipe. Ainda posso ouvir as risadas de Snow no corredor quando a primeira onda de choque me atinge.

Dor.

Nada mais além de dor. A sensação de ardência invade todo o meu ser. Posso ouvir a voz de Berna ordenando que aumentem a voltagem.

As ondas causam paralisia em mim de modo que não consigo gritar nem esboçar nenhum movimento. Quando estou quase perdendo os sentidos os choques são interrompidos pela voz de Berna dizendo para eu olhar para a enorme tela a minha frente.

– Que tal um filme? - ela pergunta com ar de zombaria enquanto arruma uma ampola que contem um líquido rosado dentro - O nome científico desse líquido é Vespula andronalya , popularmente conhecido como soro de teleguiada, é o que voce tem recebido durante todos esses dias.

O frio cortante está de volta quando o soro começa a circular em minhas veias; a dor dos choques se intensificam ainda mais com a presença do veneno.

Sinto como se lâminas cobertas de ácido estivessem cortando minha pele.

A dor só não é maior do que a confusão mental. Estou tão enlouquecido que perco a noção da realidade, no momento em que as gravações do Tordo começam a ser exibidas, tenho novamente a mesma sensação de terror e raiva de outrora. E como das outras vezes, as imagens realíssimas me invadem. Ao fundo um coral de vozes gritam coisas terríveis. As vozes são pertencem a uma só pessoa. Pertencem a ela, a Katniss.

– Voce vai morrer! - a voz diz - Vai enlouquecer, e eu vou continuar viva e vencedora!

Há um momento em que eu saio completamente de meu estado comum, provavelmente estou delirando porque num segundo todos na sala se transformam na figura medonha e monstruosa de Katniss Everdeen. Lobos, híbridos e famintos vindo em minha direção.

– Voce foi enganado por todos nós - uma das vozes dispara - Tudo foi uma ilusão.

Meus olhos estão cerrados e meu corpo paralisado quando a segunda onde de choque penetra minha pele. Meu coração está acelerado e minha respiração ofegante, eu procuro uma maneira de suportar mas estou arquejando por que a dor que sinto é insuportável, de repente a eletricidade cessa. A sala toda cai num blecaute total, apenas os monitores dos computadores permanecem acessos.

Eventualmente entre uma arquejo e outro, ouço os questionamentos.

– O que aconteceu? - a voz de Berna novamente se faz presente.

– Perdemos energia, estamos nos geradores - afirma um homem - Não temos como prosseguir com os choques.

Há um momento em que meus agressores se calam e tudo o que se ouve são os meus gemidos baixos. Acredito que finalmente tenha acabado, mas concluo que estou enganado ao sentir uma pancada forte em meu estômago.

– O presidente pediu para que fosse-mos criativos - um homem diz rindo, em seguida recebo outro golpe.

Chutes, socos, pancadas com objetos sólidos. Há um momento que existe tanto sangue em meu corpo que Berna solicita uma toalha para me limpar.

– Sabe porque estamos fazendo isso Peeta? - um homem pergunta mas eu não respondo então ele continua - Por causa dela, Katniss. Estamos torturando voce para que ela veja.

É de longe a pior coisa que já passei em toda minha vida. Ser torturado para a diversão alheia. Eu cuspo uma bolha de sangue antes de responde-lo.

– Então é isso? Sou a diversão de voces?
– Voce é a diversão dela- Berna corrige - Ela fez isso com voce, é ela a quem voce deve matar, ela fez com que Snow transformasse voce nisso.

Não sei quanto tempo dura a sessão de tortura, porque quando olho para o céu escuro pela janela, não consigo me lembrar se já era noite quando tudo começou.

No escuro da sala, os vultos novamente estão presentes e quando fecho os olhos na tentativa de afasta-los de mim sou envolvido por confusão. Pensamentos odiosos. Planos formulados no calor do momento para executa-la. Minha sede pela morte dela é algo mais importante do que minha propria vida.

– Tudo bem, já chega. - ouço a voz de Berna ordenando - Acho que ele já está bem confuso. Levem-no para o quarto.
Imediatamente sou removido da sala. Não sinto minhas pernas e meus braços estão tão inchados que ao mínimo toque sinto como se eles fossem cair de meu corpo.

De volta ao quarto, sou jogado dentro do cômodo. O impacto com o chão duro e frio faz com que a dor se estenda para os meus pulmões. Há sangue por todo o meu corpo e sinto bolhas se formando nos locais onde estiveram os eletrodos. De alguma forma, apesar de toda a neblina de dúvida que há em minha cabeça, relembro os ferimentos de Johanna Mason. As queimaduras purulentas, exatamente como as que tenho agora, então acabo por concluir o que aconteceu a ela.

Um pesar entra dentro de mim, porque Johanna é inocente afinal de contas, e a situação é ainda pior porque ela está sendo torturada por causa do Tordo também. Snow achou uma forma de pagar-mos pelas ações dela. Só pelo fato de ter-mos convivido com Katniss Everdeen, fomos transformados em armas, principalmente eu. Não tenho certeza de quem eu sou, tudo transformou-se, estou confuso, irado e extremamente ferido, sentindo que de alguma forma fui reiniciado. E dentre vários rompantes de terror e ódio, um único pensamento se forma:

"Katniss Everdeen, EU vou matar VOCE."