Vendo com o Coração escrita por Charbitch


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Aeeeh, essa é a minha última história do ano =) Aproveite a fic para filosofar sobre as suas atitudes para 2015! Tenha um feliz ano novo!



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Vendo Com O Coração

Yuri e o seu avô Joel estavam passeando pela cidade. Yuri como sempre estava entediado, pois, segundo ele, ficar em casa jogando videogame era infinitamente mais divertido do que passear com um velho. Ainda mais com um velho cego como Joel. O avô sabia muito bem que a sua companhia não agradava o neto, mas, mesmo assim, procurava entretê-lo de todas as formas, apesar de o garoto jamais cooperar com as suas inúteis tentativas.

—Passear com você é um tédio! – exclamou Yuri – Passear com um velho já é um tédio total, imagina passear com um velho cego? Eu detesto ter que ser o seu guia! Por que você não arruma um cão-guia?

—Um cão guia? – indagou Joel – Não... Eu teria que ficar recolhendo o cocô e o xixi dele. Entenda que isso não me é nem um pouco agradável...

—Além de velho e cego, também é frescurento! Vê se pode! – o garoto já estava prestes a dar um chilique, quando o velho o interrompeu.

—Veja! Uma mulher! – exclamou Joel.

—Como você sabe que é uma mulher? – Yuri estava perplexo.

—O perfume que eu senti agora é de mulher – Yuri também havia sentido o perfume e naquele momento sabia de quem o avô estava falando – O cheiro é de rosas brancas... Ela deve ser muito linda... Deve ter lindíssimos cabelos pretos longos, encaracolados e bem cuidados, grandes olhos castanhos, a pele bronzeada e um corpo invejável...

Yuri não sabia o que dizer, pois a mulher que Joel descrevia não era nem um pouco parecida com a mulher presente ali de fato. Ela era gorda, baixinha, tinha cabelos castanhos pintados de loiro e olhos pequeninos e verdes que com certeza eram lentes de contato. Usava roupas que não lhe caíam bem e parecia o mais triste dos seres.

—Mas... A mulher... – Yuri tentou explicar.

Joel dispensou qualquer tipo de explicação:

—Não, meu neto. Não diga nada... Deixe-me imaginá-la da maneira que eu achar melhor. Se eu não enxergo desde que nasci, se eu nunca pude ver a luz do dia, por favor, deixe-me imaginar como é essa luz; deixe-me imaginar como são as flores, deixe-me imaginar como são as mulheres. Creio que todas as moças sejam lindas do jeito que elas são. E você não vai me fazer acreditar no contrário, vai?

Yuri pensou um pouco e deu um suspiro.

—Está bem, vovô, se você quiser viver nesse mundo de mentira...

—Eu já ouvi falar muitas vezes que o mundo verdadeiro possui muitas injustiças, muita guerra, muita corrupção, muito desmatamento, muitos acidentes, muitas mortes... Pense que mundo horrível é esse! Eu nem preciso enxergar para ver que esse mundo é caótico o suficiente para amedrontar qualquer um. Às vezes um mundo de mentira tão acolhedor nos faz mais bem do que um mundo verdadeiro de dor e sofrimento...

—Mas do que adianta esse mundo ser acolhedor se não é verdadeiro? Qual a graça em ficar imaginando algo incrível, sendo que você sabe que aquilo nunca será seu?

—Da mesma forma que você fica babando por aquele videogame novo e caro que você nunca poderá comprar.

Aquilo foi como um soco no estômago de Yuri.

O velho e o neto se sentaram num banquinho da praça, ficaram em silêncio por alguns minutos e, logo depois, continuaram a conversar.

—O seu mundo é feito de quê? – questionou o neto.

—De sonhos inalcançáveis.

—Pra que sonhos inalcançáveis? Eles só servem para nos deprimir, porque nós sabemos que jamais vamos realizá-los! Eu, por exemplo, fico muito triste quando quero uma coisa e não posso ter. Como ficar imaginando coisas super legais e inalcançáveis sem começar a chorar?

—Nós somos do tamanho dos nossos sonhos e das nossas ideias, Yuri. A aventura de imaginar o impossível, por si só, já vale a pena... Por que você acha que os filmes sobre coisas tão absurdas fazem sucesso? Porque nós gostamos de imaginar. Nós gostamos de pensar que num futuro distante, quem sabe, todos os nossos anseios serão reais. Veja só, os filmes sobre fadas e super heróis são geralmente sucessos de bilheteria. Por quê? Porque o homem sempre quis voar, ter poderes, salvar o mundo! Mesmo que isso pareça completamente intangível, ainda assim temos a esperança de que um dia nós possamos fazer tais coisas! – ele deu uma ênfase tremenda na palavra esperança – Você ouviu isso? ESPERANÇA! Alguns dizem que o dinheiro move o mundo, mas é a esperança que move as pessoas! Sem a esperança, você não prossegue. E como adquirir essa esperança? Sonhando!

—Sonhando... Entendi! – Yuri finalmente percebeu que o avô, apesar da cegueira, era muito inteligente.

—Você entendeu? Ótimo! – o avô sorriu – E qual o seu sonho, Yuri?

—Um videogame novo. Eu já enjoei da minha lata velha, sabe? - o velho aceitou a resposta, mas pareceu decepcionado - E qual é o seu sonho? – questionou o neto – Enxergar?

—Por incrível que pareça, a resposta é não. Há muitas mazelas no mundo, prefiro não enxergá-las. Enxergar com os olhos parece torturante. Eu prefiro enxergar com o coração. Com os olhos você enxerga um especialista em reclamar; com o coração eu enxergo alguém que precisa de apoio. Com os olhos você enxerga uma garota tímida e sem graça; com o coração eu enxergo uma menina que precisa de alguém que a entenda. Com os olhos você enxerga um revoltado com a vida; com o coração eu enxergo uma pessoa que precisa de alguém que a ame por quem ela é.

—Interessante... – ponderou o menino – Mas você ainda não respondeu a minha pergunta! Qual o seu sonho?

—Ah, eu tenho muitos sonhos... A maioria, como eu disse, é inalcançável... Mas o mais tangível deles é que o meu neto me ame, mesmo que eu seja só um velho cego, inútil e babão...

Yuri estava morrendo de vergonha por ter desprezado um homem tão sábio. O garoto já não sabia como se desculpar pelas suas tolices.

—Tudo bem, não precisa dizer nada – falou o velho – Os jovens são meio impulsivos, não sabem ao certo o que dizem ou o que fazem. Na verdade, também há muitos adultos que são assim. Mas a vantagem da vida é que nunca é tarde demais para se redimir dos seus erros. Por mais intransponíveis que os obstáculos pareçam, sabe-se que eles só serão realmente intransponíveis se assim você desejar. Portanto, pule esses obstáculos. Se você tiver a oportunidade de consertar os seus erros, conserte-os. Se você tiver a chance de pedir desculpas a uma pessoa especial que magoou, peça. Se você tiver a loucura para ousar, ouse. É isso o que eu te digo: ouse sonhar o que você quiser, ouse amar quem você quiser, ouse ser quem você quiser! Mas há uma ressalva: seja ousado, mas, por favor, sem machucar ninguém. Ouse ser feliz num mundo triste. Ouse amar onde não há amor. Ouse ser grande num mundo pequeno. Fraqueje, desista, chore, volte, lute, ame, perca, ganhe... Porém, jamais elimine a chama que existe dentro de você. Não a deixe se apagar. Porque quando a sua luz se apaga, você também se apaga. E não restará mais nada além de um resto podre de carne sobre os seus ossos.

O neto ficou intrigado:

—Vovô... – havia lágrimas em seus olhos – Desculpa... – Ele abraçou o velho tão forte que acabou jogando-o no chão – Eu te amo, eu te amo!

O velho devolveu o abraço, alisando os fios negros dos cabelos do garoto, enquanto sussurrava no seu ouvido:

—Eu também te amo, Yuri... Você sabe que eu sempre vou te amar...

FIM.


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Notas finais do capítulo

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