A Invasão escrita por Isadora Nardes


Capítulo 16
Abrigo dos Exilados, 19 de maio de 2015.




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173 dias desde que começou.

Chegou uma nova garota no nosso grupo.

Aparentemente, ela estava simplesmente vagando por aí sem rumo (como eu), até dar de cara com a gruta, empurrar a pedra e entrar. E acho – só acho – que ela pegou fulano trepando com fulano, porém não tem como saber.

Bom, ela tem cabelos castanho-escuros, longos e embolados. E ela está carregando um livro – sempre o mesmo livro: O Senhor dos Anéis.

Se eu fosse ela também não largaria do livro. Eu já o li. E leria de novo e de novo, até o mundo acabar. E talvez o mundo esteja realmente acabando. O nosso, pelo menos.

Ela é tímida, fechada, retraída. Parece sempre estar com medo de que alguém pule e ataque ela. Tem olhos arregalados e ficam ainda mais arregalados quando alguém lhe dirige a palavra.

Aliás, eu não a ouvi falar. Ninguém sabe o nome dela. Ela parece muda.

Mas não é. Porque eu a ouvi cantarolando.

Eu estava dormindo – ou tentando dormir. E eu ouvi sílabas sendo pronunciadas devagar e solenemente. Eu me levantei – nada a perder. Andei um pouco, na direção em que a voz parecia vir. Só que era a direção errada. Então, eu virei e andei, andei, mas a voz parecia distante mesmo assim.

Estava no fim da gruta. Encolhida, no fim da gruta, de costas pra mim. Podia facilmente ser confundida com uma sombra. Com um nada. Qualquer um podia pensar que era fruto de sua imaginação aquela voz que cantarolava.

Mas eu me aproximei. Ela parou de cantar. Meus passos ecoaram pelo lugar silencioso e eu me sentei perto dela. Mesmo no escuro, pude sentir o olhar hesitante dela. Eu disse, devagar:

“Você já terminou o livro?”.

Ela tremeu. Não respondeu, e eu continuei:

“Eu li. É bom”.

Ela não tremeu, mas não respondeu. Eu desabafei:

“Olha, eu também sou novo aqui. Na real, tudo isso é novo, né? Bom, você se acostuma. Se acostuma com a dor. Seja lá quem ou que você perdeu... Todos aqui perderam tudo. E todos aqui se acostumaram. Se você quer se refugiar em si mesma... Quer desistir... Tudo bem. Ninguém vai te impedir. Mas desistir é muito difícil. Eu sei, eu tentei. Porque ainda tem alguma coisa – qualquer coisa – que te prende aqui”.

Ela soluçou. E grunhiu:

“Quem é você?”.

Eu pensei em dizer que havia me perdido. Mas, de alguma forma, Melissa me ajudara a achar a mim mesmo. Então eu disse:

“Patrick. Meu nome é Patrick”.

“Quem é você?” ela tornou a perguntar.

Então eu entendi que ela não estava perguntando meu nome. Ela estava perguntando quem eu era, no sentido mais literal d termo. Estava perguntando o que eu gosto e não gosto, o que eu aceito, o que eu sofri e o que eu faria pra me livrar de tudo.

“Eu... Estava voltando do colégio” comecei. “Tinha uma mulher gritando. E eu fui ajudar ela. Só que daí... Alguém me bateu por trás. Eu acordei quando estava sendo jogado numa... nave”.

“Nave?” ela indagou.

“O lugar onde nos prendem. Enfim... Eu fiquei passando de lá pra cá. Até perder a esperança. Até perder tudo. Não havia nada a mais pra levar. E então eles me entregaram Melissa... Só pra tirá-la de mim.”

“Sua namorada?”.

Eu ri alto. Devo ter acordado alguém.

“Não. Não. Algo a mais que isso. Uma... Esperança. Uma coisa viva, entende? Era o que eu precisava. Uma coisa viva”.

“Eu não tenho. Nada”.

Eu dei uma batidinha no livro.

“Palavras são coisas vivas” eu disse.

Ela me estendeu o livro.

“Leia” disse. “Eu posso ler seu caderno?”.

É claro que eu deixei. Como não?


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Notas finais do capítulo

TALVEZ eu fiquei sem net por um tempo. Vou aproveitar crise de criatividade e programar postagens pra não entrar em hiatus c:



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